Alvo de críticas em início de governo tumultuado, presidente reacende controvérsia sobre Forças Armadas
Esta não foi a primeira vez que Jair Bolsonaro procurou valorizar as
Forças Armadas como um dos pilares da democracia no Brasil, mas foi a
primeira desde que se tornaram evidentes os sinais de desconforto entre
os militares com o tumulto dos seus primeiros meses no poder. As declarações do presidente, durante cerimônia do Corpo de Fuzileiros
Navais, causaram controvérsia por causa das três palavras que ele
escolheu para encerrar uma frase. "Isso, democracia e liberdade, só
existe quando a sua respectiva Força Armada assim o quer", afirmou
Bolsonaro.
Dito assim, foi como se ele sugerisse que a continuidade do regime
democrático no país dependesse da tutela dos militares, e não da vontade
popular ou do funcionamento das instituições cujo papel é definido pela
Constituição. [saber mais, clique aqui.]
No fim do dia, numa tentativa de esclarecer o significado da declaração
durante pronunciamento ao vivo nas redes sociais, o presidente disse que
os brasileiros devem a democracia e a liberdade às Forças Armadas e
acrescentou que elas "sempre estiveram ao lado" desses dois valores. Bolsonaro apareceu na internet ladeado por dois militares, o general
Otávio Santana do Rêgo Barros, seu porta-voz, e o ministro que chefia o
Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, que é general
da reserva. Ambos tiveram a chance de falar durante o pronunciamento do chefe.
Heleno afirmou que os críticos do governo distorceram as declarações do
presidente, como se ele tivesse caracterizado a democracia como "um
presente dos militares para os civis". Mas era exatamente o que
Bolsonaro tinha feito segundos antes, à sua direita, ao dizer que o
Brasil deve sua democracia e sua liberdade aos militares.
Heleno lembrou então que a Constituição inclui entre as atribuições das
Forças Armadas a manutenção da lei e da ordem interna, disse que elas
são um "fator fundamental" em qualquer regime político e citou Cuba e
Venezuela como exemplos de países em que ditadores sobreviveram por
contar com apoio militar. De acordo com o artigo 142 da Constituição, as Forças Armadas
brasileiras tem como atribuições a defesa do país, a "garantia dos
poderes constitucionais" e, se convocadas por um dos três Poderes, a
garantia "da lei e da ordem". [alguns comentaristas estão 'criando' na CF, a suposta necessidade da concordância dos três poderes, o que não representa a verdade;
o texto é claro: "...
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."
Com um detalhe: As FF AA são organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a
autoridade suprema do Presidente da República.] É com base nesse dispositivo que os militares foram chamados a
participar de atividades de natureza policial em diversos momentos nos
últimos anos, como durante a intervenção decretada pelo ex-presidente
Michel Temer (MDB) na segurança do Rio.
Mas muitos seguidores de Bolsonaro acreditam que o artigo 142 também
poderia ser usado para justificar uma intervenção militar na política, e
até o vice de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão, admitiu essa
possibilidade numa entrevista durante a campanha eleitoral do ano
passado. Segundo Mourão, que hoje é visto em toda parte como uma força de
moderação dos excessos bolsonaristas, o texto constitucional permitiria
que o próprio presidente desse um autogolpe, convocando as Forças
Armadas para garantir os Poderes numa situação extrema que definiu
simplesmente como anarquia. "Os militares supõem que a Constituição lhes dá esse papel de guardião
da democracia, mas é um equívoco", diz o historiador Carlos Fico,
professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Bolsonaro
expressou esse sentimento com suas declarações." [mais um especialista dizendo o que os adversários do governo Bolsonaro gostam de ouvir.
O Comando Supremo é do presidente da República e a hierarquia e disciplina sempre estarão presente nas Forças Armadas.
Se o artigo 142 foi, segundo o especialista, uma imposição dos militares, o fato é que, imposto ou não, ele está em plena vigência.]
Ele aponta a redação do artigo 142 como uma imposição dos militares aos
parlamentares que escreveram a Constituição de 1988, uma das concessões
feitas pelos políticos para garantir a suavidade da transição para a
democracia após o fim da ditadura inaugurada pelo golpe de 1964. Capitão reformado do Exército, que se afastou da corporação para entrar
na política após um episódio de indisciplina, Bolsonaro sempre foi visto
com desconfiança pela cúpula das Forças Armadas, mas conquistou seu
apoio na reta final da campanha e tem feito de tudo para preservá-lo.
Para Daniel Aarão Reis Filho, da Universidade Federal Fluminense, as
dificuldades encontradas pelo presidente no início do governo e a
clareza com que militares como Mourão têm exposto suas diferenças com
ele levaram o presidente a procurar reforçar seus laços com os antigos
companheiros de farda."Suas declarações têm o sentido de reafirmar os compromissos que ele
firmou com a cúpula das Forças Armadas, numa hora difícil em que ele se
vê alvo de críticas e precisa manter uma base de apoio que tem muito
prestígio na sociedade", diz Aarão. "Isso não quer dizer que esses laços
vão durar a vida inteira, porque vai depender do que ele conseguirá
realizar no governo."
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