Lula com Sarkozy, contra os EUA, e Bolsonaro com Trump, contra a França. E o Brasil?
Donald Trump está para Jair Bolsonaro assim como Nicolás Sarkozy esteve
para Lula e essas duas situações comprovam a máxima da política externa:
amigos, amigos, negócios à parte. Na hora de prometer mundos e fundos, é
fácil. Na hora de cumprir o prometido, a história é bem outra. O que
vale para Trump é “America first”, assim como o que valia para Sarkozy
era “La France avant tout”. [cabe uma atualização: nem o presidiário petista, nem o presidente francês daquela época eram confiáveis;
- Lula, o presidiário, queria negociar com a França devido a propina paga pelos franceses ser maior;
- Sarkozy, acertadamente, colocava os interesses da França em primeiro lugar, apesar de vender produto de qualidade inferior e do que seu país fez com os argentinos durante a Guerra das Malvinas - mísseis exocet.
Trump, temos que admitir que não está errado quando colocou, coloca e sempre colocará os interesses americanos - leia-se USA - adiante de qualquer outro.
Além do mais a verdade, mesmo sendo dolorosa, deve ser apontada: não há grande interesse para os States em posicionar o Brasil em um verdadeiro primeiro lugar nos interesses americanos na América do Sul:
É o primeiro, mas, a prioridade desta colocação, pode mudar conforme os interesses americanos - que no caso OCDE tanto pode ser privilegiar os países indicados, quanto alertar o Brasil que sua importância é diretamente proporcional a utilidade para os gringos do Norte.
Aquela de se estender tapete vermelho para os 'irmãos' do Norte que queiram viajar para o Brasil e os brasileiros ficarem na vala comum a todos que pretendem viajar para os EUA da América, ainda não foi digerida.
Militarmente, ter um Brasil pró-americano é sempre bom, mas, não essencial. A capacidade militar do Brasil atualmente é, esperamos que mude, mais defensiva, em termos de capacidade de ataque é mínima.] - um
Lula se encantou com Sarkozy, caiu na lábia dele e por pouco não atrelou
todo o arsenal brasileiro a uma única fonte: a França. Depois de fechar
com os franceses o ambicioso Prosub, programa de submarinos da Marinha,
inclusive o submarino de propulsão nuclear, Lula atuou o tempo todo
para renovar a frota da FAB com jatos supersônicos do país. [a propina para pela França era maior que a dos suecos.]
Havia três concorrentes, o Rafale da francesa Dassault, o F-18 da
norte-americana Boeing e o Gripen NG da sueca Saab. Depois de se
encontrar três vezes com Sarkozy num único ano, coisa rara em relações
bilaterais, Lula chegou a criar uma saia-justa ao anunciar a vitória do
Rafale antes do fim do relatório técnico da FAB. O então ministro da
Defesa, Nelson Jobim, fez um malabarismo para desmentir o presidente. Concluído o relatório, com milhares de páginas, o Rafale ficou no
terceiro e último lugar, atrás do F-18 e do Gripen, que acabou sendo
finalmente escolhido – mas só no governo seguinte, de Dilma Rousseff,
quando o namoro de Lula com Sarkozy já tinha terminado melancolicamente.
A obsessão de Lula teve dupla motivação: a empatia pessoal com Sarkozy e
a crença de que uma tal “aliança estratégica” do Brasil com a França
seria decisiva para combater o “mundo unipolar” – algo como “colocar os
EUA no seu devido lugar”. A fantasia ruiu quando o Brasil e a Turquia
operaram juntos o acordo do Irã, contra o armamento nuclear do país. Um
dos pilares da estratégia era o voto da França no Conselho de Segurança,
mas, na última hora, Sarkozy tirou o corpo fora, votou com Washington e
deixou Brasil e Turquia a ver navios. [trair para os franceses é algo que está no DNA.]
Há que se aprender com a história, principalmente quando se trata de
dois lados da mesma moeda: a ideologia empurrava Lula para a França
contra os EUA;
a ideologia trocada de Bolsonaro joga o Brasil no colo
dos EUA, contra a França. E onde fica o interesse do Brasil nesses dois
casos? [convenhamos que é melhor o Brasil contra a França do que contra os EUA.]
Diplomatas de diferentes gerações estão perplexos com o excesso de
reverência, até de encantamento, de Bolsonaro com Donald Trump, que já
foi até comparado a Deus num agora famoso artigo do chanceler Ernesto
Araújo. Trump passa, mais cedo ou mais tarde, mas os EUA ficam, o mundo
fica e nunca se inventou nada melhor em política externa do que o velho e
bom pragmatismo. Adotado, aliás, pelos excelentes diplomatas dos
governos Geisel e Figueiredo, no fim da ditadura.
Ao receber Bolsonaro no Salão Oval da Casa Branca, em março, Trump disse
vagamente que apoia a entrada do Brasil para a OCDE, mas não disse como
nem quando. Saltitante, feliz da vida, o presidente brasileiro se
precipitou e já saiu pagando a dívida antes de contraí-la. Aceitou,
inclusive, abdicar da classificação de país em desenvolvimento da
Organização Mundial do Comércio (OMC), mesmo perdendo condições
camaradas de tarifas. Foi temerário, como se vê agora. Trump apoiou a Argentina (além da Romênia) para a OCDE, mantendo o apoio
ao Brasil, mas só depois. Alegou que a Argentina pediu primeiro, sem
considerar a grave situação social e econômica e a volta do peronismo.
Após Lula cair como um patinho na tal “aliança estratégica com a
França”, Bolsonaro não pode cair no conto da “aliança estratégica com
Trump”. Está na hora de parar, pensar e assumir o “Brasil first”.
Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo
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