Forças de esquerda e de regiões pobres travam avanço do marco do saneamento
Dados os indicadores vergonhosos do país em saneamento básico,
impressiona a dificuldade de fazer avançar no Congresso o novo marco
regulatório do setor. Interesses políticos mesquinhos e preconceitos ideológicos continuam a bloquear medidas para levar coleta de esgoto aos
100 milhões de brasileiros ainda desassistidos. O projeto em tramitação na Câmara dos Deputados, aprovado em comissão
especial, traz aperfeiçoamentos consideráveis diante da versão votada
pelo Senado.
Além de fixar a autoridade da Agência Nacional de Águas (ANA) para
definir padrões técnicos de contratos e metas de universalização, o
texto abre caminho para maior participação do setor privado por meio de
concessões. Este último é o ponto que gera maior resistência entre parte dos
deputados e governadores, que parecem mais preocupados em manter os
monopólios estatais ineficientes. Curiosamente, o bloqueio parece partir
justamente das regiões mais atrasadas no provimento de água tratada e
coleta de esgoto — o Norte e o Nordeste.
Acrescente-se a parcela mais retrógrada da esquerda, que insiste em
classificar qualquer abertura como privatização desumana. Escoram-se,
para tanto, na tese enganosa de que as regiões menos desenvolvidas
ficarão abandonadas, por serem pouco rentáveis. O projeto, na verdade, não força a venda de estatais. Simplesmente abre
espaço para que a renovação dos contratos existentes, realizados sem
licitação, seja feita no regime de concessão, com metas claras de
expansão dos serviços e arcabouço regulatório único, definido em âmbito
nacional.
Hoje, 94% do atendimento cabe a empresas controladas pelo poder público
—natural, portanto, que um novo regime mais concorrencial reduza essa
participação. O status jurídico das empresas, se privadas ou não, é o que menos
importa. Interessa, isso sim, que o vencedor de uma licitação siga
regras estipuladas nos editais. Tais condições precisam assegurar a universalização a preços razoáveis
para todas as comunidades. O maior risco, de abandono de áreas mais
carentes, está mitigado no projeto de lei, que prevê a formação de
regiões e unidades economicamente viáveis. Os parâmetros serão fixados
pelo Executivos estaduais ou pela União.
Outros pontos de atrito, como metas de cobertura, podem ser negociados para levar em conta peculiaridades regionais. A carência de saneamento está intimamente ligada à morte de crianças e à
perpetuação da pobreza —eis o que deveria nortear o debate. Continuar a
impedir a modernização do setor configura inaceitável negligência das
forças políticas.
Editorial - Folha de S. Paulo
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