Eliane Cantanhêde
Negros contra negros, índios contra índios, aparelhamento da cultura, Funai e Ambiente
Um negro que nega o racismo, uma índia contrária aos movimentos
indígenas, um diretor da Funai aliado aos ruralistas, a estrutura de
Meio Ambiente descolada do Meio Ambiente, um secretário de Cultura que
xinga Fernanda Montenegro, uma secretária de Audiovisual distante do
cinema e da televisão. Sem falar em ministros.[a regra é simples, diria o ex-juiz de de futebol e vamos a ela:
- o presidente da República, JAIR BOLSONARO, no de suas atribuições constitucionais, nomeia um ministro. Por óbvio, ele procura saber o pensamento do nomeado, para concretizar o ato;
- o nomeado, tem todo o direito de recusar, mas, ao aceitar tem o DEVER de trabalhar de modo afinado com o governo que integra e que é regido pelo presidente Bolsonaro.
O ministro que não concordar, pede para sair - e os que querem um ministro ao seu gosto, esperem as próximas eleições e se candidatem ao cargo de presidente da República.]
O que que é isso, minha gente? O presidente Jair Bolsonaro vive
criticando os antecessores pelo “excesso de ideologia” e rejeita
indicações de políticos eleitos tão democraticamente quanto ele próprio,
mas não faz outra coisa senão nomear pessoas que simplesmente se
classificam “de direita”, mesmo que não tenham nada a ver com os cargos.
Boa governança? O que dizer de Sérgio Camargo, que foi nomeado para a Fundação Palmares,
apesar de negar o racismo, atacar a “negrada militante” e reduzir a
injustiça e as humilhações contra os negros a um “racismo nutella?” Até o
próprio irmão desse senhor, o músico e produtor cultural Oswaldo
Camargo Júnior, abriu um abaixo-assinado contra a nomeação. Para
Oswaldo, Sérgio é um “capitão do mato”. Um capitão do mato na Fundação
Palmares...
Assim como pinçou um negro para desqualificar os movimentos negros,
Bolsonaro levou para a abertura da Assembleia-Geral da ONU, em Nova
York, a youtuber índia Ysani Kalapalo, que vive entre São Paulo e sua
aldeia no Xingu (MT). Isso tem nome: “Lugar de fala”. Brancos não podem
atacar os movimentos, mas um negro contra negros e uma índia contra
índios faz toda a diferença. [os movimentos que condenam o presidente Bolsonaro levar para Assembleia-Geral da ONU, são, certamente, os mesmo que apoiam Raoni - que vive mais fora do Brasil, da aldeia da qual diz ser cacique - para o Nobel da Paz.]
Tratada como troféu, a jovem se diz “80% de direita”, considera as
queimadas “um acidente” e ataca os líderes como “índios esquerdistas que
fazem baderna em Brasília”. Exultante, Bolsonaro decretou o fim do
“monopólio do sr. Raoni”. Referia-se a um ícone, indicado para o Prêmio
Nobel da Paz. Famoso por chamar Fernanda Montenegro de “sórdida e mentirosa”, o
diretor de teatro Roberto Alvim foi nomeado secretário de Cultura e não
apenas define a política cultural como nomeia direitistas por serem
direitistas. Exemplo: Katiane Gouveia, da Cúpula Conservadora das
Américas, manda na estratégica área de audiovisual.
No prestigiado ICMBio, o PM Homero de Giorge Cerqueira. Na resistente
Funai, o delegado da PF Marcelo Augusto Xavier, com apoio da bancada
ruralista – amiga de Bolsonaro, inimiga das comunidades indígenas. Ele
substituiu o general Franklimberg Freitas, que é indígena. O embaixador júnior Ernesto Araújo virou chanceler depois de sabatinado
pelo filho do presidente e jurar que é a favor de Deus, da família e de
Trump e contra o “globalismo” e a China (que, segundo ele, quer destruir
os valores cristãos do Ocidente).
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi escolhido por conhecer
pouco o setor, não saber nada de Amazônia e se comprometer a entupir o
ministério de militares da reserva, escanteando ambientalistas atuando
há décadas em mares, rios, florestas e reservas. Ruralistas e parte do
empresariado estão felizes. Não se pode dizer o mesmo de especialistas e
da comunidade internacional. Damares Alves deu um salto de uma obscura assessoria do Congresso para
um ministério que reúne Direitos Humanos, família, mulher e sei lá mais o
quê. Assim, roda o mundo com visões muito peculiares, não raro
estranhas, sobre família, gênero, educação infantil. Todos eles têm a
mesma credencial poderosa: são “de direita”.
Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário