[Em seu voto, Toffoli impõe limites.
Mas foi tão confuso que, na saída, até o ministro Luís Roberto Barroso pediu um “professor de javanês”.]
O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o
compartilhamento de dados bancários e fiscais, obtidos por órgãos de controle,
com o Ministério Público foi interrompido nesta quarta-feira (20) ainda longe
de um desfecho. Até agora, apenas o presidente do STF e relator do caso,
ministro Dias Toffoli, concluiu seu voto – ainda faltam os outros 10 ministros.
Em seu voto, Toffoli impõe limites ao compartilhamento de
dados, permitindo o acesso apenas a informações gerais, sem detalhamentos como
a íntegra de extratos bancários e declarações de Imposto de Renda, por exemplo.
O ministro também determinou que, ao receber os dados, o MP comunique
imediatamente a Justiça, para fiscalização do processo de investigação. Toffoli
também fez duras críticas ao Ministério Público e também se preocupou em
defender decisões polêmicas.
Os ministros estão decidindo se há necessidade de
autorização judicial prévia para que órgãos de controle, como a Unidade de
Inteligência Financeira (UIF, o antigo Coaf) compartilhem dados bancários e
fiscais detalhados com o MP para fins de investigação criminal. Em julho,
Toffoli concedeu uma liminar a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) para
paralisar todas as investigações do país com base em compartilhamento de dados
detalhados sem autorização da Justiça.
Ao longo de seu voto, que durou cerca de quatro horas,
Toffoli fez questão de defender sua decisão em vários momentos. O ministro
argumentou que apenas seguiu o que está previsto no Código de Processo Penal
(CPP) ao paralisar as investigações, já que o caso é de repercussão geral. O
ministro ressaltou, ainda, que apenas investigações com dados detalhados
compartilhados indevidamente foram paralisadas.
Toffoli também disse que a decisão tomada por ele, em julho,
não ofende compromissos internacionais do Brasil com o combate à lavagem de
dinheiro, à corrupção, ao terrorismo e ao tráfico de drogas. “Isso não se pode
fazer às custas da supressão de direitos e garantias constitucionalmente
previstos”, disse o ministro. “Temos que acabar com essas lendas urbanas”,
repetiu Toffoli. O presidente do STF também cutucou membros do MP que
criticaram sua decisão, afirmando que ela inviabilizava o funcionamento da UIF.
“Só pessoas mal intencionadas para fazer tal leitura, só pessoas que não
respeitam as instituições”, afirmou.
O relator também tentou distanciar o julgamento do nome de
Flávio Bolsonaro, alegando que o senador não é parte oficial no processo. Na
prática, o STF julga um recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra uma
decisão que anulou o processo contra um réu que tinha como indícios um
relatório da Receita Federal que identificou irregularidades fiscais em um
posto de combustíveis em São Paulo.
“Aqui não está em julgamento, em nenhum momento, o senador
Flávio Bolsonaro”, disse Toffoli já no início do julgamento. Ele lembrou,
ainda, que o relator do caso Flávio Bolsonaro no STF é o ministro Gilmar
Mendes. “Temos que afastar essa outra lenda urbana”, disse. [a BEM DA VERDADE: tentar vincular a paralisação do andamento de aproximadamente 1.000 processos, para favorecer o filho do presidente Bolsonaro é uma tentativa mentirosa orquestrada pelos inimigos do presidente da República.
O Prontidão Total, informou por várias vezes que a questão é bem anterior às eleições de 2018.]
Acesso a dados sigilosos
Outra decisão polêmica defendida por Toffoli em seu voto foi
a que ele determinou que o Banco Central encaminhasse ao STF todos os
relatórios produzidos pelo Coaf nos últimos três anos. A decisão causou
controvérsia, porque o presidente do STF teria acesso a dados sigilosos de 600
mil pessoas, e ele acabou recuando. Mas defendeu no plenário a determinação.
“Para chegar a esses dados foi necessário dar uma decisão bastante dura. Se não
fosse aquela decisão, jamais teria obtido aqueles dados”, defendeu. Toffoli
garantiu que não se cadastrou para acessar o conteúdo dos relatórios.
Segundo ele, nos últimos três anos, o Coaf encaminhou ao
Ministério Público Federal 1.607 relatórios financeiros de ofício. Também
encaminhou 1.165 a requerimento do MPF. Ele se dirigiu ao procurador-geral da
República, Augusto Aras, ao comentar os dados. “Em três anos, o Ministério
Público, requereu, sim [dados ao Coaf]”, disse Toffoli. “Requerimento é uma
solicitação que pode ou não ser acolhida”, defendeu o procurador-geral. “Na
fala do senhor ficou parecendo que o MP não faz nenhum tipo de pedido. Faz sim.
Pode não ser requisição, mas faz”, rebateu o presidente do STF.
Toffoli também destacou que o Coaf produziu mais relatórios
a pedido dos Ministérios Públicos Estaduais e da Polícia Federal do que de
ofício. A requerimento de MPs estaduais foram produzidos 2.880 relatórios,
segundo Toffoli. De ofício, foram 2.300. Já a requerimento da PF foram
produzidos 3.221 documentos, contra 2.845 de ofício. “Temos que acabar com
essas lendas urbanas”, disse Toffoli.
Necessidade de
supervisão judicial e críticas ao MP
Em seu voto, Toffoli também ressaltou reiteradamente a
necessidade de controle judicial sobre as informações trocadas entre órgãos de
controle e MP. “O fundamental é a necessidade de supervisão judicial. Se
tivermos uma solução para isso, penso que estaremos engrandecendo o sistema de
Justiça e protegendo as próprias instituições persecutórias de abusos, o que é
nosso dever constitucional”, disse Toffoli. A supervisão judicial, segundo o
ministro, evita “abusos de investigações de gaveta que servem apenas para
assassinar reputações sem ter elementos ilícitos nenhum”.
Toffoli ressaltou em seu voto que a UIF/Coaf não pode ser
obrigada a produzir relatórios a pedido do Ministério Público. O relator
defendeu que o MP pode consultar a UIF sobre existência ou não de relatórios de
inteligência envolvendo investigados, mas não pode pedir que se produza esses
documentos. Toda comunicação de movimentações suspeitas deve ser feita
de forma voluntária e de ofício pela UIF, defendeu o ministro. Segundo Toffoli,
esse procedimento na relação entre UIF e MP é recomendado pelo Grupo de Ação
Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi),
organismo internacional formado por países-membros da OCDE e outros associados.
Toffoli também reclamou que não há transparência por parte
do Ministério Público sobre quem tem acesso aos relatórios produzidos pela UIF.
“Não há um controle”, reclamou Toffoli, destacando que os dados são sigilosos.
O PGR, Augusto Aras, tentou defender o procedimento, afirmando que o MP não
exige a produção de relatórios da UIF. Segundo Aras, não há uma exigibilidade,
mas o sistema, que não tem interferência humana, recebe a informação de que há
procedimentos abertos contra alguém e envia, de ofício, relatórios ao MP.
Julgamento será retomado amanhã
O julgamento será retomado nesta quinta-feira (21) à tarde.
Ainda faltam os votos dos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís
Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski,
Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello. A sessão está prevista para começar
às 14 horas.
Gazeta do Povo - República
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