Adriana Fernandes
Bolsonaro quer uma proposta mais suave; está cansado de pautas impopulares
A obstrução da reforma administrativa pelo Palácio do Planalto nada tem a
ver com a necessidade de garantir mais foco aos projetos de reformas
fiscais e ao pacote de estímulo ao emprego, que já estão no Congresso. Desde o início, a estratégia governista foi a de enviar as principais
agendas de reformas no primeiro ano de governo e acomodar as prioridades
de votação na articulação com as lideranças políticas. Passada a
Previdência, esse era o roteiro. Todas as reformas num embalo só.
O fato é que a equipe econômica costurou um projeto ambicioso de
mudanças no RH do serviço público, mas não acertou direitinho os
detalhes com o presidente e seus principais auxiliares. Jair Bolsonaro
já declarou que quer uma proposta de reforma mais “suave”. O presidente está cansado das pautas impopulares. Os sinais de irritação do Palácio foram sentidos quando a equipe
econômica deixou para a última hora a decisão de enviar, à Casa Civil, o
texto final das Propostas de Emenda à Constituição (PEC) do pacto
federativo, do ajuste emergencial e de alteração dos fundos setoriais.
Na véspera do anúncio das três PECs, o clima esquentou, com bate-boca
entre as equipes. Itens foram retirados do texto, entre eles uma medida
que permitia que as despesas dos Estados e municípios com salários de
inativos pudessem ser utilizadas para cumprir os mínimos constitucionais
de gastos com saúde e educação. Gato escaldado, o Palácio do Planalto adiou o lançamento da reforma
administrativa, uma peça importante do ajuste fiscal de três pontas
pensado pela equipe de Guedes: manutenção do teto de gastos, reforma da
Previdência e controle das despesas de pessoal – um gasto que ameaça
mais as contas dos Estados do que as da União.
Deu que no deu: vários adiamentos do seu lançamento e aumento da pressão
para que o envio do texto ficasse para 2020. Isso se ocorrer. Já há
quem duvide que a reforma saia no ano que vem. Na melhor das hipóteses,
sairá do Palácio bem menor do que entrou. epois de tentar reverter, ao longo da semana, a posição do presidente
de segurar a reforma, Guedes acabou admitindo, nesta sexta-feira, que
ela ficará para depois.
Um erro de estratégia já apontado por seus auxiliares foi o desejo do
Ministério da Economia de fazer uma mudança geral para todo o serviço
público e carreiras da União, Estados e municípios. Isso afeta
diretamente apoiadores do presidente oriundos da área de segurança, com
muita força no Palácio do Planalto. Embora negue oficialmente, o ministro da Justiça, Sergio Moro, também
interferiu ao manifestar preocupações com a reforma. O procurador-geral
da República, Augusto Aras, foi outro que reclamou. Integrantes dos demais Poderes e representantes dos sindicatos mais
influentes do funcionalismo foram chamados, em seguida, para diálogo. O
argumento dado pelo governo aos líderes sindicais, de que proposta só
atingirá os novos servidores que entrarem no serviço publico, não colou.
O texto será avaliado com lupa pela equipe palaciana, mais interessada
em não prejudicar as carreiras que lhe dão apoio político.
Minirreforma
A rejeição à reforma administrativa agora esbarra também na proposta da
equipe econômica de incluir nas PECs fiscais uma “cota de sacrifício”
aos servidores. Uma delas prevê, entre outros pontos, a possibilidade de
reduzir, por dois anos, a jornada e os salários de servidores em até
25%, reajustes, concursos e também congelar novas promoções – o que, na
prática, alongaria o tempo necessário para chegar ao topo da carreira.
Essas medidas poderão ser adotadas se for decretado estado de emergência
fiscal para correção dos desequilíbrios fiscais.
A possibilidade de corte da jornada de trabalho caiu com uma bomba no
funcionalismo de todo o País. Ninguém quer perder de uma hora para outra
25% da sua renda. Na prática, essas propostas de ajuste já estão sendo
consideradas uma minirreforma administrativa antecipada. Os debates mais fortes sobre as medidas fiscais vão se concentrar nesse
ponto no ano que vem. Nada vai passar neste ano, nem mesmo no Senado,
que prometeu agilidade na tramitação para ter mais protagonismo que a
Câmara na agenda econômica. Embora o fim dos privilégios da elite do
funcionalismo, principalmente no Judiciário, tenha apoio da população,
essa mesma narrativa usada na reforma da Previdência ficou desgastada
com as exceções abertas para algumas categorias.
O próprio governo fez uma reserva de mercado nas PECs fiscais. Juízes,
procuradores do Ministério Público, militares e diplomatas continuarão
sendo promovidos, mesmo se for decretado o estado de emergência pelo
Estado ou município em que trabalha ou pela União, no caso dos
servidores federais. Esse ponto passou despercebido com tantas medidas,
mas vai voltar ao debate. E, claro, dificultar o discurso de “fim dos
privilégios” para todos.
Adriana Fernandes, colunista - O Estado de S.Paulo
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