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quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Magistrocracia - Allan dos Santos no Supremo - O Globo

Allan dos Santos, do site Terça Livre, foi intimado a depor no bojo do inquérito inconstitucional de Dias Toffoli; aquele inquérito autoritário, de março de 2019, estabelecido para investigar a existência — assim, bem ampla e vagamente de fake news, ameaças e “denunciações caluniosas, difamantes e injuriosas” contra membros do Supremo e seus familiares, instaurado de ofício, como obra da vontade do presidente do tribunal, sem objeto de apuração definido e que, na prática, resultaria, pouco depois, na imposição de censura, pelo relator Alexandre de Moraes, sobre a revista Crusoé.

Minha posição a respeito não muda por conveniência: esse inquérito é podre na origem, viciado em seu fundamento. Nada quanto seja produzido sob seu guarda-chuva serve ao Estado Democrático de Direito; e não será a intimação a um difamador a mudar isso.  Que o STF sustente – há quase um ano – esse acinte discricionário à própria natureza da corte constitucional, exemplo concreto do que seja insegurança jurídica, é sinal da profunda depressão político-institucional em que o Brasil afunda; e que tem, naquele tribunal, um dos mais ativos motores.

A defesa de Allan dos Santos alega que o cliente foi intimado – a depor em uma investigação – sem que se lhe garantisse o acesso aos autos; 
sem que se pudesse saber se o sujeito é réu ou testemunha. É gravíssimo, configurando mesmo – a ser assim – abuso de autoridade. Já terá se manifestado a OAB?  E a mim pouco importa que jacobinistas, ao bater do oficial de Justiça à porta, de súbito convertam-se em defensores do due processo of law. Não calibro opinião em oportunista. Tampouco me interessa especular sobre quantos inquéritos como esse haveria se Allan dos Santos fosse ministro do Supremo. Ele não é – eis o fato. Ele é quem agora – vai intimado sem ter acesso aos autos. Não se trata de matéria para fulanização. Ponto final.

Aplico ao caso de Allan dos Santos, por óbvio, o mesmo princípio por meio do qual ataquei a bárbara denúncia apresentada contra Glenn Greenwald. Naquela ocasião, a respeito de Greenwald, escrevi:
“Então, leitor, imagine que você está em sua casa, com sua família, e de repente é informado – notificado – de que foi, de que você foi, denunciado pelo Ministério Público Federal por algo como associação criminosa, e que isso ocorreu, você sabe, sem que nem sequer fosse investigado. Um bico, de partida, gravíssimo, no tal devido processo legal. Afinal, ainda estamos sob o Estado de Direito. Certo?” [um exemplo não muito feliz, visto que quem comete um crime, deve ter presente que a partir do ato criminoso passou a correr o risco de ser identificado, se tornar suspeito e ser denunciado.
Afinal, o autor do 'escândalo que encolheu", tinha plena ciência da existência de um inquérito legal, regular, conduzido pela PF para investigar um crime cujos autores foram por ele orientados.
Assim, com todas as vênias ao ilustre articulista,  não cabe aplicar ao caso Allan dos Santos o que cabe aplicar ao jornalista americano - visto que este sabia da existência do inquérito e que havia vínculos entre ele e os hackers.]
Agora, relativamente a Santos, ajusto:
Então, leitor, imagine que você está em sua casa, com sua família, e de repente é informado – notificado – de que foi, de que você foi, intimado pelo Supremo Tribunal Federal para depor numa investigação, e que isso ocorreu sem que pudesse consultar os autos e sem que soubesse se é réu ou testemunha. Um bico, de partida, gravíssimo, no tal devido processo legal. Afinal, ainda estamos sob o Estado de Direito. Certo?
Que tal?

É o mesmo espírito. E é o mesmo caminho: o do estado policial.
Naquela ocasião, sobre a acusação a Greenwald, também escrevi:
“O lugar em que estamos – e que essa denúncia expõe como se sob o sol de verão – é muito ruim. O espírito do tempo lavajatista – cujo ímpeto vingador, jacobinista, usa o ressentimento reacionário eleito como escada para avançar – é o que endossa, alicerça mesmo, os ataques diários, ataques desferidos pelo próprio presidente da República, contra a imprensa, difundida como atividade nociva da qual se pode prescindir.”

É curioso ler isso à luz do fato de ser Allan dos Santos, segundo avalio, um dos principais agentes ressentidos-reacionários que instrumentalizam “o espírito do tempo lavajatista” para promover ataques contra a imprensa e as instituições da República.
Paciência.  Não será a ilegalidade a ferramenta para desmontar um desinformante; mas, sim, o rigor – a aplicação estrita, precisa, radical – do Estado Democrático de Direito.  No terreno pantanoso, na linguagem de guerrilha, chafurdando o STF no esgoto de uma corte em que juiz se considera imperador, só o Brasil perderá. Que não nos esqueçamos do que distingue o Estado da barbárie: a responsabilidade.  Quem dispara sem medir consequências – sem considerar os riscos de ferir garantias individuais – é o bandido.

Carlos Andreazza, colunista - Publicado em O Globo

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