Fernando Taquari - De São Paulo
Historiador diz que forças progressistas têm dificuldade de entender fenômeno bolsonarista
Em sua avaliação, o termo fascista tem sido utilizado sem a devida
compreensão.
A gestão de Bolsonaro, segundo o professor, deve ser
classificada como reacionária e de extrema direita.
Autor de diversos
livros, como “O Imperialismo Sedutor” e “O Amigo Americano”, Tota diz
que falta ao presidente uma estrutura partidária organizada para
simbolizar uma ameaça a ponto de ser comparado ao nazismo. Ele aponta
que os evangélicos, em sua maioria apoiadores do governo, podem oferecer
essa estrutura partidária ao bolsonarismo, mas refuta comparações entre
a atuação das igrejas e o Partido Nacional Socialista Alemão.
Tota lembra que a SA - uma milícia militar nazista - tinham uma atuação
social que oferecia aos desamparados uma sensação de pertencimento, mas o
paralelo termina aí: “Não quero comparar evangélicos aos nazistas. Há
grandes diferenças”, afirma. Ele pontua que “os evangélicos querem
aumentar cada vez mais sua bancada e a influência no Congresso”. “Não
sei se conseguem fazer um partido, mas podem aderir ao Aliança pelo
Brasil, em construção pelos aliados do presidente”, acrescenta. Apesar das distinções, Tota enxerga pontos em comum entre o bolsonarismo
e os regimes de Adolf Hitler e Benito Mussolini. Para ele, Bolsonaro
atua politicamente mais com a emoção e contra a razão, que é a marca do
fascismo e, sobretudo do nazismo. O professor pondera, porém, que o
presidente pode inaugurar, envolto em um viés autoritário, um novo tipo
de governismo, acuando cada vez mais outros Poderes.
Em meio às aulas, o professor tem se dedicado a escrever mais um livro:
“1945, o Ano sem fim”. A ideia, afirma Tota, que se especializou em
história contemporânea, com ênfase no processo de americanização da
América Latina, é mostrar que continuamos hoje presos ao que aconteceu
naquele ano, quando o então presidente Getúlio Vargas foi deposto pelos
militares e encerrou o chamado Estado Novo, que identifica como um
período autoritário. Em sua pesquisa, o historiador de 77 anos encontrou um documento no
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
(CPDOC), no Rio, com uma carta do educador e intelectual Anísio
Teixeira, de abril de 1945, em que ele diz que as forças progressistas
do país, com o fim do Estado Novo, perderam a oportunidade de se unir e
que cada vez que se chegou perto desta união houve um boicote. Ele faz
um paralelo com a situação atual.
Veja a seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: A demissão de Alvim da Secretaria de Cultura determina um limite do que é inaceitável?
Antonio Pedro Tota: No fim, pesou a pressão da comunidade
judaica. A atriz Regina Duarte, que deve substituir Alvim, não apoia
essa política. A maior parte das pessoas que votaram em Bolsonaro não
faz a menor ideia de quem seja Goebbels e desconhece o que era o
nazismo. Eles falam em comunismo, embora não tenham também ideia do que
é, por conta da retórica de Bolsonaro. Ser anticomunista hoje é moleza.
Você está chutando cachorro morto.
Valor: Como o senhor viu a reprodução de um discurso nazista? [foi reproduzida uma ínfima parte do discurso - os opositores ao governo Bolsonaro e que transformaram uma poucas linhas em quase um livro - sem transcrever, já que seriam desmascarados a uma simples comparação.]
Tota: Alvim não reproduziu o discurso de qualquer nazista. Ele
escolheu Goebbels, o grande ideólogo da perspectiva de como organizar um
partido pela propaganda. No filme “Triunfo da Vontade”, de Leni
Riefenstahl, que retrata o 6º Congresso do Partido Nazista, há uma
passagem do discurso de Goebbels em que ele fala que era muito melhor
você conquistar o coração de um povo pelas palavras do que usar uma
arma. Naquele momento, eles estavam no poder há um ano e oito meses e já
tinham conquistado o coração do povo alemão. Ainda falta muito para nos
aproximarmos do nazismo, o que não deixa de ser perigoso. Mas não sei
se o governo Bolsonaro está conquistando o coração dos brasileiros.
Conquistou o de uma parcela.
Valor: O vídeo de Alvim e outros gestos do governo Bolsonaro legitimam a tese daqueles que falam em uma gestão fascista ou nazista?
Tota: Usa-se hoje com muita facilidade a palavra fascismo. É
evidente que o Alvim tem essa tendência autoritária, ele pode ser
rotulado de fascista, mas, até onde sei, não tem a teoria fascista
escorando-o. A questão importante aqui é que Goebbels tinha um grande
partido por trás do nazismo. O bolsonarismo não tem. Isso, talvez, seja
um perigo, já que esse autoritarismo pode se disseminar sem uma
organização. A organização do Partido Nazista era impecável e deu uma
identidade para aquele montante de desempregados existente na Alemanha
entre 1929 e 1933. Muitos se filiaram porque a SA dava sopa, uniforme,
dinheiro, cigarro e, principalmente, a camaradagem e a sensação de
pertencimento. As igrejas evangélicas, no caso brasileiro, cumprem esse
papel. As pessoas conseguem até deixar as drogas quando são acolhidas.
Não quero comparar evangélicos aos nazistas. Há grandes diferenças.
Valor: O senhor quer dizer que os evangélicos podem ajudar o bolsonarismo a criar um grande partido?
Tota: Eles podem oferecer ao bolsonarismo uma identidade
partidária. Repare que eles querem aumentar cada vez mais sua bancada e a
influência no Congresso. Não sei se conseguem fazer um partido próprio,
mas podem aderir ao Aliança pelo Brasil, em construção pelos aliados do
presidente da República.
Valor: Seria anacrônico, portanto, falar em fascismo ou
nazismo no Brasil de hoje? O governo Bolsonaro representaria um outro
tipo de autoritarismo?
Tota: O autoritarismo cabe melhor ao nosso caso atual. Já
cometemos o erro de chamar o governo de Getúlio Vargas, entre 1937 e
1945, de nazista e totalitário. Não era nazista e tampouco totalitário.
Era autoritário. O partido dele era fardado, o Exército que o
sustentava. Numa conversa informal você até pode falar que o governo
Bolsonaro é fascista. Mas pensar teoricamente como um governo fascista é
um exagero. Diria até que é uma forma apressada e preguiçosa de
classificar os eleitores do Bolsonaro.
Valor: Qual seria a melhor definição para este governo?
Tota: É um governo de extrema direita e reacionário. Não é um
governo conservador. Muitos governos conservadores têm uma formação
intelectual mais acurada. Basta lembrar de Winston Churchill. O curioso é
que as forças progressistas estavam cegas e não faziam ou não fazem
essa distinção. Por isso que o antipetismo se organizou via redes
sociais. Foi nessa brecha que apareceu o Bolsonaro. As forças
progressistas não conseguiram ainda entender isso.
Valor: O senhor acredita que o bolsonarismo veio para ficar?
Tota: É uma impressão. Bolsonaro vai testar cada vez mais as
instituições. Mas não acho que sejam tão habilidosos politicamente. Como
Alvim, este governo acredita mais nessa coisa emocional do que
racional. O bolsonarismo é disperso e espontâneo, embora a administração
nazista da Alemanha também tenha sido meio anárquica. Funcionava na
fórmula erro e acerto, .....
Em Política, Valor Econômico, leia MATÉRIA COMPLETA
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