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terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Os tentáculos brasileiros da rede de corrupção de Isabel dos Santos - VEJA



Por Ernesto Neves, Thiago Bronzatto 

A angolana aproveitou a ditadura do pai para ficar bilionária; uma investigação revelou um vasto esquema de propinas

Ao longo das últimas duas décadas, a angolana Isabel dos Santos, de 46 anos, circulou pelo mundo coberta de rapapés e cercada de celebridades. Dona de uma fortuna avaliada em 2,1 bilhões de dólares, ela recep­cio­na­va famosos em festas sun­tuo­sas a cada edição do Festival de Cannes. Trocava beijinhos com músicos e artistas em Londres e circulava por São Paulo e Rio de Janeiro, onde cultivava amigos como a socialite paulistana Ana Paula Junqueira, com quem assistiu à Copa de 2014, e Helcius, o filho playboy do cirurgião plástico Ivo Pitanguy. Nas redes sociais, Isabel se apresentava, modestamente, como a mulher mais rica da África, empreen­dedo­ra visionária que se fez pelo próprio esforço. O que só é verdade se por empreendimento se entender um apetite voraz por forrar as próprias (e inúmeras) contas bancárias com dinheiro vindo do setor público na forma de desvios, mamatas, notas fiscais falsas e rios de propina.

A devastadora investigação realizada por um consórcio de 120 jornalistas nos subterrâneos dos negócios de Isabel, batizada de Luanda Leaks, revelou, em mais de 715 000 documentos, como ela converteu a ditadura do pai, José Eduardo dos Santos, que governou Angola entre 1979 e 2017, em uma inesgotável fonte de renda. Isabel e seu marido, Sindika Dokolo, 47 anos, repartiram o butim de riquezas de um país abundante em petróleo e diamantes: ela saqueou a indústria do óleo, ele se dedicou a ordenhar negócios com pedras preciosas. Dokolo é dono, em sociedade com a estatal diamantista angolana, da joalheria suíça De Grisogono. Com muitos e frequentes empurrõezinhos de papai, Isabel também teve acesso privilegiado a empreendimentos altamente lucrativos no varejo, nas telecomunicações, na construção civil e no setor financeiro. Segundo o relatório, o casal tem participação em mais de 400 empresas espalhadas por 41 países, 94 delas offshores ba­sea­das em paraísos fiscais. Chamada de “princesa” por causa da coruscante rotina de bilionária, Isabel, sempre sangrando os cofres de Angola — onde 70% da população vive com menos de 2 dólares por semana —, lista em seu patrimônio uma cobertura em Mônaco, um palácio em uma ilha particular em Dubai e três mansões em Kensington, bairro exclusivo de Londres e seu endereço mais permanente.

Além de ser grande acionista da Unitel (que já teve participação na Oi brasileira), Isabel, na clássica reedição da raposa no galinheiro, foi colocada pelo pai por dezessete meses na presidência da Sonangol, a estatal de petróleo angolana. De saque em saque, no dia em que foi demitida ainda autorizou a transferência de 38 milhões de dólares para uma consultoria de amigos. O dinheiro evaporou. A pujança financeira de Isabel se entrelaça com o Brasil a partir das relações entre Santos e o PT. Logo que Lula assumiu a Presidência, angolanos eram convivas frequentes na mansão em Brasília alugada por empresários amigos para promover festas e negócios — aquele casarão que foi palco da derrocada do ministro Antonio Palocci, usuário de uma das suítes. O próprio Palocci, no capítulo de sua delação premiada chamado “Negócios em Angola”, revelou que o PT recebera 64 milhões de reais em propinas da Odebrecht de modo a ampliar o crédito do BNDES para o financiamento de obras no país africano.


A Odebrecht viria a se tornar sócia da Sonangol e a maior empresa privada de Angola. O próprio Lula esteve lá, em 2014, para destravar pagamentos que o governo local devia à empreiteira. Mais: o marqueteiro João Santana contou à Justiça que trabalhara para reeleger José Eduardo dos Santos em 2012 — campanha financiada por 50 milhões de dólares da onipresente Odebrecht. Trançando os pauzinhos na Sonangol, Isabel se tornou dona de 6% das ações da portuguesa Galp, do setor de energia, e se beneficiou enormemente de um malfadado projeto dela com a Petrobras para tirar combustível de óleo de dendê, no qual a brasileira enterrou nada menos que 270 milhões de dólares.

O reino encantado de Isabel começou a ruir em dezembro, quando o presidente João Lourenço que sucedeu a Santos e declarou guerra à corrupção — abriu inquérito para apurar seus negócios, congelou os bens da família e exigiu a devolução de 1,1 bilhão de dólares aos cofres públicos. Indignada, ela deu entrevistas denunciando “perseguição política” e “caça às bruxas”. “Minha fortuna nasceu com meu caráter, minha inteligência, educação, capacidade de trabalho, perseverança”, escreveu Isabel nas redes sociais. Depois da avalanche de provas da Luanda Leaks, o convite para dar palestra no Fórum Econômico de Davos foi retirado e os amigos famosos sumiram. Longe da badalação, a princesa de Angola isolou-­se em sua mansão londrina e espera a poeira baixar. Se baixar.

Publicado em VEJA, edição nº 2671, de 29 de janeiro de 2020
 
 

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