O Estado de S.Paulo
Lula se colocar como defensor da democracia contra o presidente Bolsonaro é hilariante
É bem verdade que o atual governo tem dado ensejo a um pendor
autoritário, como quando o próprio presidente mostra intolerância no
tratamento com a imprensa ou seus filhos investem nas mídias sociais
tratando todos os que deles discordam como inimigos. A crítica não é bem
vista, apesar de constituir um elemento central de qualquer sociedade
democrática, baseada no diálogo, seja com os Poderes republicanos, seja
com a opinião pública em geral. Contudo a reação de setores da esquerda a
essa atitude bolsonarista, colocando o PT, seus grupos e partidos
assemelhados como defensores da democracia, é claramente uma impostura.
Que essa esquerda queira se colocar como polo democrático só serve para
enganar incautos. Pretende borrar o seu próprio passado.
O presidente Jair Bolsonaro, apesar de seus arroubos, não tomou nenhuma
medida autoritária no encaminhamento de leis ou no exercício do Poder
Executivo. Uma coisa é a sua narrativa, que obedece a uma lógica
eleitoral, outra, muito diferente, é sua não apresentação de medidas
concretas que coíbam a liberdade de pensamento ou empreendam a
perseguição social ou policial de seus adversários. Algo inverso fazia o
PT no governo. Sua narrativa era supostamente democrática e suas
medidas práticas na arte de governar eram frequentemente autoritárias,
embora procurassem se legitimar “socialmente”. Aqui “socialmente”
significa o controle petista da sociedade.
No governo Lula, mais que no governo Dilma, várias foram as iniciativas
de criação de conselhos ditos populares, visando, no discurso, a
“democratizar” a sociedade. Várias foram as iniciativas, nesse sentido,
de controle dos meios de comunicação, além do financiamento das mídias
“amigas”, irrigadas com dinheiro público, o que, aliás, hoje criticam no
atual governo. “Conselhos populares” foram constituídos pretensamente
enquanto órgãos de interlocução com a sociedade, quando, na verdade,
eram instrumentos de controle do próprio partido, seja atuando
diretamente ou por intermédio de seus “movimentos sociais”. O governo
Bolsonaro não só não tomou nenhuma iniciativa desse tipo, como aboliu os
ditos conselhos, ferramentas autoritárias.
Quando começou a governar cidades e Estados, o PT “inventou” o orçamento
participativo, que pessoas e políticos imprudentes compraram por seu
valor de face, como se estivéssemos diante de uma reelaboração da
democracia. Na verdade, o que aconteceu foi que o partido, por meio de
seus militantes, tomava conta dessas assembleias, criando uma clientela
cativa que se tornava, dessa maneira, um poderoso instrumento eleitoral.
De democráticas essas assembleias não tinham nada senão a narrativa,
sendo decisões autoritárias e preestabelecidas o seu modo de funcionar.
É analiticamente estabelecido que a corrupção corrói as instituições
democráticas, minando-as de dentro. A representação política se
enfraquece ao ser comprada, como quando era usual comprar deputados e
senadores para os petistas se apoderarem ainda mais do Estado. O
resultado, hoje bem conhecido, foi o mensalão, que deu origem à Lava
Jato enquanto instrumento estatal de controle dessa chaga, que alcançava
patamares perigosos, até mesmo de destruição dos Poderes republicanos.
Se, agora, o ex-presidente Lula da Silva é alguém condenado, tendo
passado vários meses preso, é por que cometeu crimes, cuja repercussão
não foi somente penal, mas também política. Que hoje se coloque como
defensor da democracia contra o atual presidente é literalmente hilário.
Em sua trajetória rumo ao poder, nos municípios, o PT também dizia
defender uma nova forma de democracia e a ética na política. A narrativa
era persuasiva, embora sua prática a contradissesse. Várias foram as
denúncias de prática de corrupção na coleta de lixo e nas empresas
municipais de ônibus, houve até o assassinato de prefeitos petistas, até
hoje não esclarecidos, como o de Celso Daniel, cuja família clama por
justiça. Será que tudo isso deve ser varrido para debaixo do tapete em
nome da “luta democrática” contra o presidente Bolsonaro? Qual é a sua
moral?
O campo brasileiro, nos governos petistas, mais no governo Lula que no
de Dilma, foi controlado pelo MST, com apoio político e financeiro
desses governos. Invasões de propriedade eram a regra. Produtores e
trabalhadores rurais eram vítimas sistemáticas de violência, embora o
discurso petista fosse o de “ocupações pacíficas”. De pacíficas não
tinham nada, pois a lei era simplesmente desrespeitada, armas brancas
eram brandidas e armas de fogo eram empregadas em missões percussoras
nas madrugadas das invasões, galpões e tratores eram queimados, fogo era
posto nas casas e nos alojamentos, além de animais terem seus tendões
cortados, morrendo logo depois. Onde estava a lei? Talvez nos bonés do
MST usados com entusiasmo pelo então presidente Lula, cercado por
militantes desse “movimento” e do PT. O que acontece hoje no campo, sob o
governo Bolsonaro? A ordem pública e o respeito à lei e às
instituições.
No que se refere às narrativas, o PT foi e é um ardoroso sustentáculo
das ditaduras de esquerda, em nome, evidentemente, da “democracia
popular”. Durma-se com uma contradição dessas! Sempre defendeu o
“socialismo do século 21”, bolivariano, em que as piores atrocidades são
cometidas, com as instituições democráticas destruídas, o povo
venezuelano vivendo na miséria e a violência no modo de governar sendo a
regra. Hugo Chávez foi, para os petistas, um “democrata” e Nicolás
Maduro é um símbolo da luta anti-imperialista. A ditadura comunista em
Cuba, além de defendida, é tratada com mimos pela esquerda. Até o porto
de Mariel foi objeto das benesses petistas! É um paraíso de onde ninguém
consegue fugir. A população é mantida sob rigoroso controle pelo
aparato policial e pelos comitês “populares” de bairro. São esses os
modelos democráticos?
A impostura parece não ter limites!
Denis Lerrer Rosenfield, filósofo e professor - O Estado de S. Paulo
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