Almir Pazzianotto Pinto
Que fazer, prosseguir com atividades não essenciais ou preservar vidas?
Longe estou de pretender traçar paralelo entre o capitão Jair Bolsonaro
com o galante capitão Rodrigo Cambará, nascido da imaginação de Érico
Veríssimo na trilogia O Tempo e o Vento. Tratarei do presidente da
República que derrotou Fernando Haddad em duelo incruento e democrático,
após terçarem armas e vencerem no primeiro turno políticos experientes
como Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles, Álvaro Dias,
Marina Silva e outros de menor projeção que me dispenso de nomear.
A História mostra como são difíceis e imprevisíveis as disputas
eleitorais. Recordo-me da surpreendente derrota do brigadeiro Eduardo
Gomes para o general Eurico Dutra, em 1945, e do retorno de Getúlio
Vargas, em 1950. A vitória de Fernando Collor, em 1989, foi inesperada. O
mesmo aconteceu na primeira eleição de Lula. Não nos esqueçamos das
condições políticas reinantes em janeiro de 1985, quando, em pleno
regime militar, Tancredo Neves impôs dura derrota a Paulo Maluf no
colégio eleitoral.
Em maio de 2018 Jair Bolsonaro era tido, no jargão turfístico, como
azarão, destinado a ficar em quarto ou quinto lugar. Despontava como
favorito Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, candidato pelo
Partido da Social Democracia Brasileira. A seguir viria Ciro Gomes. Mais
atrás, Marina Silva e Álvaro Dias. Correndo por fora, o empresário João
Amoêdo, do Partido Novo.
Não repisarei o que já se disse sobre o triunfo de Jair Bolsonaro.
Aconteceu e basta. Foi eleito para exercer mandato de quatro anos,
conforme prescreve a Constituição. Poderá candidatar-se à reeleição. Ao
tomar posse prestou compromisso “de manter, defender e cumprir a
Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro,
sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”.
Promessa idêntica fizeram os presidentes anteriores. A fórmula encerra o
óbvio. Sabemos, entretanto, que jamais foi respeitada. O juramento de
defesa da Constituição tem sido pro forma. Não evita que a Lei
Fundamental seja alvo de emendas retalhadoras. A de 1988 exibe mais de
cem cicatrizes e, em nome de reformas, aguarda por muitas outras. A todo
momento se ouve falar em nova Assembleia Constituinte ou em emenda
parlamentarista.
Quanto ao bem geral do povo brasileiro, abstenho-me de comentar. Somos
pobres e subdesenvolvidos. Se alguém alimentasse dúvida, a pandemia do
coronavírus bastaria para eliminá-la. Com falta de recursos materiais e
humanos, a assistência à população se sustenta graças à dedicação do
ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, dos auxiliares imediatos e
mediatos, dos secretários da Saúde e médicos dos Estados, de grandes e
pequenos municípios, da solidariedade de empresários e trabalhadores.
Quando votamos em Jair Bolsonaro – e me incluo entre os eleitores –,
sabíamos o que estávamos fazendo. Conhecíamos os riscos de conduzir à
chefia do Poder Executivo alguém que não se encontrava habilitado por
completo para o cargo. Como paraquedista treinado para o combate corpo a
corpo, afeito ao uso de armas brancas e de fogo, S. Exa. se revela
incapacitado para conservar alianças que exijam tolerância e serenidade.
Não sabe dialogar, ignora a arte oriental do silêncio e não tem a
humildade beneditina para ouvir antes de argumentar.
O perfil paradoxal do presidente Bolsonaro mais se evidencia quando
declara guerra ao ministro Mandetta pela exemplar correção no exercício
do cargo. Devotado aos princípios da hierarquia e da disciplina,
inerentes à organização das Forças Armadas, S. Exa. não compreende serem
eles incompatíveis com a vida civil. Compete ao presidente da
República, segundo a Constituição, a prerrogativa de nomear e exonerar
ministros de Estado. Nunca, porém, de forma abusiva, como simples
demonstração de autoridade. Afinal, a ele também se aplicam as
exigências do artigo 37, cabendo-lhe observar, no interesse da
República, os princípios de impessoalidade, moralidade e eficiência.
À falta de vacina, os países que melhores resultados colhem no combate à
pandemia são os que adotam severa política de isolamento, ressalvados
os serviços indispensáveis à satisfação das necessidades permanentes da
sociedade. É impossível combinar a proteção à saúde, para garantir a
sobrevivência do maior número possível de pessoas, com a plena
continuidade do transporte, da comunicação, do turismo, da diversão, dos
esportes, da grande e pequena indústria, do comércio atacadista,
varejista e ambulante. Países que subestimaram o isolamento pagam alto
preço em número de infectados e mortos.
Estamos cientes de que a pandemia trará prejuízos inevitáveis. Para o
Brasil significa mais uma década perdida. Não há como evitá-lo. Empresas
estão sendo fechadas e numerosos trabalhadores têm o contrato de
trabalho suspenso ou são demitidos. O que fazer em tais circunstâncias?
Privilegiar o prosseguimento de atividades não essenciais ou preservar
vidas?
A palavra é do leitor que se mantém enclausurado.
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