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sexta-feira, 1 de maio de 2020

Tiro no STF e no pé - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

Há margem para discutir a decisão do STF, mas Bolsonaro trabalhou contra ele próprio

O presidente Jair Bolsonaro deu uma de Jair Bolsonaro: fingiu que foi, mas não foi. Moldado pelos generais e pela assessoria direta não ligada ao “gabinete do ódio”, ele reagiu com moderação e rapidamente ao revogar a nomeação de Alexandre Ramagem para a Polícia Federal, que havia sido suspensa pelo Supremo, mas, à tarde, mandou recados sobre a independência entre Poderes e no fim da quarta-feira já avisava que mudaria tudo. Por quê? “Quem manda sou eu.”

Antes de embarcar para Porto Alegre, para mais uma solenidade militar, Bolsonaro admitiu na quinta-feira, 30: “Quase tivemos uma crise institucional. Faltou pouco”. 
[Sendo o comandante supremo das FF AA, é absolutamente normal que o presidente Bolsonaro compareça a solenidades militares, seja uma troca de comando - caso da do dia 30 - ou mesmo o aniversário de uma das  Forças - caso da sua ida ao Forte Apache no dia 19, Dia do Exército.] Ou seja, o presidente pensou seriamente em desobedecer uma decisão do Supremo, descartando a regra de que “decisão judicial não se discute, cumpre-se” – e, se for o caso, recorre-se.

Se o presidente agora não pensa em outra coisa senão em nomear Ramagem como diretor-geral da PF, o mundo político parecia se dividir. A primeira reação, assim que Alexandre de Moraes suspendeu a posse, foi de amplo apoio à decisão do ministro do Supremo. Na quinta, começaram as ressalvas. Pelo twitter, o ex-presidente Fernando Henrique disse que “os choques entre poderes não ajudam a democracia” e opinou: “Acho que cabe ao PR (presidente) nomear o diretor da PF”. [uma decisão contrária a um ato do presidente da República, incluído em sua competência constitucional, deve ser por mais urgente que seja, proferida por no mínimo maioria simples do  Supremo.
Se a situação for de extrema urgência - não foi o caso da nomeação combatida - sendo inevitável que seja prolatada de forma monocrática, deve ser confirmada no prazo máximo de um dia.]


No centro do embate entre Supremo e Planalto, ou entre Moraes e Bolsonaro, está o confronto entre, de um lado, o dispositivo de que é “atribuição exclusiva do presidente”, a nomeação de ministros e do diretor-geral da PF e, do outro, os princípios de “impessoalidade, moralidade e interesse público”. [Parece não haver interesse em modificar os dispositivos e assim evitar o confronto, o mais saudável é que se considere o disposto em norma que regule o ato a ser realizado.
No caso não é aconselhável que se siga a regra geral e sim a específica para nomeações.]

Há margem, portanto, para questionar a decisão de Moraes. Quem interdita a discussão é Bolsonaro, ao fazer um ataque pessoal a um ministro do Supremo, dizendo que a decisão de Moraes foi “política” e que ele foi indicado para a função por ser amigo do presidente Michel Temer. [com certeza Temer não indicaria para ministro do Supremo alguém que não fosse competente e desfrutasse de sua confiança e amizade.] Bolsonaro interrompeu, assim, a possibilidade de um debate entre sua atribuição exclusiva e o critério de impessoalidade. Trabalhou contra ele próprio e atraiu nova avalanche de críticas para ele e de manifestações em defesa de Moraes e do STF.

Há outra questão importante, como alerta o ex-ministro da Justiça e do Itamaraty Aloysio Nunes Ferreira, tucano como FH. O problema não seria o presidente exigir acesso aos relatórios de inteligência, mas sim às investigações judiciárias.  Bolsonaro tem razão quando diz que a PF integra o Sistema Brasileiro de Inteligência e, se seus relatórios já podem ser encaminhados à Abin, órgão de assessoramento direto ao presidente, por que não poderiam ser divididos com o próprio presidente? Isso, porém, não significa ampliar esse acesso do presidente, ou de qualquer pessoa, ao conteúdo de investigações sigilosas determinadas pelo Judiciário. Isso é outra coisa, muito diferente.

Relatórios de inteligência contêm informações da atuação explícita da PF nas fronteiras, no combate ao crime organizado e no tráfico de armas, drogas e pessoas, que podem ser importantes na definição de estratégias do governo. Já as investigações judiciais são sobre organizações, pessoas, aliados ou adversários do presidente. Logo, poderiam não ter uso de interesse público, mas sim político e até pessoal nas mãos do presidente – qualquer presidente. [não tem sentido desautorizar um presidente da República com base em suposição = 'poderiam'.]

O mais grave, assim, é o que Moro expôs à nação no seu celular: a intenção de Bolsonaro de intervir em investigações da PF contra “dez a doze deputados bolsonaristas”. Não tem nada a ver com inteligência nem segurança nacional, mas com o mais comezinho interesse político de salvar a pele de aliados. [o presidente apenas expressou sua preocupação com eventual exagero da PF - prova incontestável é que quando foi informado de que os policiais agiam a mando de um ministro do STF, deixou o assunto de lado.]  É isso o que baseia a decisão de Moraes e vai alimentar o inquérito sobre Bolsonaro e Moro. E pode ter mais...


 Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo




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