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segunda-feira, 8 de agosto de 2022

“Eu sou o Bem” - Revista Oeste

Rodrigo Constantino

Barroso é um iluminista racional, um defensor da tolerância, das minorias, do progresso, da democracia, das liberdades — desde que todos esses conceitos sejam definidos por ele

O ministro Barroso, do STF, disse nesta semana que enfrentar conteúdos ilegítimos e inautênticos na internet demandam algum tipo de regulação das plataformas digitais. 

Afirmou também que redes sociais muitas vezes amplificam o ódio e a mentira porque trazem mais engajamento. “Há uma contradição entre o bem e o mal, porque é o mal que traz mais lucro e, portanto, é preciso dar incentivos para que as plataformas não tenham essa intenção de amplificar o que seja ruim.”

Luís Roberto Barroso, ministro do STF | Foto: Montagem Revista Oeste/STF/SCO
Luís Roberto Barroso, ministro do STF | Foto: Montagem Revista Oeste/STF/SCO

A declaração foi feita durante palestra “Fake news e liberdade de expressão”, promovida pela Corte. “A grande preocupação que precisamos ter é o fato de que as pesquisas documentam que a mentira, o ódio e sensacionalismos rendem muito mais engajamento do que o discurso equilibrado, razoável, verdadeiro”, disse o ministro. Barroso afirmou que a questão da regulamentação “passou ao largo” das discussões sobre o PL das Fake News. “Quando se fala nisso há uma grande preocupação das plataformas, mas evidentemente que esse tema tem que vir a debate, e um debate transparente e claro, de maneira bem aberta, ouvindo todos os lados da questão.”

Nossos ministros supremos demonstram muito tempo disponível para debates políticos, mas não conseguem comparecer ao Senado quando convidados pelos representantes do povo para discutir ativismo judicial. 
 Sobra tempo até para “lives” com youtubers bobocas, e impressiona como esses ministros tentam influenciar no papel legislador, sendo que não tiveram um único voto. Em especial Barroso, que já confessou desejar “empurrar a história” no sentido que considera progresso.

Barroso gosta de acusar os outros, de apontar dedos, mas olha pouco para o próprio espelho com um olhar crítico

Não foi a primeira vez que Barroso se colocou como o Bem incorporado contra o Mal. Quando participou de evento nos Estados Unidos, bancado pelo bilionário Jorge Paulo Lemann, Barroso falou em nome da democracia e do Bem. Respondendo a uma pergunta da deputada Tabata Amaral, que recentemente declarou apoio a Lula, sobre o risco de Jair Bolsonaro ganhar as eleições, na visão dela, em decorrência do uso de fake news, Barroso afirmou que “é preciso não supervalorizar o inimigo”. Ele acrescentou: “Nós somos muito poderosos, nós somos a democracia, nós somos os poderes do bem”.

Barroso tem fala mansa, mas nem sempre conteúdo moderado. No debate protagonizado entre os ministros Barroso e Gilmar Mendes, sobre doação e campanha eleitoral, um intenso bate-boca ocorreu após Gilmar Mendes criticar julgamento da 1ª Turma em que se decidiu sobre o aborto, com voto vencedor do ministro Barroso.
 Acuado pela acusação de ativismo do colega, Barroso rebateu: “Me deixa de fora desse seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”.

Podemos notar um padrão aqui: Barroso fala sempre em nome do Bem, enquanto os outros, se discordam dele, só podem fazê-lo por maldade, por estarem repletos de más intenções. Barroso é um iluminista racional, um ungido, um defensor da tolerância, da diversidade, das minorias, do progresso, da democracia, das liberdades desde que todos esses conceitos sejam definidos por ele.  
Há um grupo político, revolucionário na verdade, conhecido por tal postura fanática: os jacobinos, que lideraram a Revolução Francesa, e que instauraram o Terror da guilhotina e deixaram como legado a ditadura napoleônica.
 
Chesterton dizia não se preocupar com a falta de crença em Deus numa pessoa, mas, sim, com o que ela colocaria nesse lugar. 
Somos seres religiosos por essência, e mesmo o mais cético dos agnósticos costuma canalizar esse sentimento religioso para algum destino. 
A imensa quantidade de seitas modernas, como o veganismo e o ambientalismo, atesta isso. 
E a maior “religião secular”, sem dúvida, é a ideologia, ou o socialismo, agora redefinido como progressismo, para ser mais específico.

O maior experimento dessa “religião política” foi, certamente, a Revolução Francesa. Os jacobinos não queriam apenas melhorar as coisas, emplacar reformas necessárias; eles desejavam criar um mundo totalmente novo, do zero, com base apenas na “razão”, seguindo o Zeitgeist do Iluminismo, que via avanços concretos nas ciências naturais com a aplicação do conhecimento objetivo.

Na América, os revolucionários também se encantaram com as ideias abstratas, mas havia o contraponto das tradições conservadoras. Se Thomas Paine se inspirava nos caminhos franceses, havia um John Adams para oferecer resistência e impedir o radicalismo. Paine flertou com a mesma “religião” dos jacobinos, e chegou a escrever: “Está em nosso poder começar o mundo outra vez. Uma situação similar à presente não acontece desde os dias de Noé até agora”. Esse idealismo messiânico, que ansiava por um milênio social e uma nova humanidade, não saiu pela tangente na América, ao contrário do caso francês.

Esse clima francês de refundar a humanidade acabou saindo do controle, e a “vontade geral” se mostrou um aríete capaz de destruir tudo que encontrasse pela frente. A Revolução Francesa inaugurou a era dos totalitarismos, com uma “religião cívica” servindo de pretexto para a submissão plena ao Estado. As turbas não reagiram conforme o esperado pelos iludidos democratas seculares. A religião dos jacobinos era dogmática, tinha suas escrituras sagradas, seus profetas, rituais, e, como o cristianismo, era uma religião da salvação humana.

O rio de sangue derramado pelos revolucionários seria purificador, pensavam os crentes, que olhavam para locais elevados demais a ponto de reparar nesse sangue todo. Era a “pureza fatal” da ideologia jacobina, que guilhotinou inclusive seus principais idealizadores e executores, que se mostraram imperfeitos demais.

Voltemos a Barroso: ele já considerou Cesare Battisti um inocente, sendo que o comunista confessou seus crimes depois. Ele já considerou João de Deus alguém com poderes transcendentais, sendo que o médium foi acusado de abuso sexual em lote.  
Ele já espalhou que os bolsonaristas desejam a volta do voto em papel, sendo que o próprio site do TSE explica didaticamente que o voto impresso não tem nada a ver com a volta da cédula de papel. E por aí vai…

Barroso gosta de acusar os outros, de apontar dedos, mas olha pouco para o próprio espelho com um olhar crítico. Falta-lhe humildade, para dizer o mínimo. 
Se Barroso é apenas um oportunista hipócrita, não sei dizer. 
Mas há uma alternativa mais assustadora, sombria: ele acreditar ser mesmo uma alma incrível com a missão de purificar o mundo e salvar a democracia.  
Um ministro jacobino é simplesmente algo temerário!

Leia também “O resgate do juiz”

Rodrigo Constantino, colunista - Revista Oeste


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