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domingo, 25 de setembro de 2022

Bolsonaro chama de 'estapafúrdia' decisão do TSE que proibiu lives no Alvorada: 'Estou em minha casa'. - O Globo

O presidente Jair Bolsonaro chamou de "estapafúrdia" a decisão do ministro Benedito Gonçalves, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que o proibiu de fazer lives eleitorais no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência. O presidente ainda comparou a determinação a uma "invasão da propriedade privada". Dispensa comentários. Eu estou em minha casa — afirmou, durante passeio de moto por cidades no entorno de Brasília.

Em seguida, ele complementou: — É uma decisão estapafúrdia. Invasão da minha propriedade privada, enquanto sou presidente é minha casa.

Bolsonaro comenta decisão do TSE que o proibiu de fazer lives eleitorais no Alvorada

Bolsonaro comenta decisão do TSE que o proibiu de fazer lives eleitorais no Alvorada

Bolsonaro afirmou que neste domingo irá fazer uma nova transmissão ao vivo, mas não respondeu se a exibição seria feita dentro do Alvorada, em descumprimento à ordem do TSE.— Hoje vai ter live — disse.

Questionado, ele não respondeu se pretende continuar fazendo transmissões no Alvorada durante o período eleitoral. Ao atender um pedido do PDT, o ministro do TSE [Benedito Gonçalves] considerou que Bolsonaro fez uso eleitoral de "bens e serviços públicos a que somente tem acesso em função de seu cargo de Presidente da República", como as dependências oficiais dos palácios da Alvorada e do Planalto e o serviço de tradução de libras, para promover as candidaturas dele e de aliados.

Caso volte a fazer propaganda eleitoral nas lives destinadas à divulgação de atos de governo, Bolsonaro poderá ter de pagar multa de R$ 20 mil por ato irregular. O TSE também determinou que os vídeos gravados nas dependências oficiais sejam retirados em 24 horas da propaganda eleitoral de Bolsonaro e de seu candidato a vice, general Braga Netto, sob pena de multa de R$ 10 mil por postagem que se mantiver no ar.

Passeio de moto
A uma semana da eleição, Bolsonaro fez um passeio de moto neste domingo em Brasília e almoçou sozinho em uma barraca à beira da estrada no Distrito Federal, sem a companhia da comitiva de políticos que costuma lhe seguir nas aparições públicas. Conversou e tirou fotos com eleitores durante o almoço. [Bolsonaro não procura, nem precisa, de companhia para almoçar - o que ele procura e precisa é que os eleitores votem nela no próximo Domingo para presidente da República. Votos para vencer no primeiro turno ele já tem, mas queremos mais =  que o presidente obtenha 2/3 dos votos - a lavada que sepulta politicamente o descondenado petista.]

Bolsonaro saiu de moto do Palácio do Alvorada por volta das 11h e foi até a Quadra dos Generais, local das residências de militares de alta patente próximo ao Quartel General do Exército. Depois, foi ao Guará, onde almoçou, retornou a Brasília e parou para falar com apoiadores em frente ao Itamaraty e na Praça dos Três Poderes. Ele voltou para a residência oficial pouco antes das 14h.

Política - Jornal O Globo


segunda-feira, 8 de agosto de 2022

“Eu sou o Bem” - Revista Oeste

Rodrigo Constantino

Barroso é um iluminista racional, um defensor da tolerância, das minorias, do progresso, da democracia, das liberdades — desde que todos esses conceitos sejam definidos por ele

O ministro Barroso, do STF, disse nesta semana que enfrentar conteúdos ilegítimos e inautênticos na internet demandam algum tipo de regulação das plataformas digitais. 

Afirmou também que redes sociais muitas vezes amplificam o ódio e a mentira porque trazem mais engajamento. “Há uma contradição entre o bem e o mal, porque é o mal que traz mais lucro e, portanto, é preciso dar incentivos para que as plataformas não tenham essa intenção de amplificar o que seja ruim.”

Luís Roberto Barroso, ministro do STF | Foto: Montagem Revista Oeste/STF/SCO
Luís Roberto Barroso, ministro do STF | Foto: Montagem Revista Oeste/STF/SCO

A declaração foi feita durante palestra “Fake news e liberdade de expressão”, promovida pela Corte. “A grande preocupação que precisamos ter é o fato de que as pesquisas documentam que a mentira, o ódio e sensacionalismos rendem muito mais engajamento do que o discurso equilibrado, razoável, verdadeiro”, disse o ministro. Barroso afirmou que a questão da regulamentação “passou ao largo” das discussões sobre o PL das Fake News. “Quando se fala nisso há uma grande preocupação das plataformas, mas evidentemente que esse tema tem que vir a debate, e um debate transparente e claro, de maneira bem aberta, ouvindo todos os lados da questão.”

Nossos ministros supremos demonstram muito tempo disponível para debates políticos, mas não conseguem comparecer ao Senado quando convidados pelos representantes do povo para discutir ativismo judicial. 
 Sobra tempo até para “lives” com youtubers bobocas, e impressiona como esses ministros tentam influenciar no papel legislador, sendo que não tiveram um único voto. Em especial Barroso, que já confessou desejar “empurrar a história” no sentido que considera progresso.

Barroso gosta de acusar os outros, de apontar dedos, mas olha pouco para o próprio espelho com um olhar crítico

Não foi a primeira vez que Barroso se colocou como o Bem incorporado contra o Mal. Quando participou de evento nos Estados Unidos, bancado pelo bilionário Jorge Paulo Lemann, Barroso falou em nome da democracia e do Bem. Respondendo a uma pergunta da deputada Tabata Amaral, que recentemente declarou apoio a Lula, sobre o risco de Jair Bolsonaro ganhar as eleições, na visão dela, em decorrência do uso de fake news, Barroso afirmou que “é preciso não supervalorizar o inimigo”. Ele acrescentou: “Nós somos muito poderosos, nós somos a democracia, nós somos os poderes do bem”.

Barroso tem fala mansa, mas nem sempre conteúdo moderado. No debate protagonizado entre os ministros Barroso e Gilmar Mendes, sobre doação e campanha eleitoral, um intenso bate-boca ocorreu após Gilmar Mendes criticar julgamento da 1ª Turma em que se decidiu sobre o aborto, com voto vencedor do ministro Barroso.
 Acuado pela acusação de ativismo do colega, Barroso rebateu: “Me deixa de fora desse seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”.

Podemos notar um padrão aqui: Barroso fala sempre em nome do Bem, enquanto os outros, se discordam dele, só podem fazê-lo por maldade, por estarem repletos de más intenções. Barroso é um iluminista racional, um ungido, um defensor da tolerância, da diversidade, das minorias, do progresso, da democracia, das liberdades desde que todos esses conceitos sejam definidos por ele.  
Há um grupo político, revolucionário na verdade, conhecido por tal postura fanática: os jacobinos, que lideraram a Revolução Francesa, e que instauraram o Terror da guilhotina e deixaram como legado a ditadura napoleônica.
 
Chesterton dizia não se preocupar com a falta de crença em Deus numa pessoa, mas, sim, com o que ela colocaria nesse lugar. 
Somos seres religiosos por essência, e mesmo o mais cético dos agnósticos costuma canalizar esse sentimento religioso para algum destino. 
A imensa quantidade de seitas modernas, como o veganismo e o ambientalismo, atesta isso. 
E a maior “religião secular”, sem dúvida, é a ideologia, ou o socialismo, agora redefinido como progressismo, para ser mais específico.

O maior experimento dessa “religião política” foi, certamente, a Revolução Francesa. Os jacobinos não queriam apenas melhorar as coisas, emplacar reformas necessárias; eles desejavam criar um mundo totalmente novo, do zero, com base apenas na “razão”, seguindo o Zeitgeist do Iluminismo, que via avanços concretos nas ciências naturais com a aplicação do conhecimento objetivo.

Na América, os revolucionários também se encantaram com as ideias abstratas, mas havia o contraponto das tradições conservadoras. Se Thomas Paine se inspirava nos caminhos franceses, havia um John Adams para oferecer resistência e impedir o radicalismo. Paine flertou com a mesma “religião” dos jacobinos, e chegou a escrever: “Está em nosso poder começar o mundo outra vez. Uma situação similar à presente não acontece desde os dias de Noé até agora”. Esse idealismo messiânico, que ansiava por um milênio social e uma nova humanidade, não saiu pela tangente na América, ao contrário do caso francês.

Esse clima francês de refundar a humanidade acabou saindo do controle, e a “vontade geral” se mostrou um aríete capaz de destruir tudo que encontrasse pela frente. A Revolução Francesa inaugurou a era dos totalitarismos, com uma “religião cívica” servindo de pretexto para a submissão plena ao Estado. As turbas não reagiram conforme o esperado pelos iludidos democratas seculares. A religião dos jacobinos era dogmática, tinha suas escrituras sagradas, seus profetas, rituais, e, como o cristianismo, era uma religião da salvação humana.

O rio de sangue derramado pelos revolucionários seria purificador, pensavam os crentes, que olhavam para locais elevados demais a ponto de reparar nesse sangue todo. Era a “pureza fatal” da ideologia jacobina, que guilhotinou inclusive seus principais idealizadores e executores, que se mostraram imperfeitos demais.

Voltemos a Barroso: ele já considerou Cesare Battisti um inocente, sendo que o comunista confessou seus crimes depois. Ele já considerou João de Deus alguém com poderes transcendentais, sendo que o médium foi acusado de abuso sexual em lote.  
Ele já espalhou que os bolsonaristas desejam a volta do voto em papel, sendo que o próprio site do TSE explica didaticamente que o voto impresso não tem nada a ver com a volta da cédula de papel. E por aí vai…

Barroso gosta de acusar os outros, de apontar dedos, mas olha pouco para o próprio espelho com um olhar crítico. Falta-lhe humildade, para dizer o mínimo. 
Se Barroso é apenas um oportunista hipócrita, não sei dizer. 
Mas há uma alternativa mais assustadora, sombria: ele acreditar ser mesmo uma alma incrível com a missão de purificar o mundo e salvar a democracia.  
Um ministro jacobino é simplesmente algo temerário!

Leia também “O resgate do juiz”

Rodrigo Constantino, colunista - Revista Oeste


segunda-feira, 18 de julho de 2022

O problema é a bandeira - Gazeta do Povo

Vozes - Guilherme Fiuza

Uma juíza no Rio Grande do Sul decidiu que exibir a bandeira do Brasil é “propaganda eleitoral”, porque hoje ela (a bandeira) está associadaa um dos lados da política”.  
Em sua decisão, essa juíza informou que vai mandar retirar a bandeira nacional dos locais onde não seja permitida propaganda eleitoral. 
Os jurisconsultos talvez possam informar se essa é a decisão mais bizarra da história da Justiça brasileira (já que a concorrência está forte).



TRE bandeira - Foto: Gerson Klaina/Tribuna

De qualquer forma, decidimos estudar o intrigante princípio usado pela magistrada e rascunhar dez princípios análogos, caso o judiciário brasileiro consagre a transformação da bandeira do Brasil em panfleto:

1) A seleção brasileira não poderá mais entrar em campo de verde e amarelo, pois isto pode configurar manifestação ideológica. O time terá de vestir uniforme de coloração neutra, podendo ser todo cinza ou cor de burro quando foge;

2) Fica proibido o dia 7 de setembro, originalmente a data comemorativa da Independência do Brasil. Como esse dia tem sido usado flagrantemente por “um dos lados da política” para manifestações de rua, o calendário nacional passa a pular de 6 de setembro diretamente para 8 de setembro, eliminando o problema;

3) Fica revogado o Dia das Mães, para evitar a politização da data pelos defensores da família;

4) Fica proibido passear na orla aos domingos. Como esse espaço e esse dia são eventualmente usados para manifestações de “um lado da política”, você pode passear na orla no sábado, que é mais do que suficiente. No domingo, fique em casa;
 
Veja Também:
 
Os entraves que o Brasil precisa contornar para importar diesel da Rússia

Violência política: esquerda quer que você ignore o ódio revolucionário que a impulsiona


5) Fica proibido caminhar ou permanecer em vias públicas com crianças e idosos
. Como esses grupos etários têm sido usados por “um lado da política” para protestos antidemocráticos, passa a ser obrigatório em qualquer ajuntamento de passantes a presença de pelo menos um boçal com uma pedra na mão a cada dois metros quadrados;

6) Fica proibido o uso da cor preta para o luto. Como a população já saiu às ruas de preto para pedir a saída de um presidente – e ele saiu o enlutado pode ser um subversivo disfarçado;

7) Passa a ser obrigatória a retirada de todos os dicionários da palavra “mentira” – atualmente só utilizada por “um dos lados da política”. Ela deve ser substituída pelos termos corretos: “fake news” e “desinformação”. A partir de agora, quem escrever ou pronunciar a palavra “mentira” será processado por fake news;

8) Fica revogada a Constituição Federal,
que só interessa a “um dos lados da política”. Os princípios da Carta Magna passam a ser o que der na telha dos ministros do Supremo seja em atos monocráticos, lives ou palestras, no Brasil ou no exterior;

9) A palavra “Brasil” só poderá ser usada dentro da denominação “Pau Brasil”, designando a famosa espécie da flora nacional. Como se sabe, a palavra “Brasil” em estado puro passou a ser utilizada com viés político-partidário e a partir de agora será considerada propaganda eleitoral;

10) Os brasileiros terão até cinco dias para acabar com as florestas e com o ouro que restam no território nacional
. Como é sabido, esses dois elementos suspeitos originaram as cores verde e amarelo da bandeira nacional, hoje símbolo da polarização e do ódio. Vamos cortar o mal pela raiz.

Guilherme Fiuza, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


segunda-feira, 21 de junho de 2021

Uma PEC para evitar a politização dos militares - Valor Econômico

[ou uma tentativa, mais uma e fadada ao fracasso, de tornar os militares cidadãos de segunda classe?]

Iniciativa precisa ser olhada com mais atenção pelo Parlamento

Avança, a uma velocidade bem abaixo da ideal, a proposta de emenda constitucional (PEC) que veda a nomeação de militares da ativa para cargos civis da administração pública.  A ideia é positiva. Afinal, no Brasil de hoje o chefe do Poder Executivo [não olvidem: eleito com quase 60.000.000 de votos.]  insiste em mesclar sua imagem pessoal e a de seu governo com a reputação das Forças Armadas, instituições de Estado bem avaliadas por parte considerável da população.

Nesta equação, saem perdendo Exército, Marinha e Aeronáutica. Em praticamente todas as semanas o presidente Jair Bolsonaro aproveita-se da estrutura militar para realizar uma solenidade, inaugurar uma obra ou participar de alguma cerimônia. Barracas de campanha já viraram até cenário para as tradicionais “lives” de quinta-feira ancoradas pelo presidente.

Foi numa dessas viagens, por exemplo, que uma organização do Exército passou a figurar, no inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar a realização de atos antidemocráticos, [o famoso 'inquérito do fim do mundo' e que até o presente momento nada trouxe de concreto que sustente a ocorrência de algum crime.] como um dos locais de onde foram acessados perfis suspeitos. Bolsonaro acena para parte de sua base eleitoral sem se preocupar com os danos institucionais que pode causar.

Entre oficiais, não há registro de críticas em relação à PEC. Ela tornou-se, portanto, uma iniciativa que precisa ser olhada com mais atenção pelo Parlamento. De autoria da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), [o partido da autora da PEC, sua democracia centenária, dispensa maiores comentários.] a proposta de emenda à Constituição é debatida há meses entre os parlamentares. Ela tomou força com a nomeação do general da ativa Eduardo Pazuello para o Ministério da Saúde e ganhou ainda mais evidência depois que o militar participou de um ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro.

A história é conhecida. Pazuello desrespeitou não apenas o bom senso como também atropelou as regras de conduta que se espera dos integrantes das Forças Armadas. Subiu em um carro de som e, ao lado do seu comandante em chefe, falou à plateia como se num evento de campanha eleitoral estivesse. Isso tudo depois de comparecer à CPI da Covid do Senado para defender sua gestão no Ministério da Saúde, uma passagem que ficará marcada na história pela ineficiência e pelos tristes números de mortes que até hoje não param de crescer. Ainda assim, até agora a PEC só recebeu o apoio de 150 dos 513 deputados. Para entrar oficialmente no sistema da Câmara e começar a ser discutida - inicialmente pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que analisa a admissibilidade - são necessárias as assinaturas de pelo menos 171 deputados.

O texto é ponderado. A PEC determina que militares - das Forças Armadas ou da polícia - que quiserem ocupar cargos de indicação políticas, como ministérios, terão que se licenciar, caso tenham menos de dez anos de serviço, ou passar para a reserva, se tiverem mais de dez anos. Segundo a deputada Perpétua Almeida, ainda seria possível discutir também a ampliação para outras carreiras que tampouco deveriam exercer atividades de caráter político-partidário.

“Busca-se resguardar as Forças Armadas (FFAA) dos conflitos normais e inerentes à política, e fortalecer o caráter da Marinha, do Exército e da Aeronáutica como instituições permanentes do Estado e não de governos”, destaca a parlamentar na justificativa que fundamenta a apresentação da PEC. “As Forças Armadas, e suas altas e dignificantes funções de defesa permanente da Pátria, não devem ser submetidas a interesses partidários, mas também não podem se desviar de sua função constitucional para participar da gestão de políticas de governos, estes, por definição democrática, transitórios. A história do Brasil e a própria Constituição nos trazem a certeza de que a presença de militares da ativa, servindo a governos e participando da luta política partidária, pode contaminar a tropa com a politização e a partidarização do seu corpo, fenômeno nefasto para a democracia”.

Se lamentavelmente a PEC não avançar, a estratégia da oposição será tentar introduzir esse debate nas discussões a respeito da reforma administrativa. Conforme revelou o Valor na semana passada, aliás, esse tema já chegou à mesa do relator da reforma, o deputado Arthur Maia (DEM-BA). No entanto, misturar os dois assuntos pode criar uma grande oportunidade para aqueles contrários a ambas as iniciativas. O Brasil sairia perdendo duplamente.

Opinião - Valor Econômico

 

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

O recado das urnas - Folha de S. Paulo

Fernando Schüler

Ganha força o espectro de um centro político que pode se mover a meia distância da esquerda e do bolsonarismo

O ministro Luiz Eduardo Ramos disse que os aliados do governo venceram as eleições. Mencionou o crescimento de prefeituras do DEM, PP e PSD, bem como o encolhimento do PT e concluiu: a turma que segue as “pautas e ideias” de Bolsonaro ganhou o jogo. Há vários problemas aí. O primeiro é saber exatamente quais são as pautas e ideias do governo. Por vezes o suporte do governo, e em particular do presidente, à sua própria agenda de reformas se parece com o apoio de Bolsonaro ao prefeito Crivella: “Se não quiser não vota, tranquilo”.

É verdade que os partidos tradicionais foram vencedores. A Folha identificou uma tendência significativa de deslocamento à direita dos novos prefeitos. Há muitos significados nisso. Um deles diz simplesmente que esta foi uma eleição de baixa propensão a risco. É a tese levantada pelo professor Carlos Pereira: diante da pandemia e do espectro da morte, o eleitor tende a recuar da lógica do confronto e se afastar das “saídas polares”.

Há uma explicação mais pragmática: DEM, PP e PSD trabalharam forte e foram os partidos que mais cresceram com o troca-troca partidário entre as eleições. Só o DEM passou de 272 para 456 prefeitos, já antes das eleições, basicamente puxados por governadores eleitos pelo partido, em 2018. O resultado obtido agora é em boa medida uma consequência disso. O ponto é que a interpretação dada pelo ministro Ramos põe um detalhe para baixo do tapete: o bolsonarismo virtualmente não apareceu nessas eleições. É evidente que há candidatos identificados com Bolsonaro, alguns com relativo sucesso. Nas 18 capitais com segundo turno há no mínimo cinco com candidaturas claramente identificadas com o presidente e seu estilo. Mas, cá entre nós, frente ao que vimos há dois anos, é muito pouco. [não esqueçamos que a campanha não foi para escolher Bolsonaro - situação vivida em 2018 e esperada em 2022.]

O próprio bolsonarismo reconhece isso. Filipe Martins, assessor internacional de Bolsonaro e geralmente visto como ideólogo do grupo, pediu “autocrítica” aos conservadores e conclamou a turma a “recuperar os ideais e bandeiras de 2018”. Vai aí o problema. O que a eleição revela é que os tais princípios de 2018 talvez não tenham lá grande profundidade. O conservadorismo de Bolsonaro nunca produziu muita coisa, no governo, e o que se anunciava como sua agenda no Congresso (escola sem partido, redução da maioridade penal, liberação do porte de armas) nunca andou. [o nosso presidente sofreu um boicote intenso, e prejudicial ao Brasil, sempre que procurou concretizar sua agenda (um Poder Legislativo pautado por Alcolumbre e Maia, um Poder Judiciário ávido por protagonismo e receptivo  à excessiva judicialização impediram o seguimento das propostas do presidente Bolsonaro)  mas em 2021, com a pandemia sob controle e o Brasil recuperando seu crescimento econômico, o Congresso sob nova direção, e o Poder Judiciário cuidando de julgar e não de legislar, a pauta voltará, passo a passo.]

No Brasil recente, se confundiu conservadorismo com palavras de ordem do tradicionalismo de costumes (não raro misturado com religião). Vem daí o completo desinteresse de Bolsonaro em criar a Aliança pelo Brasil e sua acomodação junto aos partidos do centrão.

O mesmo vale para a agenda econômica. Paulo Guedes pode ser um histórico do liberalismo brasileiro e de algum modo ainda funciona como fiador da pauta de reformas junto ao mercado, mas vamos convir: terminamos o ano com menos consenso sobre reforma tributária do que parecíamos ter antes da pandemia; a reforma administrativa, além de tímida, se arrasta, e as privatizações, dois anos depois, quando muito prosseguem como um “ideal” do governo.

Em meio a este quadro, Bolsonaro resolveu improvisar. Bem a seu estilo, mencionou alguns candidatos, em suas lives, fez escolhas erradas, desconsiderou aliados políticos no Congresso e colheu um resultado melancólico. O que estas eleições fizeram foi acender uma luz amarela no Planalto. A avaliação positiva de Bolsonaro caiu entre 15% e 20% desde o início da campanha, a agenda de reformas está parada e não há sinal sobre o que o governo fará com o auxílio emergencial a partir de janeiro.

Talvez o governo se dê conta disso e comece a trabalhar com algum senso de urgência no Congresso. O recado das urnas parece claro: ganha força o espectro de um centro político que, sabendo capturar a agenda reformista, pode começar a se mover por conta própria e produzir uma alternativa para 2022, distante simultaneamente da esquerda e do bolsonarismo.

Para Bolsonaro, que depende da lógica da polarização para sobreviver, este é o principal recado que surge das urnas.

Fernando Schüler, professor  - Folha de S. Paulo

 

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Fúnebre marcha dos 100 mil - Fernando Gabeira

Em Blog


sexta-feira, 19 de julho de 2019

Escudeiro de Bolsonaro, Helio Lopes produz muita espuma na Câmara

Eleito pela primeira vez, escudeiro e companheiro de viagens do presidente tem uma média de um projeto a cada quatro dias


Seis meses após o início do governo, ainda provoca curiosidade um sujeito de quase 2 metros de altura que aparece ao lado de Jair Bolsonaro em quase todo compromisso que o presidente tem no Brasil ou no exterior. Seja em lives no Facebook, seja gargalhando ao lado de Donald Trump, o deputado federal Helio Lopes (PSL-­RJ) é um escudeiro que raramente expressa suas opiniões ao público.

 A notícia mais surpreendente é que Helio Negão, como ele é mais conhecido, tornou-se um dos campeões de produtividade na Câmara, pelo menos no primeiro semestre, com 48 projetos de lei apresentados até aqui — o que dá uma média de um a cada quatro dias. Lopes responde por 10% dos projetos de lei formulados pelo PSL, o partido com o maior número de propostas apresentadas em 2019. Algo muito impressionante para quem passa um tempo considerável andando ao lado do presidente (daí o apelido de papagaio de pirata) e já esteve com ele em metade das oito viagens internacionais realizadas até aqui. “Quem trabalha dezoito horas por dia tem tempo para fazer quase tudo”, defende-se o deputado (confira a entrevista).

A maior parte das sugestões refere-­se a questões ligadas à segurança e ao meio ambiente. Quando se coloca uma lupa sobre a qualidade desse trabalho parlamentar, no entanto, a conclusão é que há muita espuma para pouca coisa de utilidade prática. Cerca de 80% das ideias repetem temas que se encontram em discussão no Congresso ou tentam regulamentar algo que já está normatizado. Exemplo disso é a proposta para fechar o espaço aéreo em um raio de 5 quilômetros nas áreas onde são realizadas operações policiais, o que, na verdade, já ocorre. Problema semelhante acontece com a proposta de criar um ranking esportivo que contaria pontos na avaliação de universidades — algo inexistente no exterior e que seria mais uma jabuticaba brasileira. “São várias ideias redundantes. Qual é a importância de um projeto para alguma coisa que já foi proposta antes?”, critica Claudio Couto, cientista político da FGV.

Outra parte das ideias de Lopes é simplesmente irrelevante. Ele quer garantir que oficiais e praças temporários mantenham carteiras de identificação militar mesmo que estejam inativos. A justificativa: “É importante para as Forças Armadas a manutenção desse vínculo sentimental dos seus oficiais e praças temporários com seus quartéis de outrora”. Há ainda uma iniciativa do deputado para enquadrar o passatempo de soltar pipas nos céus. Nesse caso, a proposta é banir o uso de linhas cortantes, o popular cerol, mas Lopes classifica a brincadeira de crime. “No geral, são respostas equivocadas para problemas mal identificados”, afirma José Vicente da Silva Filho, consultor especializado na área de segurança. Aos 50 anos, Lopes elegeu-­se com 345 234 votos, tornando-­se o número 1 entre os deputados federais do Rio de Janeiro .[para que tenham uma ideia, o Rodrigo Maia (que gosta de posar de 'primeiro-ministro', ele e o Alcolumbre tem o desejo de transformar o presidente Bolsonaro em 'rainha da Inglaterra - e o presidente da Câmara sonha ser presidente do Brasil - não conseguirão nem uma coisa nem outra) obteve na mesma eleição, pouco mais de 73.000 votos = 1/5 do total obtido por Hélio Negão]  Em 2016, havia obtido meros 480 votos em uma candidatura a vereador em Nova Iguaçu. Seu surgimento na campanha, com o apelido de Helio Bolsonaro, se deu no mesmo momento em que o STF analisava uma denúncia contra o presidenciável por declarações de teor racista — a acusação foi rejeitada pela Primeira Turma. Sobre a frenética produção parlamentar, o deputado garante ler a versão final dos projetos, mas assume não ser o autor de todos eles. O político leva à sua equipe sugestões até de Bolsonaro. É o caso de uma iniciativa — ainda não protocolada — que pretende regulamentar a ativação de chips de celular apenas em lojas habilitadas. O presidente está preocupado com a possibilidade de presos ativarem aparelhos nos presídios. “Somos o braço legislativo do governo”, diz o chefe de gabinete, Jack­son Camara.

Embora mire a segurança, Lopes acerta o alvo no meio ambiente, com sugestões que variam do reflorestamento nas margens de rodovias a incentivos para carros elétricos e o uso de energia solar. “Parecem propostas vindas da Rede, da ex-ministra Marina Silva”, afirma o advogado Rafael Feldmann, especialista em direito ambiental. O juiz federal Gabriel Wedy, professor de direito ambiental na Unisinos, avalia que as propostas também estão alinhadas com o Acordo de Paris — que o presidente já amea­çou deixar, mas recuou. “Trata-se de uma pauta positiva para o Estado brasileiro e, em especial, para o atual governo, que poderia adotá-la”, entende.

Nesse campo de projetos ambientais outro político que vem se destacando é o deputado de primeiro mandato Célio Studart (PV-CE). O parlamentar assinou sozinho 157 propostas de lei. Com isso, tornou-se o campeão do Congresso nesse quesito — uma enxur­rada que ele diz ter formulado até com o apoio de seguidores em redes sociais. “Quem não propõe leis está deixando de exercer sua profissão”, justifica Studart, que se daria por satisfeito caso um terço das medidas fosse aprovado pelas comissões até 2022. A melhor experiência legislativa não recomenda que Helio Lopes se aproxime dos números de seu colega do PV. De acordo com Claudio Couto, deputados experientes não perdem tempo propondo projetos. “Eles apresentam emendas, destaques e se ocupam de atividades mais importantes”, afirma. “Historicamente, o Executivo é quem aprova o grosso dos projetos de lei. Os deputados que estão na empolgação querem mostrar serviço.” A intenção pode até ser boa, mas a ação provoca o efeito colateral de congestionar a pauta do Legislativo. Em outras palavras, é pura perda de tempo no momento em que o Congresso precisa se debruçar sobre problemas mais sérios.

Publicado na edição nº 2644  - em VEJA de 24 de julho de 2019,