1. A FORMAÇÃO DA VAR-PALMARES
Em meados de 1969, duas organizações de linha foquista, a Vanguarda Popular
Revolucionária (VPR) e o Comando de Libertação Nacional (COLINA) debatiam-se
sufocadas pelo cerco dos órgãos de segurança. Espremidas entre os sucessos dos
atos terroristas e dos assaltos a bancos e as amarguras da prisão de dezenas de
seus militantes, ambas buscaram, na fusão, um modo de rearticularem-se, formando
uma única organização, mais poderosa e de âmbito quase nacional.
Assim é que, em junho e em julho, em duas casas do litoral paulista,
respectivamente, em Peruíbe e em Mongaguá, os dois comandos nacionais
realizaram a denominada Conferência de Fusão, em cujo Informe, datado de 07 de
julho, já aparecia o nome da nova organização, a Vanguarda Armada
Revolucionária Palmares (VAR-P), que iria, também, ganhar a adesão de
militantes da Dissidência do Partido Comunista Brasileiro de São Paulo (DI/SP).
Foi eleito o seguinte Comando Nacional (CN), três oriundos de cada organização:
Carlos Lamarca, Antônio Roberto Espinosa e Cláudio de Souza Ribeiro, da VPR, e
Juarez Guimarães de Brito, sua esposa Maria do Carmo Brito e Carlos Franklin
Paixão Araújo, do COLINA. Apesar da fusão ter sido concretizada, as discussões da conferência não foram tranquilas, transcorrendo num clima tenso e, por vezes, tumultuado. Os "massistas" oriundos do COLINA, melhor preparados politicamente, criticavam os
"militaristas" da VPR, pelo "imediatismo revolucionário" que defendiam. Ao mesmo tempo, entrando com 55 milhões de
cruzeiros e um grande arsenal de armas, munições e explosivos, os oriundos da
VPR sentiam-se moralmente fortalecidos, em face do nenhum dinheiro e das duas
metralhadoras Thompson e quatro pistolas trazidas pelo COLINA.
Entretanto, tudo foi esquecido quando Juarez Guimarães de Brito apresentou o
seu trunfo, o planejamento da "ação grande", que poderia dar, à nova VAR-P, sua independência
financeira.
2. A "AÇÃO GRANDE"
Gustavo Buarque Schiller, o "Bicho",
era um secundarista da então Guanabara que havia participado das agitações
estudantis de 1968 e, através de militantes do diminuto Núcleo Marxista
Leninista (NML), havia se ligado ao COLINA. De família rica, morava no bairro
de Santa Tereza, próximo à casa de seu tio, o médico Aarão Benchimol, que a
havia cedido para ser a residência de sua irmã - tia do "Bicho", Anna Gimel Benchimol Capriglione, tida como sendo a "amante do Adhemar", ex-Governador de São Paulo. Ao ouvir que no cofre do casarão de
sua tia, que morava na Rua Bernardino dos Santos, havia milhões de dólares,
levou esse dado à organização.
No início de maio de 1969, "Bicho"
recebeu de Juarez Guimarães de Brito a incumbência de realizar levantamentos
mais acurados, com croquis e tudo, para um futuro assalto. Descobriu,
então, que não havia só um, mas dois cofres, o segundo num escritório em
Copacabana. Descobriu, também, que neles deveria haver de 2 a 4 milhões de
dólares, além de documentos que poderiam incriminar, por corrupção, o
ex-Governador Adhemar de Barros.
Juarez vislumbrou a "ação grande": num
assalto simultâneo, arrecadaria recursos financeiros nunca antes conseguidos
por uma organização e, com os documentos, poderia desmoralizar um dos
articuladores da Revolução de 1964.
Necessitando de mais dinheiro para o roubo dos cofres, Juarez decidiu executar
o que denominou de "ação retificadora", chefiando, em 11 de julho, o assalto à
agência Muda do Banco Aliança, com os seguintes sete militantes da VAR-P: Darcy
Rodrigues, Chael Charles Schreier, Adilson Ferreira da Silva, Fernando Borges
de Paula Ferreira, Flavio Roberto de Souza, Reinaldo José de Melo e Sonia
Eliane Lafoz. O assalto não proporcionou o resultado esperado: além de só terem
conseguido 17 milhões de cruzeiros, foram perseguidos pela polícia, quando
Darcy Rodrigues assassinou o motorista de táxi Cidelino Palmeira do Nascimento,
causando "reflexos políticos negativos" para a nascente organização.
Por outro lado, o assalto ao cofre de Copacabana necessitava um tempo maior de
planejamento, o que a "revolução" não
poderia conceder. Decidiu, então, roubar o de Santa Tereza.
Na tarde de 18 de julho de 1969, os seguintes treze militantes da VAR-P,
comandados por Juarez Guimarães de Brito ("Juvenal",
"Júlio"), invadiram o casarão de Anna Capriglione,
disfarçados de policiais à cata de "documentos subversivos": Wellington Moreira Diniz ("Lira", "Justino",
"Mario", "Lampião", "Virgulino"), José Araújo de Nóbrega ("Alberto", "Monteiro", "Zé",
"Pepino"), Jesus Paredes Sotto ("Mário",
"Reis", "Lu", "Roque",
"Tião", "Elmo"),
João Marques de Aguiar ("Braga", "Jeremias", "Topo Gigio"), João Domingos da Silva ("Elias", "Ernesto"), Flávio Roberto de Souza ("Marques",
"Mário","Juarez", "Ernesto", "Gustavo"), Carlos Minc Baumfeld ("Orlando",
"José", "Jair"),
Darcy Rodrigues ("Sílvio", "Léo", "Batista",
"Souza"), Sônia Eliane
Lafoz ("Bonnie", "Mariana", "Clarice", "Paula",
"Rita", "Olga"),
Reinaldo José de Melo ("Rafael", "Maurício",
"Otávio", "Douglas"),
Paulo Cesar de Azevedo Ribeiro ("Ronaldo",
"Hilton", "Comprido",
"Glauco", "Ivo",
"José", "Luiz", "Osvaldo", "Pedro",
"Rui") e Tânia Manganelli
("Simone", "Glória", "Marcia",
"Patrícia", "Sandra", "Vera").
Hoje, Carlos Minc Baumfeld, assaltante e ex-banido do território nacional, cuja
liberdade foi trocada pela vida de um embaixador seqüestrado, posa como
administrador, com um cargo no Estado do Rio de Janeiro... Após confinarem os presentes a uma dependência do térreo da casa, um grupo
subiu ao 2º andar e levou, através de cordas lançadas pela janela, o cofre de
200 Kg, colocado numa Rural Willys. Em menos de 30 minutos, consumava-se o
maior assalto da subversão no Brasil.
Levado para um "aparelho" localizado próximo ao Largo da Taquara, em Jacarepaguá, o cofre
foi arrombado com maçarico e com o cuidado de, antes, ser cheio de água através
da fechadura, para evitar que o dinheiro se queimasse. Aberto, "os militantes
puderam ver, maravilhados, milhares de cédulas verdes boiando". Penduraram as notas em fios de nylon estendidos por toda a casa e
secaram-nas com ventiladores. Ao final, 2.800.064,00 dólares atestavam o
sucesso da "ação
grande". Entretanto, entre os documentos encontrados só havia cartas e papéis pessoais,
nada que pudesse incriminar Adhemar de Barros, além das inevitáveis
especulações sobre as origens da fabulosa quantidade de dólares.
3. O DESTINO DO BUTIM
O destino dado ao dinheiro nunca foi devidamente esclarecido, perdido nos
obscuros meandros da cobiça humana sobrepondo-se à ideologia.
Juarez e Wellington Moreira Diniz deixaram todo o dinheiro no "aparelho" da Rua Oricá, 768, em Braz de Pina, sob a guarda de Luiz Carlos
Rezende Rodrigues ("Chico", "Negão") e Edson Lourival Reis Menezes ("Miranda",
"Sérgio", "Wander", "Emílio",
"Gilson"). Dias depois, Juarez foi buscar o dinheiro e
determinou que essas duas "testemunhas" viajassem para a Argélia: Luiz Carlos embarcou em 12 de agosto, a
fim de comprar armas, e Edson, via Argélia, foi fazer um curso de guerrilha em
Cuba. Cinco meses depois, já no início de 1970, de volta ao Brasil, Luiz Carlos
pediu para o militante Jorge Frederico Stein levar a quantia de 220 milhões de
cruzeiros do Rio Grande do Sul para a Guanabara, em duas viagens.
Cerca de 300 mil dólares foram colocados em circulação e sabe-se que muitos
militantes receberam, cada um, 800 dólares para emergências e que os dirigentes
passaram a viver sem dificuldades financeiras. Inês Etienne Romeu ("Alda",
"Isabel","Leda", "Nadia",
"Olga", "Tania") recebeu
300 mil. Cerca de 1,2 milhão foi distribuído pelas regionais, para a aquisição
de armas, "aparelhos" e carros, além da implementação das possíveis áreas de treinamento
de guerrilhas. No final de setembro, Maria do Carmo Brito ("Lia",
"Madalena", "Madá", "Sara") entregou ao Embaixador da Argélia no Brasil, Hafif Keramane, a
quantia de 1 milhão de dólares. Em contas secretas da Suíça - depois
transferidas para a França, foram depositados 250 mil dólares, dos quais 120
mil foram divididos, em 1974, pelos grupos remanescentes da VAR-P e 130 mil
foram abocanhados por Lalemant, um francês intelectual de esquerda, editor e
dono da livraria Marterout, em Paris.
Quanto ao Gustavo Buarque Schiller, o "Bicho", seu destino foi mais claro, se não trágico, do que o dos dólares
que ajudou a roubar. Logo após o assalto, passou para a clandestinidade,
escondendo-se com Herbert Eustáquio de Carvalho, o "Daniel". Depois, fugiu para o Rio Grande do Sul, onde usou os codinomes de
"Luiz"
e "Flávio". Preso no final de março de 1970, foi banido
para o Chile em 13 de janeiro de 1971, em troca da vida do embaixador suíço.
Depois de passar longos anos de dificuldades financeiras na França, retornou ao
Brasil com a anistia, em novembro de 1979. Movido por "conflitos
existenciais", suicidou-se em
22 de setembro de 1985, atirando-se de um edifício em Copacabana.
Com dólares, armas e militantes preparados, a VAR-P nascia grande e prometia
tornar-se a maior das organizações subversivas brasileiras. Os conflitos
ideológicos entre seus integrantes, originados de uma fusão que nunca desceu da
cúpula dirigente às bases, acabariam por dividi-la e enfraquecê-la, facilitando
a sua posterior destruição.
Dilma Vana Rousseff (Estela, Wanda, Luiza ou Patrícia) nessa época foi
militante do COLINA, da VPR e da Var-Palmares. Era, então, casada com Claudio
Galeno de Magalhães Linhares, também militante do COLINA, que participou do
seqüestro de um avião comercial, em 01 de janeiro de 1970, de Montevideu para
Cuba.
A kamarada Dilma teve uma pequena participação no roubo do Cofre do Ademar,
cumprindo a tarefa de efetuar uma troca de dólares numa Casa de Câmbio que
funciona até hoje no térreo do Hotel Copacabana Palace.
Por: Carlos I. S. Azambuja é Historiador.