Chance de união monetária é nenhuma
A moeda única não está sendo negociada e, do ponto de vista monetário, hoje tudo nos distancia da Argentina
A possibilidade de uma união monetária entre Brasil e Argentina é
nenhuma. Os dois países são seres inteiramente diferentes nesta área. O
presidente Bolsonaro falou que isso está em estudo, achando que assim
ajuda o presidente Mauricio Macri na sua campanha eleitoral. O Brasil
tem US$ 380 bilhões de reservas e contas externas equilibradas, a
Argentina depende de empréstimos do FMI para cumprir seus compromissos
cambiais. Eles têm 55% de inflação e nós estamos voltando aos 4%.
O mesmo ministro Paulo Guedes que, durante a transição, disse que o
Mercosul não era nossa prioridade, agora ecoou o presidente e disse que
tem realmente a ideia de união monetária, apesar de o Banco Central
brasileiro não a estar estudando. Ter ideia para um futuro remoto é
diferente de afirmar que isso está acontecendo após um encontro
presidencial. Dá uma impressão de concretude ao projeto que ainda não
existe. A ex-presidente argentina Cristina Kirchner cometeu todos os desatinos
econômicos possíveis. A inflação voltou e como resposta ela interferiu
no instituto de estatísticas argentino. Mentes autoritárias brigam com
termômetros. Depauperou os cofres públicos e quis usar as reservas.
Quando o presidente do Banco Central discordou, ela derrubou o
presidente quebrando a lei de autonomia do BC. Mentes autoritárias não
gostam da autonomia dos órgãos do Estado.
Mauricio Macri assumiu prometendo organizar a economia do país, tirar o
Estado de onde ele não deveria estar, trazer de volta a verdade das
estatísticas econômicas que haviam sido fraudadas. O problema é que ele
fez os primeiros movimentos e depois parou. Apesar de se dizer liberal,
recentemente decretou o congelamento de preços numa medida populista com
olho nas urnas deste ano. As pesquisas, contudo, favorecem Kirchner. A ex-presidente finge ser
candidata só a vice na chapa de Alberto Fernández. Nos anos 1970, Hector
Cámpora se elegeu presidente para que Juan Perón pudesse voltar à
presidência. A Argentina adora repetir erros e enredos.
O que fez Bolsonaro anunciar a união monetária, uma ideia ainda não
concebida, e nem remotamente possível no momento, foi seu sonho de
costurar uma aliança conservadora na América Latina. Alianças por razões
ideológicas dão tão errado na direita quanto na esquerda. Os países se
unem por razões menos efêmeras e menos conjunturais. O liberalismo de
Macri não resistiu às agruras do poder, o liberalismo do Bolsonaro não
existe. Ele nunca professou a mesma fé que o seu ministro da Economia e
vai empurrado para a reforma da Previdência. O presidente brasileiro ao
falar da reforma só repete frases feitas. Se fosse obrigado a explicá-la
estaria em dificuldades.
Por outros caminhos, o Brasil deu um passo importante nesta última
semana para uma economia com menor presença do Estado. Não foi do
Executivo, mas sim do Judiciário. O STF, ao dar o veredito na
quinta-feira depois de três longas sessões destinadas a discutir a
liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowsky contra a
privatização, favoreceu a interpretação mais liberal da Constituição.
Para a maioria dos ministros, a exploração de atividades econômicas pelo
Estado deve ser a exceção e não a regra. A venda de estatais matrizes
exige um pedido ao Congresso, mas o mesmo não é necessário na alienação
de suas subsidiárias. A venda pode ser de diversas formas, desde que
haja ampla publicidade e competição entre os possíveis compradores. O
debate foi acirrado. O que estava em jogo era que tipo de economia a lei
maior favorece. As teses do estatismo ficaram vencidas, tanto nos
votos, quanto na formulação do resultado.
Ter um caminho de maior integração regional é bom e vem sendo perseguido
há muito tempo. Diminuir a presença do Estado na economia é tarefa à
qual o Brasil se dedicou de 1990 a 2002, mas de forma lenta. Os governos
Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique privatizaram e
abriram um pouco a economia. As administrações petistas criaram tantas
estatais quanto a ditadura militar. Os polos se assemelham. O melhor a
fazer na atual administração é trocar a pregação liberal pela prática. E
quanto ao proselitismo de fronteira é bom que fique bem longe da moeda
que foi conquistada há 25 anos por um governo socialdemocrata.
Coluna da Miriam Leitão, jornalista - O Globo
Coluna da Miriam Leitão, jornalista - O Globo
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