Toffoli, até ser nomeado para o STF
, foi advogado de um partido
político, o PT, e
das campanhas eleitorais de um ex-presidente que
cumpriu pena de prisão fechada pelos crimes de corrupção passiva e
lavagem de dinheiro
. Sua mulher é advogada de um escritório de Brasília,
que tem causas no tribunal em que o marido é ministro;
até algum tempo
atrás, por sinal, dava a ele uma mesada de R$ 100 mil. Em fevereiro do
ano passado
foi incluída pela Receita Federal, junto com o ministro
Gilmar Mendes, numa investigação sobre irregularidades no pagamento do
Imposto de Renda. Sabe-se o que aconteceu na ocasião.
Os auditores que
participavam da investigação foram suspensos de suas funções, o
STF
proibiu que o processo fosse adiante e a
revista Crusoé, que noticiou o fato,
foi censurada pelo ministro Alexandre de Moraes — o real motivo para o
infame “inquérito das fake news”,
ilegal e secreto, que está aí até hoje.
Dias atrás,
o desfile de Toffoli chegou à Praça da Apoteose:
revelou-se que ele foi acusado de receber propinas da empreiteira de
obras Odebrecht entre 2007 e 2009, quando era advogado-geral da União. A
denúncia vem do próprio
Marcelo Odebrecht, condenado pela Justiça
Federal como o maior corruptor da história do Brasil,
na delação
premiada que lhe permite cumprir a sua pena de prisão em casa, com
tornozeleira eletrônica — desde que não minta em nada do que diz em suas
acusações. O público foi informado, ao mesmo tempo, que o
departamento de propinas da empreiteira OAS registra em seus arquivos a seguinte
menção:
“15 mil — reforma casa Dias Toffoli em 2013”.
A imprensa, alguns
anos atrás, tratou do assunto —
no tempo em que ainda publicava
notícias de corrupção. A história andava sumida, mas a
Lava Jato, que
parece morta na mídia, continua viva nos autos — e produzindo
informações como essas, apesar de todos os esforços do ministro Moraes e
de seus colegas no STF para censurar a realidade. Eles podem se manter a
salvo do Código Penal e fora da prisão,
pois resolveram, eles mesmos,
que é proibido julgar os seus atos — mas é tudo o que conseguem. Podem
preservar o próprio couro, mas não o bom nome. Acham-se sofisticados e não sabem quanto acabam parecidos com lordes de republiqueta bananeira.
É uma coisa penosa. Os magistrados do Supremo perderam a capacidade
de funcionar como uma corte de Justiça; reduziram a si próprios à
condição de uma empresa privada de segurança cuja principal ocupação,
hoje em dia, é fornecer proteção para si mesmos e para políticos
enrolados com o Código Penal. Toffoli não é a única anomalia do STF —
na
verdade, é uma espécie de “ministro-padrão”, cujo comportamento parece
servir de modelo e inspiração para os colegas.
O ministro Gilmar Mendes,
por exemplo, seria o quê?
Sua mulher também trabalha num escritório de
advocacia que tem causas perante o STF — embora, no seu caso, não haja
notícias de mesada. É
sócio de uma faculdade privada de direito em
Brasília, que, além de sua atividade comercial, recebe dinheiro público
em embalagens variadas — um fenômeno que igualmente não tem similar no
mundo, a exemplo da dupla repetência de Toffoli. Foi, como mencionado
acima, envolvido na investigação da Receita Federal que deixou tão
assustados os colegas de STF.
Sua última realização foi acusar o
Exército Brasileiro de ser cúmplice do “genocídio” que, em seu entender,
a covid-19 está causando no Brasil.
Depois de falar, o ministro não teve peito para sustentar o que falou
— veio com a história de que não quis ofender os militares etc. etc.
etc. Se não quis,
então por que chamou o Exército de “cúmplice”
de um
crime contra a humanidade, como o genocídio é definido pela ONU? Enfim:
esse é Gilmar Mendes, que já acusou o então juiz Sergio Moro, em seus
tempos de Operação Lava Jato, de comandar uma “
organização criminosa”, e
que já foi avaliado pelo colega Luís Roberto Barroso como
“uma mistura
do mal com o atraso, com pitadas de psicopatia”. Hoje é um dos heróis
dos
“advogados do campo progressista”, ou do PT. De que maneira seria
humanamente possível levar a sério o STF, diante de Toffoli, Gilmar e os
colegas que os apoiam? O conjunto dos seus atos, na verdade, é uma
humilhação. Não para eles, imunizados há anos por uma bateria de
anticorpos que não lhes deixa sentir vergonha com a opinião alheia — mas
para os 18.000 juízes, 14.000 procuradores e 1 milhão de advogados
deste país e, sobretudo, para os brasileiros que os sustentam na
condição de contribuintes.
Os ministros fizeram de si próprios, já há muito tempo, um objeto de
piada com seu deslumbramento diante do desfrute gratuito das coisas
caras da vida —
gratuito para eles, claro, pois é você quem paga tudo
com os seus impostos. Acham-se sofisticados por imitarem a vida de gente
rica; não sabem quanto acabam parecidos com lordes de republiqueta
bananeira, na sua ânsia de utilizar o cargo para tratar bem de si
próprios. É o eterno vício do serviço público de país subdesenvolvido:
“Vamos aproveitar, porque é o governo que está pagando tudo”. Nada foi
tão típico dessa conduta quanto a
cômica licitação feita em abril, com a
covid-19 já roncando,
para a compra de vinhos de safras com pelo menos
quatro “premiações internacionais”, entre outras bugigangas de bufê
metido a chique. O que pode ser mais atrasado do que isso?
O Supremo Tribunal Federal é hoje o ente público mais odiado do Brasil
A conta vai para o seu bolso. Numa reportagem recente da Revista
Oeste,
os jornalistas Branca Nunes, Cristyan Costa e Artur Piva demonstraram
que o
STF gastou em 2019 perto de R$ 700 milhões para oferecer ao
público pagante esse serviço que está aí.
Tem 2.000 funcionários, nos
quais se incluem, acredite se quiser, jornalistas (são dezoito, ganhando
até R$ 10 mil por mês), encadernadores, cerimonialistas, “auxiliares em
reparação bucal” e por aí afora. Os ministros, a
lém dos R$ 40 mil
mensais de salário oficial —
acrescidos de R$ 6,5 mil descritos como
“abono de permanência”, licença-prêmio, dois meses de “férias coletivas”
e outros “penduricalhos”, como dizem —,
têm carro com motorista, plano
médico cinco-estrelas, dentista, passagens de avião (com área exclusiva
para embarque), diárias de hotel, reembolso de contas de restaurante.
Cada um conta com 25 assessores pessoais — incluindo-se aí o cidadão
vestido de capa preta que lhes puxa a cadeira na hora em que se sentam à
mesa nas sessões plenárias. Têm segurança pessoal privada, que só neste
ano já custou cerca de R$ 4,5 milhões. Entre março e maio deste ano, no
auge do “distanciamento social” que exigem de todo mundo, conseguiram
gastar R$ 800 mil com a sua frota de automóveis.
O resultado disso tudo é que o Supremo Tribunal Federal é hoje o ente
público mais odiado do Brasil — uma situação que não tem precedentes na
história de um país acostumado, bem ou mal, a achar que a Justiça era
uma espécie de ilha no meio do oceano de safadeza dos políticos,
governantes e malfeitores bilionários que fazem parte da paisagem. Os
ministros dizem que são malquistos porque a “opinião pública”, que nada
entende da ciência do Direito, não concorda com as suas decisões.
Conversa. O problema não está em como decidem, e sim no que fazem. Sua
reputação vem do seu comportamento como pessoas; eles não são
respeitados, muito simplesmente, porque agem de maneira a não merecer
respeito. É verdade que o brasileiro, cada vez mais, vê o STF dar
sentenças tão parecidas com absurdos, mas tão parecidas, que fica
impossível achar que são outra coisa. Mas o centro do problema está na
conduta dos onze ministros que formam o atual plenário.
Há ministros que não praticam, ao que se saiba, as mesmas ações
praticadas pelos Toffolis, Gilmares, Moraes e outros. Mas quando aprovam
os colegas, ativamente ou pelo silêncio, não se comportam apenas como
cúmplices; tornam-se iguais a eles. É isso, e só isso. Não há saída, por
mais que venham com latinório,
data venia e
hermenêuticas para explicar o que estão fazendo. Têm de se conformar, em
suma, em ser respeitados apenas entre os seus semelhantes, ou o seu
“público”: senadores, deputados, advogados de corruptos capazes de pagar
honorários que começam em R$ 1 milhão, lobistas, colossos da finança,
“campeões nacionais” e por aí vamos. Além disso não é possível.
A Corte criou dois tipos de cidadãos: os que fazem sacrifícios e aqueles cujo bem-estar tem de ser assegurado
Os ministros do STF, como se sabe, não podem botar o pé na rua, fazer
uma fila ou entrar numa loja — o risco de vaias, ofensas e agressões,
hoje, tornou-se quase uma certeza. Não é normal.
Como é possível que os
membros da mais alta corte de Justiça do Brasil sejam tão detestados que
não podem circular livremente em seu próprio país?
Os ministros se
tornaram invisíveis fisicamente, mas não conseguem escapar do julgamento
que a população faz deles e que está presente a cada minuto nas redes
sociais. O ministro Toffoli tem sido um clássico. No dia em que mandou
as forças-tarefas da Lava Jato em Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro
“compartilhar” com a Procuradoria-Geral da República a base de dados de
suas investigações — tida como a mais rica mina de ouro que o país já
conheceu em matéria de informação sobre ladroagem —, Toffoli
“bombou”.
Na escala de 0 a 100 usada para medir menções feitas na internet, pulou
de 5 para 31 pontos. Logo depois, quando vieram as denúncias de propina
da OAS e da Odebrecht, as “buscas” pelo nome do ministro subiram 1.800%.
Dá para entender por aí, é claro, o que na verdade já está entendido
há muito tempo: a ofensiva ilegal do ministro Alexandre de Moraes, com o
apoio de nove entre seus dez colegas, para investigar
fake news
e “
atos antidemocráticos” não tem nada a ver com qualquer intenção de
preservar a verdade ou defender a democracia —
é repressão direta contra
quem usa as redes sociais para se manifestar sobre o STF. Faz parte do
modo de operação preferido dos ministros que estão aí. De um lado,
declaram inconstitucional tudo o que possa prejudicar os seus
interesses, como fizeram ao proibir o Congresso de aprovar qualquer
projeto de lei para diminuir os salários do funcionalismo público em
momentos de emergência. Pouco se importam, aí, com a aberração de
estarem criando no Brasil, oficialmente, dois tipos de cidadãos
desiguais perante a lei — os do setor privado, a quem cabe fazer os
sacrifícios materiais, e os do setor público, cujo bem-estar não pode
ser tocado por ninguém. De outro, criminalizam as redes sociais para
intimidar quem está revoltado com os seus atos.
Os ministros do STF, pelo conjunto da obra, são hoje a principal ameaça à democracia no Brasil.
J.R. Guzzo, jornalista - Coluna Revista Oeste
Leia também a reportagem “O dossiê completo dos gastos do STF” e “Gilmar e os Valentes da Live” o artigo de Guilherme Fiuza desta Edição 17