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terça-feira, 25 de abril de 2023

O espetáculo sinistro das ditaduras - Revista Oeste

Theodore Dalrymple

 Em sua visita à China, Lula participou do ritual de "subjugação ferrenha" de todos os tiranos


 Luiz Inácio Lula da Silva, na chegada a Xangai, na China (12/4/2023) | Foto: Ricardo Stucker/PR

Quando vi uma foto do líder chinês, Xi Jinping, oferecendo um aperto de mãos em sinal de boas-vindas ao presidente Lula durante sua visita oficial à China e abrindo um sorriso largo, confesso que pensei no poema de Lewis Carroll sobre o crocodilo:

Como ele parece sorrir alegremente,
Como abre as garras perfeitamente,
E recebe os peixinhos,
Com mandíbulas que sorriem gentis!


Mas o que mais chamou minha atenção na imagem foram as crianças ao fundo, empunhando bandeiras e sorrindo também, como se fosse a realização de um sonho receber o presidente do Brasil na China.

O uso de crianças para fins políticos me revolta, seja em manifestações em países democráticos, seja em recepções oficiais em ditaduras. Todos sabemos que Hitler adorava receber buquês de flores de crianças arianas, e Stalin também amava ganhar esses buquês de crianças cujos pais ele não hesitaria em enviar aos campos de concentração no dia seguinte. Ele às vezes agia com sentimentalismo, mas não era um sentimental. Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da República Popular da China, Xi Jinping | Foto: Ricardo Stucker/PR

Recepções oficiais em ditaduras têm, pelo menos para mim, um quê assustador. Certa vez senti que eu estava prestes a ser surrado até a morte com flores de plásticos de uma recepção oficial na Coreia do Norte.  
Centenas de mulheres da Guarda se enfileiraram segurando cravos vermelhos de plástico com que açoitaram o ar em perfeito uníssono na minha direção, para me dar as boas-vindas em uma visita “amigável”, supostamente informal, mas, como tudo na Coreia do Norte, cuidadosamente orquestrada.

Claro, as coisas não são tão drásticas na China contemporânea como eram nos tempos de Kim Il-sung (pouquíssimas coisas o são), mas ainda assim não gosto muito de recepções oficiais em ditaduras com a participação de crianças.

Refletindo um pouco sobre isso, acho que, se pelo menos as crianças chinesas soubessem onde fica o Brasil, ao passo que se fossem norte-americanas ou britânicas, elas não teriam conseguido localizar o país no mapa e talvez não soubessem nem encontrar seu próprio país. (Por outro lado, todas saberiam tudo sobre transexualidade.)

Mesmo absurdas e obviamente falsas, essas recepções oficiais têm um efeito profundo em pessoas já insufladas com sua própria importância e, portanto, que já acreditam ser merecedoras de tanta atenção e tanto enaltecimento. Dois exemplos me vêm à mente.

Não foi a primeira vez na história que essa coletivização teve efeitos econômicos desastrosos, mas é preciso lembrar que a escassez é uma ferramenta poderosa nas mãos da elite desses governos de partido único 

 O primeiro caso foi Nicolae Ceausescu, da Romênia. Um vídeo de sua visita oficial à Coreia do Norte está disponível no YouTube e é ao mesmo tempo hilário e aterrorizante. 

O homem que mais tarde seria chamado de “Danúbio do Pensamento” e cujo governo ficou conhecido oficialmente como “Era de Ouro” (enquanto a população fazia fila por horas para conseguir algumas batatas) é visto recebendo alegremente, sem hesitar, as boas-vindas grandiosas e orquestradas que foram preparadas para ele pelo homem que se tornaria presidente, não para o resto da vida — uma designação comum , mas presidente para a eternidade. (Até onde sei, Kim Il-sung é o único cadáver que também é chefe de Estado.)


Em um estádio, Ceausescu assistiu animadamente às fileiras de norte-coreanos passarem pelo ritual de levantar cartazes ao mesmo tempo para apresentar slogans elogiosos à Romênia socialista
Com ainda mais satisfação, na companhia de Kim Il-sung, ele assistiu a uma dança que era mais obrigatória que tradicional. 
E é preciso admitir que, na organização desses espetáculos fascistas-hollywoodianos, os norte-coreanos foram os melhores até agora; ninguém se compara a eles. 
 
Ceausescu ficou muito impressionado com tudo e, ao voltar para a Romênia, tentou imitar a Coreia do Norte. Não funcionou, porque os romenos são metade latinos, metade balcânicos — não coreanos —, e não têm o temperamento para essas exibições de subjugação ferrenha. 
O que não quer dizer que o esforço de imitar a Coreia do Norte, de tratar gatos como se fossem ovelhas, não tenha sido prejudicial nem desagradável, mas a ditadura de Ceausescu também foi ridícula. Imagine chamar Bolsonaro ou Lula de “Amazonas do Pensamento”.

Apenas figuras totalitárias conseguem inventar algo tão ridículo. Imagine chamar Trump ou Biden de “Mississippi do Pensamento”, Boris Johnson de “Tâmisa do Pensamento”, Macron de “Ródano do Pensamento”, Modi de “Ganges do Pensamento” ou Scholz de “Reno do Pensamento”. Existe um fundo quase inextinguível de absurdos na metáfora fluvial. Aliás, não há por que restringir as metáforas geográficas aos rios. Que tal Pinochet como oAtacama do Pensamento”, Gaddafi como o “Saara do Pensamento”, Mao como o “Gobi do Pensamento”?

A segunda ocasião de que tenho conhecimento de uma recepção oficial ter tido um efeito desastroso foi a de Julius Nyerere, da Tanzânia, à China quando Mao ainda estava vivo e no poder. De acordo com Oscar Kambona, o ministro de Relações Exteriores que rompeu com ele por causa da imposição de um governo de partido único na Tanzânia, Nyerere era bastante sensato até ir para a China, onde foi recebido por enormes multidões de adoradores forçados. Diferente de Kambona, que o acompanhou, ele viu a adoração, mas não a parte forçosa. No fim, descobrimos que ele mesmo era adepto dessa prática.  

Julius Nyerere (à esq.) e Mao Tsé-Tung (à dir.) | Foto: Reprodução/Redes sociais

Em nome da autenticidade camponesa-transformada-em-proletariado, ele usava um traje em estilo Mao e acreditava que a coletivização era ideal para a agricultura tanzaniana. 
Não foi a primeira vez na história que essa coletivização teve efeitos econômicos desastrosos, mas é preciso lembrar que a escassez é uma ferramenta poderosa nas mãos da elite desses governos de partido único. Eles conseguem manter a lealdade de milhões de pessoas oferecendo como privilégio praticamente qualquer commodity que esteja escassa, o que sob esses governos significa todas as commodities.

É curiosa a frequência com que líderes desses Estados totalitários são elogiados (isto é, na verdade, como eles elogiam a si mesmos) por seu comportamento modesto e estilo de vida. Mesmo vivendo em escala faraônica, eles são elogiados (e elogiam a si mesmos) como verdadeiros filhos do povo, como se uma origem modesta fosse uma prova contra qualquer ambição dominadora e gosto pelo luxo.

Uma das cenas de que vou me lembrar para sempre é de um cantor sentado no chão interpretando um refrão em homenagem a Nyerere. Como estava programado, Nyerere passou — isto é, foi conduzido — em sua Mercedes amarela. A estrada não era pavimentada, e as rodas do carro espirraram uma nuvem de poeira vermelha que cobriu o cantor com uma camada fina de terra. Na verdade, não foi engraçado, mas não consegui não rir. Ilustração: Shutterstock

 

Theodore Dalrymple, colunista - Revista Oeste

Leia também “Mato por prazer”

Revista Oeste

 

sábado, 26 de fevereiro de 2022

A fraqueza ocidental - Revista Oeste

 Rodrigo Constantino

Quando o xerife do mundo livre se mostra pusilânime, os inimigos da liberdade ficam mais ousados

Joe Biden, ao lado de Boris Jonhson, na Conferência do G7 (10/06/2021) | Foto: Wikimedia Commons
Joe Biden, ao lado de Boris Johnson, na Conferência do G7 (10/06/2021) | Foto: Wikimedia Commons

A Rússia invadiu a Ucrânia nesta quinta-feira. Putin avaliou que toda a retórica dos líderes ocidentais não passava disso: pura retórica. O autocrata russo decidiu, então, avançar com seus planos imperialistas, para resgatar parte da configuração territorial que a então União Soviética tinha lembrando que Putin, um ex-agente da KGB, considerou a queda da URSS uma “catástrofe geopolítica”.

Largado à própria sorte pelo Ocidente “progressista”, resta ao povo ucraniano “ucranizar”, como fez contra seu próprio governo e ficou documentado no filme Winter on Fire, e demonstrar algum heroísmo na resistência ao imperialismo russo de Putin. Mas todos sabem que, na prática, os ucranianos, sem uma ajuda concreta ocidental, não possuem nenhuma chance de vitória.

Existem várias causas para essa guerra, mas não podemos descartar como um dos fatores que desencadearam esses eventos a fragilidade cada vez maior do Ocidente. Quando o xerife do mundo livre se mostra pusilânime, os inimigos da liberdade ficam mais ousados. O Ocidente precisa urgentemente de um novo Churchill, que conhecia a natureza humana e estava disposto ao sacrifício para defender a civilização ocidental.

Diante da política de “apaziguamento” com os nazistas, Churchill profetizou: “Entre a desonra e a guerra, eles escolheram a desonra, e terão a guerra”. Churchill sabia que “um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado”. Essa percepção se aplica perfeitamente ao caso atual envolvendo a Ucrânia.

Rússia, Estados Unidos e Grã-Bretanha assinaram, em 5 de dezembro de 1994 com a Ucrânia, um acordo segundo o qual os três países garantem a unidade territorial desta ex-república soviética, em troca de que a mesma renuncie às armas nucleares. No documento, Rússia, Grã-Bretanha e Estados Unidos elogiam a adesão da Ucrânia ao tratado de não proliferação de armas nucleares e preveem que aquele país destrua todas as armas que ainda possuir, em troca da garantia de sua integridade territorial. Pelo visto, a política desarmamentista não funcionou muito bem para os ucranianos…

Ben Shapiro foi direto ao ponto: “Os britânicos entregaram o controle de Hong Kong à China em 1997 com a promessa de que a China manteria a autonomia da área. A China mentiu. A Ucrânia entregou suas armas nucleares em 1994, com apoio americano, em troca da promessa da Rússia de não invadir. A Rússia mentiu”. A moral da história é bem simples: “não confie nas promessas de ditadores. E as nações ocidentais que facilitam concessões em troca de promessas de ditadores também não são confiáveis ​​a longo prazo”.

É como achar que cantar Imagine e soltar bolas de sabão em favelas levará a paz ao local

Para Shapiro, “o que a Rússia e a China estão demonstrando é que desafiar uma hegemonia global não exige que você seja particularmente forte. Requer apenas que a hegemonia seja fraca, inchada e obcecada por si mesma”. O que estamos vendo tem relação com mudanças nas placas tectônicas da geopolítica, mas não necessariamente pelo fortalecimento de Rússia e China, e sim pelo enfraquecimento ocidental.

No momento, após a invasão russa, as prefeituras de Berlim e Paris iluminaram monumentos com as cores da Ucrânia. Talvez não exista símbolo melhor para ilustrar a fraqueza ocidental. É como achar que cantar Imagine e soltar bolas de sabão em favelas levará a paz ao local. Essa gente vive no eterno jardim de infância, com uma visão estética e romântica da vida, desconectada da realidade como ela é. Deveriam assistir O Deus da Carnificina”, de Polanski, para entender melhor que o mundo não é o Central Park de Nova Iorque.

Podemos até imaginar a nota que a Otan gostaria de soltar numa hora dessas: “Nosses soldades estão prontes e com moral elevade para ajudar a Ucrânia”. Enquanto isso, Putin sorri aquele sorriso de Mona Lisa, de quem sabe mais. Será que as feministas ucranianas já sentem falta da “masculinidade tóxica” ou ainda esperam que homens como o imitador de focas e Justin Trudeau ofereçam proteção contra os russos? A emasculação no Ocidente vem cobrar seu preço.

Isso sem falar das estranhas prioridades. Podemos vislumbrar a reação das lideranças ocidentais diante de Putin: “Mas que absurdo! O Exército russo tem pouca minoria, nenhum trans, negro ou mulher, sua artilharia não é ecologicamente correta e, pasmem, há soldados não vacinados e sem máscaras nos pelotões. Onde já se viu isso?!”. A ironia aqui serve como válvula de escape para o desespero de quem enxerga essa tendência faz tempo, mas se sente impotente diante dela.

Olavo de Carvalho, em fevereiro de 2021, escreveu: O Putin parece ser o último governante que ainda conhece a realidade: Quem manda é quem tem as armas, não quem tem o computador. Quero ver algum desses fresquinhos do Silicon Valley se meter a besta com ele. Na Hora H, o único poder real que existe não é o poder de mentir. É o poder de matar. O velho Stalin perguntaria: Quantas divisões armadas tem Bill Gates?Olavo tem razão.

Enquanto isso, vejamos a “análise” do correspondente internacional do jornal O Globo, Guga Chacra, quando Joe Biden venceu as eleições suspeitas contra Trump: “O mundo ficará mais suave sem Trump. Acabou o pesadelo da era Trump. Pode-se criticar Biden (e tenham certeza de que criticarei muito quando for necessário). Mas é uma pessoa normal. Trump era mau”. O “adulto na sala” versus o malvadão: eis a “análise” do jornalista. Logo depois veio aquela saída atabalhoada do Afeganistão, que entregou de bandeja o poder aos terroristas do Talibã.

Minha colega de revista Ana Paula Henkel alfinetou essa mídia militante assim que Putin declarou guerra à Ucrânia: “Quando Trump saiu da Casa Branca, um apresentador da CNN norte-americana chorou no ar e disse que o mundo agora viveria tempos de paz. Outro da GloboNews escreveu que ‘o mundo ficará mais suave sem Trump’. Abandonem a imprensa de pompom na mão. Eles não fazem mais análise. E há muito tempo”.

O choro ocidental não vai parar as pretensões imperialistas da Rússia e da China. Homens “fofos” e cada vez mais afeminados não vão enfrentar soldados forjados na Sibéria ou na China rural.  
Se o preço da liberdade é a eterna vigilância, o preço da paz é o poder e a determinação de defendê-la. 
É preciso estar preparado para o pior, ainda que possamos esperar o melhor. Diplomacia sem a sombra da espada não tem força. E cá entre nós: diante dessa fraqueza toda do Ocidente, se sou morador de Taiwan, começo a fazer as malas hoje mesmo…

Leia também “Os limites democráticos”


Rodrigo Constantino,  colunista - Revista Oeste

 


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Buscar entendimento? Sobre o quê? Com quem? - Percival Puggina

Em todos os pronunciamentos dos candidatos à presidência da Câmara dos Deputados, ouvi falar em “busca do entendimento”. Enquanto ouvia, lembrei-me de Churchill: “Quanto mais longe você conseguir olhar para trás, mais longe enxergará para frente”. E se o estudo da História para muito me tem servido, há bom lugar nesse conhecimento para a convicção de que com certos adversários não há conciliação possível. Novamente, nas palavras de Churchill: “Um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último dos devorados”. Foi ele, pessoalmente, liderando seu povo, que livrou a humanidade do nazifascismo.

O que estou afirmando não é grito de guerra, mas fé inexorável na democracia, na livre escolha dos povos, na autonomia das nações, na liberdade e nos princípios e valores que a vida me mostrou terem validade comprovada. Quero, portanto, que, no regime democrático, esses valores sejam prevalentes, não sejam derrotados por adversários que transitam pelas páginas da história como os cavalos de Átila.

O discurso do entendimento serve como luva às mãos dos derrotados de 2018. Entre nós, seria o retorno ao ambiente político que vigeu durante mais de duas décadas no Brasil sem encontrar resistência. É fazer de conta que nada aconteceu. Para usar a expressão hoje na moda, é “passar pano”, mas em lixo nuclear!  Qual a vantagem de fazê-lo para “conciliar” com quem, fora do poder, faz oposição contando caixinhas de chiclete e latinhas de leite condensado? Valha-me Deus!  
 
Não pode haver entendimento entre tão diferentes visões de mundo, de pessoa humana, de liberdade, de sociedade, de valores, de princípios, de Estado, de funções de poder. Pergunto: não passaram ao controle dos ministérios da verdade (profetizados por George Orwell) e criados pelas Big Techs, as redes sociais que democratizavam a comunicação? 
Não notamos qualquer semelhança entre as orientações da Netflix e da Globo?  
Estamos satisfeitos com o que está sendo produzido, aqui, pelo sistema de ensino em geral e pelas nossas universidades em particular? Mil vezes não.

Portanto, a disputa política é disputa necessária, indispensável. Não por acaso, ocorre em todas as democracias do Ocidente. Recentemente foi assim nos Estados Unidos. Com diferentes qualidades de conteúdo, vem sendo assim em países como Itália, Espanha, Áustria, Portugal, Polônia, Hungria, República Tcheca, Finlândia, Letônia, Eslováquia, Bulgária. E Suécia, e Alemanha, e Chile. É uma percepção das democracias ocidentais.

Quem vê suas liberdades ameaçadas, suas opiniões censuradas no que já foi um espaço de liberdade, sua cultura sendo deliberadamente destruída, não cede poder para um entendimento impossível. No Brasil, isso representa o retorno ao período anterior a 2014, quando perdíamos por W.O.. Sequer comparecíamos à disputa.

Por fim, veja o que está acontecendo com a evasão para novas redes sociais que se anunciam como espaços de liberdade. Também isso é sinal dessa divisão que tem longa data e validade, cujo reflexo, em regime democrático, conduz à vitória eleitoral de um ou de outro lado. Pode ser que um dia, olhando para trás, aprendendo com o passado, vendo o mal feito e o bem conquistado, possamos, como Churchill, enxergar para frente. E formarmos consensos razoáveis. Divisão, contudo, sobre algo, ou em relação a alguém, sempre haverá.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
 

segunda-feira, 17 de abril de 2017

A responsabilidade de Lula

Há um antes e um depois de Lula na corrupção nacional, capaz até de assustar Emílio Odebrecht

Há quem veja nas delações da Odebrecht e nas centenas de inquéritos delas decorrentes, tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) como na primeira instância, a confirmação de que toda a política nacional está corrompida. A disseminação da corrupção seria de tal ordem que já não teria muita serventia a identificação dos culpados. Com leves variações de tons, todos os políticos seriam igualmente culpados. Ou, como desejam alguns, todos seriam igualmente inocentes.

Como corolário desse duvidoso modo de ver as coisas – como se a deformação da política tivesse pouca relação com a atuação desonesta de pessoas concretas –, há quem entenda que as descobertas mais recentes da Lava Jato desfazem a impressão, tão forte nas primeiras etapas da operação, de que Lula e sua tigrada tiveram uma participação especial na corrupção no País. Eles seriam tão somente um elo a mais na corrente histórica de malfeitos. A responsabilidade por tanta roubalheira caberia, assim querem fazer crer, ao sistema político.

Longe de relativizar a responsabilidade do PT na crise ética da política, as revelações sobre os ilícitos da Odebrecht, delatados por seus diretores e executivos, confirmam e reforçam o papel deletério de Lula na política nacional. Seu papel foi decisivo e central para o abastardamento da vida política brasileira. Foi ele o autor intelectual e material do vil assassinato do interesse público nos dias que vivemos.

A corrupção levada a cabo nos anos do PT no governo federal não é mera continuidade de um sistema corrupto. Há um antes e um depois de Lula na corrupção nacional, capaz até de assustar Emílio Odebrecht. “O pessoal dele (de Lula) estava com a goela muito aberta. Estavam passando de jacaré para crocodilo”, disse o presidente do conselho de administração da empreiteira, em relato por escrito à Procuradoria-Geral da República.

É evidente que já existia corrupção antes de Lula da Silva chegar à Presidência da República. A novidade trazida pelo ex-sindicalista foi a transformação de todos os assuntos estatais em negócio privado. Sem exagero na expressão, Lula da Silva pôs o Estado à venda. A Odebrecht e outras empresas envolvidas no escândalo apenas compraram – sem nenhuma boa-fé – o que havia sido colocado na praça.

Ao perceber que todos os assuntos relativos ao governo federal poderiam gerar-lhe benefícios, pessoais ou ao Partido dos Trabalhadores, Lula da Silva procedeu como de costume e desandou a negociar. Com alta popularidade e situação econômica confortável – o País desfrutava então das reformas implementadas no governo anterior e das circunstâncias favoráveis da economia internacional –, Lula não pôs freios aos mais escusos tipos de acordo que sua tigrada fazia em seu nome, em nome do governo e em nome do partido, como restou provado no mensalão e no petrolão.

Lula da Silva serviu-se do tradicional discurso de esquerda, de ampliação da intervenção do Estado na economia, para gerar novas oportunidades de negócio à turma petista. São exemplos desse modo de proceder as políticas de conteúdo nacional e da participação obrigatória da Petrobrás nos blocos de exploração do pré-sal. Aquilo que era apresentado como defesa do interesse nacional nada mais era, como ficaria evidente depois, que uma intencional e bem articulada ampliação do Estado como balcão de negócios privados.

Lula não inventou a corrupção, mas criou uma forma bastante insólita de fazer negócios escusos. Transformou a bandalheira em política de Estado. Com isso, corruptos, velhos e novos, tiveram ganhos nos anos petistas que pareciam não ter limites. Não foi por acaso nem por patriotismo, por exemplo, que o governo petista estimulou as empreiteiras a expandir sua atuação para novas áreas, como a exploração de petróleo. Assim, incluía-se mais uma oportunidade ao portfólio de negociatas da tigrada de Lula.

Todos os inquéritos abertos a partir das delações da Odebrecht merecem especial diligência. Seria equívoco não pequeno, no entanto, achar que o envolvimento de tanta e diversificada gente nas falcatruas de alguma forma diminui a responsabilidade de Lula da Silva pelo que aí está. A magnitude dos ilícitos descobertos pela Lava Jato, da Odebrecht e de tantas outras empresas e pessoas, só foi possível graças à determinação de Lula da Silva de pôr o Estado à venda. Não lhe neguemos esse mérito.

Fonte: Editorial - O Estado de S. Paulo