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domingo, 29 de maio de 2022

Aliados ocidentais começam a discordar entre si quanto às condições para um acordo de paz com a Rússia - O Estado de S.Paulo

The Economist: Como terminará a guerra na Ucrânia?

Foto: SERGEY KOZLOV

A guerra na Ucrânia, segundo o presidente do país, Volodmir Zelenski, será vencida no campo de batalha, mas só poderá chegar ao fim por meio de negociações. Mas quando parar os combates? E de acordo com quais termos? O Ocidente diz que cabe à Ucrânia decidir. No entanto, passados três meses desde o início do conflito, os países ocidentais estão assumindo diferentes posicionamentos diante do seu desenlace.

Eles estão se dividindo em dois grupos, explica Ivan Krastev, do Centre for Liberal Strategies, um centro de estudos com sede em Sofia, na Bulgária. Um deles é o “partido da paz”, que deseja uma interrupção nos combates e o início das negociações o quanto antes. O outro é o partido da justiça”, para quem é preciso exigir da Rússia que pague um alto preço pela agressão cometida.

Ônibus passa em frente a prédio destruído em Borodianka, perto de Kiev; Ocidente ainda não sabe como iniciar negociações para o fim da guerra
Ônibus passa em frente a prédio destruído em Borodianka, perto de Kiev; Ocidente ainda não sabe como iniciar negociações para o fim da guerra  Foto: EFE/EPA/OLEG PETRASYUK
O debate começa com o território: 1)deixar a Rússia manter os que conquistou até o momento; 
2) fazê-la recuar até as fronteiras de 24 de fevereiro; 
3) ou tentar empurrá-la para trás, para dentro de suas fronteiras, para recuperar os territórios perdidos em 2014? 
É um debate que envolve muitos outros aspectos, incluindo o custo, o risco e a recompensa de se prolongar a guerra, e o lugar que a Rússia deve ocupar na ordem europeia. [queiram ou não a Rússia está ganhando a guerra - não no ritmo esperado, mas de forma lenta e consolidando posições - e, em nosso entendimento, jamais aceitará voltar para o antes de 2014 - opção 3.
O dilema está entre as opções 1 e 2 - e será dificil para a Ucrânia conseguir a opção 2, a conveniência da Rússia fortalece optar pela alternativa 1.]

O partido da paz está se mobilizando. A Alemanha pediu um cessar-fogo; a Itália apresentou um plano de quatro pontos para um acordo político; a França fala em um acordo de paz futuro sem “humilhar” a Rússia. Entre as posições deles estão principalmente a Polônia e os países bálticos, defendidos pelo Reino Unido.

E quanto aos Estados Unidos? O mais importante defensor da Ucrânia ainda não definiu um objetivo claro, além de fortalecer os ucranianos para dar ao país mais poder nas negociações. Os EUA já gastaram quase US$ 14 bilhões na guerra até o momento, e o Congresso acaba de destinar outros US$ 40 bilhões.

Os EUA chefiaram um esforço de captação de doações envolvendo mais de 40 outros países. Mas essa ajuda não é ilimitada. Ela produziu uma artilharia, mas não os sistemas de foguetes de longo alcance que a Ucrânia está pedindo.

EUA MUDAM DE OPINIÃO A TODO MOMENTO
Comentários feitos por Lloyd Austin, secretário da defesa dos EUA, só aumentam a ambiguidade. Depois de visitar Kiev, no mês passado, ele aderiu ao partido da justiça, dizendo que o Ocidente deveria ajudar a Ucrânia a “vencer” e “enfraquecer” a Rússia.

Três semanas depois ele parecia ter aderido ao partido da paz, pedindo um “cessar-fogo imediato” após um telefonema ao ministro da Defesa da Rússia, Serguei Shoigu. O Pentágono insiste que sua política não mudou.

Outro golpe sofrido pelo partido da justiça foi um editorial publicado no New York Times defendendo que a derrota da Rússia seria um objetivo irreal e perigoso. Na ocasião, Henry Kissinger, ex-secretário de Estado dos EUA, disse que as negociações deveriam começar em dois meses para evitar “agitações e tensões que não serão fáceis de superar”.

Idealmente, haveria um recuo até as fronteiras de 24 de fevereiro. “Insistir na guerra além disso não seria algo em nome da liberdade da Ucrânia, e sim uma forma de guerrear contra a Rússia”, declarou Kissinger no Fórum Econômico Mundial, em Davos. De acordo com ele, a Rússia tem um papel importante a desempenhar no equilíbrio de poder da Europa e não devemos empurrar o país na direção de uma “aliança permanente” com a China.

Por enquanto, essas fissuras no Ocidente são contidas pelo mantra segundo o qual cabe aos ucranianos decidir o futuro. Mas as alternativas da Ucrânia são, por sua vez, definidas por aquilo que o Ocidente lhe oferecerá. “A Europa e o mundo como um todo deveriam se mostrar unidos. Seremos fortes enquanto vocês se mantiverem unidos”, disse Zelenski, durante uma reunião em Davos. Ele garantiu que “a Ucrânia vai lutar até recuperar todo o seu território”. Mas ele também pareceu deixar para si algum espaço para concessões mútuas. De acordo com Zelenski, as negociações com a Rússia poderão começar quando o país retirar suas forças para as fronteiras de 24 de fevereiro.

Recuo e ataqueRussos concentram ataques no leste da Ucrânia após derrotas em Kiev
AJUSTES DE OPINIÃO CONFUNDEM ALIADOS
EUA, Europa e Ucrânia precisam ajustar continuamente seus posicionamentos em relação ao que os demais considerariam aceitável. “Os ucranianos estão negociando com seus aliados ocidentais tanto quanto estão tratando com os russos, ou ainda mais”, disse Olga Oliker, do International Crisis Group, um centro de estudos estratégicos.

A indefinição também reflete as incertezas da guerra. A Ucrânia está vencendo, já que salvou Kiev e afastou os russos de Kharkiv?          Ou está perdendo, pois a Rússia tomou Mariupol e pode em breve cercar Severodonetsk?

O partido da paz teme que, quanto mais durarem os combates, maior será o custo humano e econômico para a Ucrânia e o restante do mundo. O partido da justiça responde que as sanções aplicadas contra a Rússia estão começando a fazer efeito e, com mais tempo, mais armamento e equipamento melhor, a Ucrânia pode vencer. [será?]

Por trás de tudo isso há duas preocupações contraditórias. Uma delas diz respeito à potência das forças russas, que podem prevalecer em uma guerra de atrito. 
A outra diz respeito à sua fragilidade. Em caso de derrota desastrosa, a Rússia poderia descontar na Otan, ou recorrer a armas químicas ou até nucleares para evitar uma derrota.

No longo prazo, diz Emmanuel Macron, presidente francês, a Europa terá de encontrar uma maneira de conviver com a Rússia. A primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas, respondeu: “É muito mais perigoso ceder a Putin do que provocá-lo”.

Autoridades americanas e europeias vêm ajudando discretamente a Ucrânia a desenvolver suas posições para uma negociação. Um dos principais pontos é a exigência do país de garantias de segurança por parte do Ocidente.[como sempre o ex-comediante quer quer outros países combatam nas guerras que ele provocar. Mesmo já tendo tido tempo e mortes mais que suficientes para mostrar que sua tática não convence.] Na ausência de uma promessa direta de defesa da Ucrânia, outras ideias incluem a possibilidade de imposição automática de novas sanções à Rússia quando essas forem eventualmente suspensas e o rápido rearmamento da Ucrânia caso o país volte a ser atacado.

No momento, a Ucrânia se mostra otimista, e tem motivo para tal. O país impediu uma conquista fácil por parte dos russos, e o novo armamento ocidental está chegando à frente de batalha. Mas, falando a partir do gabinete presidencial protegido com sacos de areia, o principal negociador de Zelenski, Mikhailo Podoliak, se diz cada vez mais preocupado com a “fadiga” em alguns países europeus. “Eles não o dizem diretamente, mas é como uma tentativa de nos forçar a capitular. Qualquer cessar-fogo significa um conflito congelado.” Ele também se queixou da “inércia” em Washington, já que o armamento não estaria chegando na quantidade que a Ucrânia precisa.

O momento do fim da guerra vai depender principalmente da Rússia. O país não tem pressa em aceitar um cessar-fogo, parece determinado a conquistar toda a região do Donbas, no leste, e fala-se em tomar mais territórios no oeste. “O paradoxo da situação está no fato de ambos os lados acreditarem que podem vencer”, disse Volodmir Fesenko, analista político de Kiev. “Só poderemos falar em concessões mútuas quando chegarmos a um impasse reconhecido por Moscou e Kiev. E, mesmo assim, tal situação deve ser provavelmente temporária.”/

 The Economist - O Estado de S. Paulo

TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

 


quinta-feira, 26 de maio de 2022

Por que o rápido ingresso da Ucrânia na UE é uma ilusão, e que perigos ela representa

Filipe Figueiredo

A ilusão de que a Ucrânia poderia rapidamente ser integrante da União Europeia foi bastante vendida nos últimos meses. A simpatia internacional em relação ao país, em solidariedade ao fato de ter sido invadido pela vizinha Rússia, contribuiu para a difusão dessa ilusão, que foi tomada como promessa factível. 
Nas últimas semanas, alguns políticos europeus foram criticados por trazerem uma salutar dose de realidade ao tema. 
Tais críticas são flagrantemente injustas em qualquer debate honesto sobre a participação da Ucrânia na UE.

No dia 10 de maio, o presidente francês, Emmanuel Macron, falando perante o Parlamento europeu, afirmou que “sabemos perfeitamente que o processo para permitir a adesão da Ucrânia levaria vários anos, possivelmente décadas. Essa é a verdade, a menos que decidamos baixar os padrões de adesão. E repensar a unidade da nossa Europa”. Seu discurso era em um contexto de propor uma “comunidade europeia paralela”, apenas política, para reunir os países vizinhos e conectá-los à mais poderosa UE, dando, inclusive, possíveis garantias de segurança.

No dia 19 de maio, foi a vez do chanceler alemão, Olaf Scholz, afirmar que “não existe atalho no caminho de adesão à UE” e que a existência de uma “fila de chegada” é um ”imperativo de equidade para todos os países dos Bálcãs que há muito tempo desejam entrar para o bloco europeu”. Ele fez esses comentários dois dias depois de conversar por telefone com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. A fala de Scholz possivelmente dialoga diretamente com comentários anteriores de Zelensky.

Processo de adesão
A Ucrânia já possuía acordos comerciais e de cooperação com a UE desde 2014, parte justamente dos eventos que levam ao que os nacionalistas ucranianos chamam de Revolução da Dignidade, ou Euromaidan, que derrubou o presidente pró-Rússia Viktor Yanukovych. Já os ucranianos russófilos, e a própria Rússia, vão classificar o ocorrido como um golpe de estado articulado por países ocidentais para enfraquecer a Rússia. Naquele contexto, a Crimeia é anexada pela Rússia e começa o conflito no Donbas, no leste ucraniano.

O governo Zelensky oficializou o processo de solicitação de adesão à UE no dia 28 de fevereiro deste ano, quatro dias após a invasão russa. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, declarou apoiar a adesão da Ucrânia ao bloco e, no dia 1º de março, o Parlamento europeu recomendou que a Ucrânia fosse considerada candidata oficial ao processo de adesão. Ursula von der Leyen, ao visitar a Ucrânia no início de abril, afirmou que apoiava uma “via rápida” de adesão para os ucranianos, diga-se.

O pedido ucraniano já está em sua segunda fase. Considerando a emergência da situação atual, o presidente ucraniano solicitou uma “admissão imediata” sob um "novo procedimento especial", que recebeu apoio de oito estados da UE. Provavelmente é isso que Scholz chamou de “atalho”, para críticas do ministro de Relações Exteriores ucraniano, Dmytro Kuleba. Ele afirmou que “a ambiguidade praticada por alguns países da UE em relação à perspectiva europeia da Ucrânia deve acabar” e que “não precisamos de comentários que demonstrem um tratamento de segunda classe à Ucrânia e firam os sentimentos dos ucranianos”.

A questão é que, como dito, essa onda de apoio e solidariedade aos ucranianos, embora muito bonita e encorajadora num momento trágico, vende uma ilusão. Não é algo factível. Mesmo quando se diz que o “atalho” ucraniano tem apoio de oito estados, quais são eles? Bulgária, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Tchéquia, Letônia, Lituânia e Polônia. Nenhum deles é das grandes economias europeias, os que “pagam a conta” da UE. Ao contrário, quando se olha para os comentários dos líderes de Alemanha e de França, as duas maiores economias da UE.

Problemas da adesão
São três os tipos de problemas para uma entrada da Ucrânia na UE, que tornam esse processo, nas palavras de Macron, algo que depende de décadas, não de semanas ou de anos. Com um detalhe importantíssimo, que é o fato desses problemas existirem mesmo antes da guerra ou antes da crise de 2014. Hoje tudo isso é agravado pelo conflito, pelas objeções russas e pelas questões territoriais, especialmente a anexação da Crimeia pela Federação Russa em 2014.

O primeiro problema é o aspecto geográfico e demográfico. A Ucrânia é o maior país localizado exclusivamente na Europa. Com 600 mil quilômetros quadrados, o país tem o dobro do tamanho da Itália. Com uma população na casa dos 45 milhões de pessoas, seria o quinto país mais populoso da UE. Tudo isso representa um pesadelo logístico para os países desenvolvidos da UE, com mais fronteiras, maior fluxo de pessoas e eventual imigração em massa para os grandes centros.

Como exemplo, a adesão de Romênia e da Bulgária, em 2007, ainda possui etapas por concluir, como a entrada desses dois países no Espaço Schengen de livre-trânsito. E esses dois estados não representam nem de perto os desafios que seria uma adesão ucraniana. Os dois países balcânicos também são ótimos exemplos dos outros problemas para uma entrada da Ucrânia na UE. Inclusive, esses mesmos problemas, no contexto da adesão desses países, foi parte das razões da grave crise da Eurozona, em 2008.

Um deles é a discrepância econômica. A Ucrânia possui um PIB per capita na casa dos 14 mil dólares, enquanto a média da UE é de 35 mil dólares per capita, mais que o dobro. 
Mesmo a Bulgária, o menor índice do bloco, possui um PIB per capita de 24 mil dólares. Ou seja, trata-se de um país muito mais pobre, com uma população também mais pobre, o que criaria uma grave discrepância interna. Para isso existe o mecanismo de equilíbrio, que transfere recursos para os países mais pobres da UE, como a Hungria.

O Índice de Desenvolvimento Humano ucraniano é de 0,779, um pouco acima do Brasil e um pouco abaixo do Irã. A média da UE é de 0,897, uma distância enorme. O piso novamente é o búlgaro, de 0,816, ainda consideravelmente acima do IDH ucraniano. Inserir um país tão grande e com tamanha discrepância socioeconômica representaria um desafio enorme para as finanças europeias, ao mesmo tempo em que a mera população ucraniana daria um peso considerável ao país no Parlamento europeu, gerando um desequilíbrio entre o poder econômico e a representação política.

Países menores
Finalmente, o terceiro problema é que, independente dos sentimentos em relação ao país vítima de uma invasão, a Ucrânia não cumpre a maioria dos critérios europeus sobre governança, corrupção, democracia, transparência da máquina pública e combate ao crime organizado. Novamente, mesmo países membros como Bulgária e Romênia, bem menores, representam desafios nessas áreas. E todos esses problemas independem da guerra, antecedendo a invasão e sendo parte do debate sobre a participação ucraniana na UE desde o início do século.

Quando Scholz aponta a necessidade de “respeitar a fila” de países balcânicos candidatos, ele também é motivado pelo fato de que se tratam de países muito menores, que representarão uma adaptação muito mais fácil em seu processo de adesão. Também países cujos eventuais custos de adaptação serão muito menores. O provável próximo integrante da UE é o pequeno Montenegro, que tornou-se membro da OTAN em 2017. Montenegro possui um IDH maior que o búlgaro e uma população de apenas 600 mil pessoas, em uma área que é pouco mais da metade de Sergipe, o menor estado brasileiro.

O problema dessa venda de ilusões é que, no final das contas, a UE conseguirá apenas pessoas desiludidas. Milhões de ucranianos se sentirão enganados, a própria coesão interna ficará ameaçada, entre os “pró-Ucrânia” e os realistas, e a imagem da UE vai sofrer internacionalmente

Solidariedade é importante, mas não pode parecer apenas da boca pra fora. Provavelmente os atores que colherão os frutos disso serão EUA e China, possíveis parceiros econômicos numa necessária reconstrução do país. E que não prometeram o que não poderão cumprir logo.

Felipe Figueiredo, colunista - Gazeta do Povo -  VOZES


quarta-feira, 27 de abril de 2022

Rússia corta fornecimento de gás para Polônia e Bulgária; União Europeia diz que bloco sofre 'chantagem' e 'está preparado'

O Globo

Presidente da Comissão Europeia informou que países-membros estão 'definindo uma resposta coordenada' para a mais dura retaliação russa contra sanções até agora 

[a reação russa já era esperada e quanto a "resposta coordenada", apenas perguntamos: quem precisa do carvão,  gás e petróleo russos? Em nossa opinião, em vez de alimentar a vaidade do ex-comediante que preside a Ucrânia e que está provocando a morte de milhares de ucranianos, desmantelando a economia e infraestrutura daquela País, os 'aliados de palanque' da Ucrânia deveriam envidar esforços para substituir Zelinsky, por alguém mais sensato e que não queira acabar com o país que preside.]

Ursula von der Leyen, presidente da União Europeia (UE) Foto: POOL / REUTERS
Ursula von der Leyen, presidente da União Europeia (UE) Foto: POOL / REUTERS
Em sua retaliação mais dura até agora às sanções internacionais devido à invasão da Ucrânia, a Rússia interrompeu o fornecimento de gás para a Bulgária e a Polônia nesta quarta-feira, alegando que os países rejeitaram a sua exigência de receber pagamento em rublos. A medida foi denunciada por líderes europeus como uma "chantagem" e ocorre em um momento em que os países europeus se uniram aos Estados Unidos para reforçar os envios de armas para ajudar o Exército da Ucrânia.

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A Gazprom, monopólio russo de exportação de gás, disse em comunicado que "suspendeu completamente o fornecimento de gás à Bulgargaz e PGNiG devido à ausência de pagamentos em rublos", referindo-se às empresas de gás polonesas e búlgaras. A Polônia e a Bulgária confirmaram que o fornecimento foi cortado. — Como todas as obrigações comerciais e legais estão sendo observadas, está claro que no momento o gás natural está sendo usado mais como uma arma política e econômica na guerra atual — disse o ministro da Energia da Bulgária, Alexander Nikolov.

O presidente da Polônia, Andrzej Duda, disse que tem certeza de que uma ação legal será tomada contra a russa Gazprom por quebra de contrato. — Princípios legais básicos foram quebrados, violados — disse Duda durante uma visita à capital tcheca, Praga. — As medidas legais apropriadas serão tomadas e haverá compensação apropriada da Gazprom por violações das disposições do contrato.

Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, o órgão Executivo da União Europeia (UE), disse nesta quarta-feira que o bloco está preparado para a falta de abastecimento determinada pelo governo de Vladimir Putin. A líder europeia ainda defininiu a medida como uma "chantagem".

Desequilíbrio: Guerra financeira ligada à invasão da Ucrânia volta a pôr em xeque sistema ancorado no dólar

"O anúncio da Gazprom é outra tentativa da Rússia de nos chantagear com gás. Estamos preparados para esse cenário. Estamos definindo uma resposta coordenada para toda a UE. Os europeus podem confiar que estamos unidos e solidários com os Estados-Membros afetados", informou von der Leyen em comunicado.

Em entrevista à agência Lusa, a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, defendeu um "embargo total" pela UE ao petróleo, gás e carvão russo. — Quando olhamos para a dependência do gás russo, cada país [europeu] tem a sua própria realidade individual, e precisamos reconhecer isso. Mas a menos que digamos que o objetivo final tem de ser a dependência zero da Rússia em relação ao gás, nunca conseguiremos fazer isso — ressaltou.

exigência feita pelo Kremlin a países considerados "hostis" de receber pagamentos em moeda russa foi uma tentativa de proteger o rublo de sanções impostas desde o início da guerra na Ucrânia. Ainda não se sabe quantos países europeus aceitaram usar a moeda russa. A Bloomberg publicou uma notícia nesta quarta-feira que cita dez compradores, incluindo quatro países europeus, mas no entanto não diz quais são.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, rejeitou nesta quarta as acusações de que Moscou usou o fornecimento de gás natural como ferramenta de chantagem, e afirmou que a Rússia é "um fornecedor confiável de energia", que reage às sanções impostas contra si próprio. — As condições estabelecidas fazem parte de um novo método de pagamento desenvolvido após ações hostis sem precedentes — disse Peskov, que se recusou a dizer quantos países concordaram em passar a pagar pelo gás em moeda russa.

Os suprimentos da Gazprom cobrem cerca de 50% do consumo da Polônia. O país disse que não precisava recorrer às reservas e que seu armazenamento de gás estava 76% cheio. A estatal polonesa PGNiG informou que ainda está fornecendo gás a seus clientes, conforme o necessário. "Cortar o fornecimento de gás é uma quebra de contrato, e a PGNiG se reserva o direito de buscar compensação e usará todos os meios contratuais e legais disponíveis para fazê-lo”, ressaltou a empresa.

Gerhard Schröder:Ex-chanceler que lucrou milhões com energia da Rússia simboliza erros de cálculo da Alemanha sobre Putin

A Polônia e a Bulgária são ex-satélites de Moscou que, desde o fim da da soviética, se juntaram à UE e à Otan (aliança militar ocidental, liderada pelos EUA). A Polônia tem sido um dos oponentes mais expressivos do Kremlin durante a guerra. A Bulgária há muito mantém relações mais calorosas com a Rússia, mas o seu primeiro-ministro, Kirill Petkov, um ativista anticorrupção que assumiu o cargo no ano passado, denunciou veementemente a invasão da Ucrânia.

O corte de combustível da Rússia ocorreu um dia depois de os Estados Unidos e de pelo menos 40 países se comprometerem a armar a Ucrânia “em longo prazo”. A mudança mais significativa foi da Alemanha, que disse que enviaria dezenas de veículos antiaéreos blindados.

Mesmo que a Rússia não amplie a proibição para outros países, já há consequências na Europa. Os preços do gás no continente subiram até 24% na quarta-feira, colocando pressão adicional nos custos em um momento em que a inflação está em alta e a recuperação pós-Covid está sob ameaça.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Buscar entendimento? Sobre o quê? Com quem? - Percival Puggina

Em todos os pronunciamentos dos candidatos à presidência da Câmara dos Deputados, ouvi falar em “busca do entendimento”. Enquanto ouvia, lembrei-me de Churchill: “Quanto mais longe você conseguir olhar para trás, mais longe enxergará para frente”. E se o estudo da História para muito me tem servido, há bom lugar nesse conhecimento para a convicção de que com certos adversários não há conciliação possível. Novamente, nas palavras de Churchill: “Um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último dos devorados”. Foi ele, pessoalmente, liderando seu povo, que livrou a humanidade do nazifascismo.

O que estou afirmando não é grito de guerra, mas fé inexorável na democracia, na livre escolha dos povos, na autonomia das nações, na liberdade e nos princípios e valores que a vida me mostrou terem validade comprovada. Quero, portanto, que, no regime democrático, esses valores sejam prevalentes, não sejam derrotados por adversários que transitam pelas páginas da história como os cavalos de Átila.

O discurso do entendimento serve como luva às mãos dos derrotados de 2018. Entre nós, seria o retorno ao ambiente político que vigeu durante mais de duas décadas no Brasil sem encontrar resistência. É fazer de conta que nada aconteceu. Para usar a expressão hoje na moda, é “passar pano”, mas em lixo nuclear!  Qual a vantagem de fazê-lo para “conciliar” com quem, fora do poder, faz oposição contando caixinhas de chiclete e latinhas de leite condensado? Valha-me Deus!  
 
Não pode haver entendimento entre tão diferentes visões de mundo, de pessoa humana, de liberdade, de sociedade, de valores, de princípios, de Estado, de funções de poder. Pergunto: não passaram ao controle dos ministérios da verdade (profetizados por George Orwell) e criados pelas Big Techs, as redes sociais que democratizavam a comunicação? 
Não notamos qualquer semelhança entre as orientações da Netflix e da Globo?  
Estamos satisfeitos com o que está sendo produzido, aqui, pelo sistema de ensino em geral e pelas nossas universidades em particular? Mil vezes não.

Portanto, a disputa política é disputa necessária, indispensável. Não por acaso, ocorre em todas as democracias do Ocidente. Recentemente foi assim nos Estados Unidos. Com diferentes qualidades de conteúdo, vem sendo assim em países como Itália, Espanha, Áustria, Portugal, Polônia, Hungria, República Tcheca, Finlândia, Letônia, Eslováquia, Bulgária. E Suécia, e Alemanha, e Chile. É uma percepção das democracias ocidentais.

Quem vê suas liberdades ameaçadas, suas opiniões censuradas no que já foi um espaço de liberdade, sua cultura sendo deliberadamente destruída, não cede poder para um entendimento impossível. No Brasil, isso representa o retorno ao período anterior a 2014, quando perdíamos por W.O.. Sequer comparecíamos à disputa.

Por fim, veja o que está acontecendo com a evasão para novas redes sociais que se anunciam como espaços de liberdade. Também isso é sinal dessa divisão que tem longa data e validade, cujo reflexo, em regime democrático, conduz à vitória eleitoral de um ou de outro lado. Pode ser que um dia, olhando para trás, aprendendo com o passado, vendo o mal feito e o bem conquistado, possamos, como Churchill, enxergar para frente. E formarmos consensos razoáveis. Divisão, contudo, sobre algo, ou em relação a alguém, sempre haverá.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

UM PODER PARALELO QUE NÃO PERDE ELEIÇÃO: NOSSOS MUITOS SOVIETES - Percival Puggina

Durante décadas fui participante ativo de debates políticos nas emissoras de rádio e TV de Porto Alegre. Eram anos de ostracismo para o pensamento conservador e para as ideias liberais de que o país era tão carente. Contavam-se nos dedos os que se dispunham a enfrentar o esquerdismo que ia dominando a política nestas bandas. Na Rádio Guaíba, um estúdio instalado na esquina da Caldas Júnior com a Rua da Praia proporcionava som e ampla visibilidade ao público que se acotovelava para assistir as discussões do programa Espaço Aberto. Durante a Feira do Livro, o “Estúdio de cristal”, como era chamado, mudava-se para a Praça, e a multidão, literalmente, cercava aquele ringue retórico para ver quem iria às cordas.

À medida que nos aproximávamos do fim do milênio, os partidos de centro-direita e de direita foram virando apoiadores de quaisquer governos, espécie de contrapeso nas disputas eleitorais, deixando sem trincheira ou expressão o ideário conservador e liberal. Fechavam-se, no Rio Grande do Sul, as últimas portas ao debate político que fosse além do bate-boca pelo poder. Ou, com palavras melhores, em que essa disputa não fosse a única finalidade de todo argumento.  Lembro-me de ter ouvido do governador Alceu Collares, num desses debates, pela primeira vez, referindo-se ele aos partidos do espectro esquerdista: “Nós, do campo democrático e popular”. A expressão disseminou-se.

Socialistas, marxistas e a esquerda em geral agarraram-se com braços e pernas ao binômio democrático-popular. Posavam como donos desse “campo”. Nele jogavam futebol e golfe, criavam gado e faziam seus melhores discursos. E criavam conselhos populares... Então, como ainda hoje, eram avessos à propriedade privada, mas o tal “campo” foi cercado, escriturado em seu nome e passou a lhes pertencer o inço que ali crescia.

Não falo, apenas, de uma pretensão local, mas de uma obstinação mundial. É bom lembrar que Albânia, Bulgária, China, Cuba, Camboja, Coréia do Norte, Mongólia, Vietnã, Iêmen, e todas as demais republiquetas africanas, asiáticas e europeias, que em décadas anteriores adotaram o socialismo, se apresentavam ao mundo como “democracias populares”. Enchiam a boca e estatutos constitucionais com sua condição de people’s republic. E o leitor está perfeitamente informado sobre seus principais produtos: totalitarismo, supressão das liberdades, genocídio e miséria. Aqui no Brasil, o dito campo esquerdista encontrou na criação e povoamento de conselhos uma forma de se institucionalizar e atuar politicamente. Na administração pública estão em toda parte. Com exceções, formam pequenos sovietes, determinando e impondo políticas. São detentores de um poder paralelo que somente na órbita federal se manifesta através de 2.593 colegiados, segundo matéria de O Globo publicada em 29 de junho de 2019. Na véspera, Bolsonaro havia anunciado a intenção de reduzi-los a 32.

No entanto, esses aparelhos políticos resistem. Os 996 conselhos ligados a instituições federais de ensino operam em ambientes blindados pela autonomia universitária. Outros foram instituídos por lei e só poderão ser cancelados por outra lei. Assim, no curto prazo, apenas 734 criados por decretos federais ou por portarias dos próprios órgãos federais estão liberados para encerramento de atividades. [mesmo assim, se um magistrado federal entender conveniente, concede uma liminar e o presidente da República é desautorizado e impedido de cumprir uma atribuição constitucional.]
Note-se: a criação e operação de grande parte desses conselhos, muitos dos quais altamente onerosos ao pagador de impostos, é apenas uma das formas de aparelhamento da administração pública, que deveria ser apartidária, técnica e comprometida com a redução do peso do Estado sobre a sociedade.

Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, arquiteto, empresário e escritor e titular do site , colunista de dezenas de jornais e sites no país. 



 

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Senado paralisa Itamaraty

“ONU, Paraguai, Grécia, Guiana, Hungria, Marrocos, França, Romênia, Bulgária, Jordânia, Portugal, Bahamas, Egito, UNESCO e Catar aguardam novos embaixadores, além de Itália, Santa Sé e Malta e CPLP”


A relação do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, com o Congresso, na linha de atuação do guru Olavo de Carvalho, está criando a maior dor de cabeça para o Itamaraty. Quinze novos embaixadores designados pelo ministro foram parar na geladeira da Comissão de Relações Exteriores do Senado, apesar da conversa entre o chanceler brasileiro e o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que somente liberou a apreciação das indicações de três embaixadores até agora, todos por interferência de outras autoridades.

O presidente da Comissão, senador Nelsinho Trad (PSD-MS), é aliado de primeira hora de Alcolumbre. Hoje, em reunião extraordinária da Comissão, segundo a pauta que estabeleceu, serão examinados os nomes dos embaixadores designados para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, com sede em Lisboa, Pedro Fernandes Pretas, um pedido do ministro-chefe do Gabinete de segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno; para Santa Sé e Malta, Henrique da Silveira Sardinha Pinto, solicitação do senador Antônio Anastasia (PSDB-MG); e da Itália, Hélio Vitor Ramos Filho, cujo padrinho é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A primeira indicação será relatada pela senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), a segunda pelo próprio Anastasia e a terceira, pelo senador Jarbas Vasconcelos(PMDB-PE). Todos são de oposição.

Nos bastidores do Itamaraty, a interpretação é de que as dificuldades estão num contexto mais amplo do que as relações dos diplomatas indicados para os postos no exterior com o Congresso, porque a maioria deles exerceu funções técnicas e não têm rusgas políticas com os senadores. Também não existe nenhuma “pendência” do presidente do Senado com o Itamaraty. Há cerca de um mês, o chanceler Ernesto Araújo esteve com Alcolumbre para solicitar a aprovação de suas indicações, sem sucesso até agora. Araújo já se queixou com o presidente Jair Bolsonaro sobre a demora nas nomeações, mas não houve nenhuma iniciativa do Palácio do Planalto no sentido de agilizar a apreciação dos nomes.

A substituição de embaixadores em postos estratégicos é normal na troca de governos, o que não é normal é essa demora. Também não é trivial a ruptura promovida por Araújo, que resolveu “caronear” — para usar uma expressão militar — a elite diplomática do país e promover diplomatas mais jovens para os postos mais relevantes. O ex-ministro Aloysio Nunes Ferreira foi elegante ao deixar o cargo que ocupou durante o governo Temer, evitando trocas nos postos primordiais, como as embaixadas de Estados Unidos, França e Portugal, com o objetivo de facilitar a vida de seu sucessor e a dos próprios diplomatas. A demora nas nomeações, porém, tornou-se um empecilho para a política externa, porque os embaixadores que serão substituídos já fizeram suas mudanças e cumprem um expediente meramente formal, aguardando o substituto estoicamente.

Beija-mão
É o caso do embaixador Sérgio Amaral, em Washington, que aguarda seu substituto até hoje. Demitido antes mesmo de Jair Bolsonaro tomar posse, suporta com galhardia o constrangimento de ter que representar o país sabendo que já não tem nenhuma sintonia com o novo chanceler e o atual governo. As embaixadas também ficam em compasso de espera, porque as iniciativas estratégicas dependem da chegada dos novos embaixadores. No jargão diplomático, perdem o “drive”, ou seja, o impulso de trabalho e a energia para novas iniciativas.


No caso dos Estados Unidos, Bolsonaro ainda nem escolheu o substituto. A expectativa era de que o nome do novo embaixador fosse anunciado para o presidente Jair Bolsonaro no seu encontro com Donald Trump, mas isso não ocorreu. Os nomes que chegaram a ser cotados foram o do cientista político Murillo de Aragão, da Consultoria Arko Advice, que era apadrinhado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, e o do ministro de segunda classe Néstor Forster, preferido do chanceler Ernesto Araújo.  Estão no limbo, aguardando aprovação do Senado, os novos embaixadores na Organização das Nações Unidas (ONU), Ronaldo Costa Filho; no Paraguai, Flávio Damião; na Grécia, Roberto Abdalla; na Guiana, Maria Clara Clarísio; na Hungria, José Luiz Machado Costa; no Marrocos, Júlio Bitelli; na França, Luiz Fernando Serra; na Romênia, Maria Laura Rocha; na Bulgária, Maria Edileuza Fontenele Reis; na Jordânia, Riu Pacheco Amaral; em Portugal, Carlos Alberto Simas Magalhães; nas Bahamas, Cláudio Lins; no Egito, Antônio Patriota; na UNESCO, Santiago Mourão; e no Catar, Luiz Alberto Figueiredo.

Tradicionalmente, no Senado, há uma espécie de romaria do beija-mão dos indicados para cargos que dependem de aprovação no Senado, como as agências reguladoras e tribunais superiores. Os designados visitam os integrantes das comissões encarregados de apreciar a indicação, os líderes de bancada e os integrantes da Mesa do Congresso. No caso dos embaixadores, porém, nunca houve isso, bastavam as visitas formais ao presidente da Comissão de Exteriores para marcar as sabatinas. Foram raras as vezes em que indicações foram embarreiradas no Senado, quase sempre em retaliação ao Executivo, por algum motivo. O código para derrubar uma indicação em plenário era coçar a gravata, para ninguém ser constrangido por discursos e encaminhamentos de votação.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB


domingo, 18 de outubro de 2015

O pianista

Ahmad se decidiu pelo êxodo no dia em que fez 27 anos. Naquela madrugada não conseguira alimentar o filho faminto

Música não precisa de tradução nem visto de entrada. É linguagem universal. Além de suas outras utilidades mil, ela serve de bálsamo para vidas à deriva, atravessa muros e fronteiras, fura bloqueios e não pesa na bagagem. Que o diga o jovem sírio Ayham Ahmad.

Domingo passado, apesar do frio do cão que prenuncia um inclemente inverno europeu, 24 mil pessoas participaram de um concerto ao ar livre na monumental Königsplatz de Munique. Cantaram, dançaram, fizeram selfies e foram felizes durante mais de duas horas na histórica praça traçada dois séculos atrás para concorrer com a Acrópole de Atenas, e de grande serventia para mastodônticos comícios nazistas.

Só que, desta vez, a galera tinha a cara de uma Alemanha nova. Metade era refugiada de guerra exaurida pelo êxodo e recém-aportada na Baviera; a outra metade era de voluntários alemães que os acolheram ou queriam expressar solidariedade. Organizado em menos de duas semanas e intitulado “Danke-Konzert” (concerto de gratidão), o megashow reuniu as bandas indie mais populares do país. O próprio prefeito da cidade se encarregou de empunhar uma guitarra e entoar “Não somos apenas nós”, canção pró-refugiados que o público parecia conhecer. “O mundo é grande o suficiente. Não somos só nós. Alô, Nova York, Rio, Rosenheim (sede administrativa da Baviera), participem também”, incentivou ele, referindo-se à transmissão on-line.

Ahmad nunca tocara para tamanho mar de gente. Muito menos para um mar de caucasianos com cartazes a proclamar que “Nenhum ser humano é ilegal”. Enrolado ao tradicional keffieh palestino no pescoço, ele subiu ao palco como atração principal — seis meses atrás sua imagem tocando um piano detonado entre os escombros de Yarmouk, na Síria, havia corrido mundo. Ele se tornara o cancioneiro do sofrimento sírio e sua música era ouvida como trilha sonora do horror.

Domingo passado, Ahmad tocou canções de sua gente num Yamaha acústico CP de última geração. Todos entenderam o misto de dor e alegria, mesmo quem não entendia árabe. Sua mulher, dois filhos pequenos, o piano carbonizado e o bairro de refugiados palestinos onde nascera haviam ficado para trás. Ele teve sorte. Só no mês passado morreram afogados no Mar Egeu 144 refugiados da mesma travessia — 44 eram crianças. E dois dias atrás morreu a primeira vítima de um dos países europeus que lhes são hostis — foi baleada pelas forças policiais da Bulgária.

A Yarmouk do pianista fora erguida seis décadas atrás nas franjas de Damasco, capital da Síria, como campo de acolhimento para palestinos fugidos de Israel. Consolidada como bairro, chegou a abrigar quase 700 mil pessoas. Hoje, restam no máximo 18 mil a vagar entre ruínas. Ahmad se decidiu pelo arriscado êxodo em abril deste ano, no dia em que completava 27 anos. Naquela madrugada não conseguira alimentar o filho faminto. “Saí de lá porque a vida ali cessou”, explicou à repórter do “Huffington Post” que o perfilou.

Sobrevivera com a família a quatro anos de guerra civil com destruição e morte por toda parte. Primeiro, foram os bombardeios da Síria e o estrangulamento de Yarmouk por bloqueio total, levando os moradores a se alimentarem de plantas, gatos, cachorros e macacos. Depois, já de joelhos, o bairro-cidade foi ocupado pelos homens de preto — os jihadistas do Estado Islâmico (EI). A água acabou, a farinha e o pão sumiram e a música, considerada haram (infiel), foi proibida.

Filho de violinista, Ahmad tocava piano desde os 6 anos de idade e havia estudado música em Homs até a guerra civil inviabilizar qualquer atividade. De volta à Yarmouk destruída, ele decidiu instalar a céu aberto seu surrado piano e passou a tocar entre escombros, para aliviar a alma de quem o ouvisse. Outros músicos de ocasião se juntavam a ele para cantarolar a céu aberto sobre a vida. Com a ocupação do EI, a vida para ele cessou.

Ahmad ainda tentou camuflar o piano numa carreta improvisada coberta por papelão ao partir para Damasco, onde deixou a família. Mas os jihadistas interceptaram o comboio, encharcaram de gasolina o instrumento e o incendiaram à sua frente.  O resto da saga do músico se assemelha a de tantos outros. De Damasco, ele seguiu sozinho a pé, de ônibus, barco inflável, navio grande, trem: Homs, Hama, Dikili, Lesbos, Atenas, Macedônia, Bulgária, Sérvia, Croácia, Áustria e, por fim, Munique, onde chegou em setembro, cinco meses depois de partir.

Como ele mesmo explica, na terra em que morava, a opção era juntar-se a alguma facção ou esperar pela morte. Decidiu esperar pela morte tocando piano e cantando. Agora em terra estrangeira, continua tocando piano e cantando. Espera pela vida ao lado da mulher e filhos. Um dia talvez. “Quero dizer ao mundo que somos apenas civis, que amamos a música”.

Em tempo — Decretado o fim de fotos de mulheres nuas na “Playboy”, quem continuar a comprá-la pode dizer, agora sem cinismo, que o faz para ler as entrevistas de qualidade da revista. Já quem é adepto de obscenidades hard core na vida real basta acompanhar a política praticada em Brasília.

Por: Dorrit Harazim, jornalista


terça-feira, 15 de setembro de 2015

Nem paz, nem amor. Pouca vergonha - É o que temos pra agora



De 162 países apenas 11 não estão envolvidos em guerras – externas ou internas políticas, raciais ou religiosas. É o que temos neste 15º ano do século XXI, dito o século da informação e do conhecimento.
Nesses números feios não estão incluídos países de grande violência urbana, como o Brasil, por exemplo, que registra 27 homicídios por cada 100 habitantes. Foram 200 mil de 2008 a 2011. Mais do que a guerra do Iraque que, em 10 anos, matou 174 mil pessoas. O Brasil, deste 2015, responde por 13 a cada 100 assassinatos no mundo.

Bom não está. Nem aqui, nem acolá. Só da guerra da Síria a mais em pauta neste setembro - sairão quatro milhões de refugiados, estima a ONU. Em 2014, havia 59,5 milhões de deslocados no mundo, 42.500 pessoas em média diária, 19 milhões de refugiados. A fome castiga a maioria deles.

“Deslocados” são pessoas que por conta de guerras e conflitos tiveram de abandonar suas casas e buscar proteção em outros lugares, dentro ou fora de seus próprios países. Refugiados são os que trocam de países. Como os sírios agora. Como os angolanos, haitianos e outros das 81 nacionalidades dos 5, 2 mil refugiados aqui abrigados.  “Nos próximos 50 anos, a inteligência artificial, a nanotecnologia, a engenharia genética e outras tecnologias permitirão aos seres humanos transcender as limitações do corpo. O ciclo da vida ultrapassará um século. Nossos sentidos e cognição serão ampliados. Ganharemos maior controle sobre nossas emoções e memória. Nossos corpos e cérebro serão envolvidos e se fundirão com o poderio computacional.”

A previsão é do filosofo e futurista Max More, datada de 1994, que arrematou:Usaremos essas tecnologias para redesenhar a nós e nossos filhos em diversas formas de pós-humanidade”. Estamos cada vez mais perto da previsão. Grosso modo, o pós-humanismo posto em discussão desde Nietzsche e seu supra-humano, tem a ver com tecnologia e conhecimento – evolução. Mas vem convivendo com o desumanismo, a brutalidade em escala crescente, traduzida nos números desumanos das violências – urbanas, de guerras, terrorismo, guerrilhas. 

Operamos cada vez melhor as máquinas, armas inclusive. Padecemos muito do descontrole sobre as emoções. Não são elas que, desregradas, produzem intolerância, preconceito, ódios, ganância e brutalidades?  Agora, somos 7,3 bilhões de pessoas a ocupar o planeta terra, onde, estima-se há US$ 75 trilhões em circulação. 800 milhões de almas ainda passam fome. Diz-se que os 85 mais ricos têm o mesmo dinheiro do que os 3.5 bilhões de mais pobres.

Na última campanha eleitoral brasileira foram gastas 5,1 bilhões de reais. O suficiente para pagar quatro meses de bolsa família, que socorre 14 milhões de pobres. Ou construir 20 super-hospitais.  Parece que o prejuízo causado pela corrupção na Petrobrás foi de 19 bilhões. Somália e Correa do Norte são os dois países mais corruptos do mundo.

Dinamarca, Nova Zelândia e Finlândia são os menos. O Brasil tem a 69ª posição nesse ranking de surrupiação, que reúne 175 países. Divide o prêmio com Bulgária, Grécia e Itália.  Pouca vergonha. Pouca paz, pouco amor. É o que temos pra agora, com pós-humanidade em curso e redesenhando-se para nós, nossos filhos, nossos netos. 

Fonte: Tânia Fusco – O Globo