Bolsonaro depende mais de Moro do que de Guedes
Desde Deodoro da Fonseca, não houve presidente assim. Jair Bolsonaro
ganhou sem alianças e montou um ministério excludente. Exceção ao
titular da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, de origem
cearense, não há nordestinos em um primeiro escalão com quatro
paranaenses, quatro gaúchos, quatro fluminenses, dois políticos do Mato
Grosso do Sul e um colombiano.
[a Constituição Federal determina:
"... Art. 84 - Compete privativamente ao Presidente da República:
I - nomear e exonerar os Ministros de Estado;..."
"...Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores
de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos. ..]
[as exigências constitucionais para ser nomeado ministro de Estado foram rigorosamente cumpridas.
O fato de não ser exigido que os brasileiros sejam 'natos' permite a nomeação do colombiano.]
Mesmo que se desconte a falta de
equilíbrio regional, é uma pasta que não lança pontes para quem não
votou em sua chapa no segundo turno.
[não há razão para oferecer amizade aos que não votaram;
se estes, fazendo o seu 'mea culpa', procurarem os vencedores poderão até ser recebidos e se merecerem, por competência, poderão até serem agraciados com um cargo.]
Bolsonaro é visto por alguns como um presidente tutelado, mas a rigor
cedeu pouco. Arquitetou o governo como se propôs, atendendo fartamente
aos setores que sustentaram sua campanha: militares da reserva, com
vínculos importantes na caserna, e radicais da internet. Foi obrigado
[será que foi???] a
manter o Ministério de Direitos Humanos, e o entregou a uma pastora
pentecostal. Teve que deixar o Ministério do Meio Ambiente e o destinou
para um aliado da bancada ruralista.
Paulo Guedes é fiador de um contrato estabelecido quase um ano antes
da eleição, mas há aí uma relação de interdependência. Uma agenda como a
que o futuro ministro da Economia pretende engatar necessita de um
presidente popular que consiga administrar expectativas. Não há outro
modo de implantar um ajuste fiscal amargo sem explosão social.
O principal gesto de Bolsonaro para o mundo exterior, não
irrelevante, frise-se, foi convidar Sergio Moro. Bolsonaro não poderá
ter o anticomunismo, ou mesmo o antipetismo, como seu principal lastro, à
medida que Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni forem gerando agendas
negativas com reformas econômicas amargas e pactuações no Congresso.
É Moro que sinaliza para a esperança de nada ser como antes. Da sua
capacidade de gerar fatos positivos dependerá parte do sucesso de
Bolsonaro e do próprio Paulo Guedes.
Fim de ciclo
“A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram”, disse
Ulysses Guimarães no discurso de promulgação da Constituição de 1988, já
no final de sua fala, na hora dos agradecimentos. Era um discurso que
procurava situar a importância daquele momento histórico como um dos
últimos atos de encerramento de um ciclo, o do regime militar. Ulysses
proclamou que a elite política de então, reunida na Assembleia Nacional
Constituinte, tinha
“ódio da ditadura, ódio e nojo”.
A releitura deste discurso em um dia como o de ontem, quando se
completou 50 anos do AI-5 e se divulgou a notícia da morte da
viúva de
Paiva, tem um sabor arqueológico indisfarçável. Estamos em outra era.
Ulysses desmoralizava a era passada do ponto de vista objetivo e moral. O
país hoje está cheio de
ódio e nojo, e o grupo político que soube
empalmar o poder aproveitou-se disso, mas claramente não é à
ditadura. O manifesto de Ulysses em 1988 era abrangente como o é a Constituição
em vigor,
luz de estrela já extinta. No mesmo discurso em que bateu o
prego no caixão de 1964, o deputado falecido em 1992 afirmou que
“a
corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune
tomba nas mãos de demagogos que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam.
Não roubar, não deixar roubar, por na cadeia quem roube, eis o primeiro
mandamento da moral pública”.
Primeiro mandamento. Ulysses parecia perceber onde claudicava a nova
ordem que se abria, produto de uma transição rara na América Latina, em
que os militares se retiraram sob o manto de uma anistia que liberou a
todos de qualquer autocrítica sobre o que havia se passado nas décadas
anteriores. A corrupção e o asco que ela desperta nunca foram um fator
irrelevante no jogo político brasileiro. É preciso lembrar que a imagem
do regime militar em seu encerramento neste aspecto também estava
comprometida. A do regime democrático que se encerrou em 1964 também. Toda ruptura foi marcada pela esperança do saneamento,
invariavelmente frustrada.
Ao tomar o poder com a revolução de 1930, lá
estava esta semente plantada no discurso de Getúlio Vargas:
“Comecemos
por desmontar a máquina do filhotismo parasitário, com toda a sua
descendência espúria. Para o exercício das funções públicas, não deve
mais prevalecer o critério puramente político. Confiemo-las aos homens
capazes e de reconhecida idoneidade moral”, afirma, em uma fala onde
prometeu extirpar ou inutilizar os agentes da corrupção
“por todos os
meios adequados”. Getúlio é um exemplo longínquo, os mais recentes dispensam maiores apresentações, como o de Janio Quadros e Collor.
Ódio e nojo em relação ao que passou sempre marcam os fins de ciclo,
seja a uma elite que não entregou o que prometeu, seja a uma ditadura
brutal, que provocou e mascarou assassínios em seus porões, como foi a
de algumas décadas atrás. Jair Bolsonaro está às vésperas de tomar posse
esforçando-se para explicar as nebulosas movimentações que aconteciam
no gabinete do filho na Assembleia Legislativa, mas portador de uma
grande esperança, como mostrou a pesquisa de ontem do Ibope.
Um contingente poderoso de eleitores acha que Bolsonaro não vai
roubar e não vai deixar roubar e pensa que este deveria ser de fato o
primeiro mandamento. No levantamento encomendado pela CNI,
64% dos
entrevistados acham que Bolsonaro será um bom ou ótimo presidente e
37%
pensam que a corrupção é um problema que será atenuado sob seu governo.
Saúde e o desemprego vêm na frente da corrupção como o problema mais
citado, mas o conjunto dos dados induz a pensar que o eleitor intui que
Bolsonaro terá desempenho melhor em outras áreas.
Os eleitores que acham
que os males da saúde serão suavizados é de 31%.
Cesar Felicio - Valor Econômico