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domingo, 23 de maio de 2021

Um ministro do STF seria tratado como os depoentes da CPI da Covid?

CPI da Lava Toga volta ao debate
A Polícia Federal pediu ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito para investigar o ministro Dias Toffoli. Isso porque, em delação premiada, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral afirmou que Toffoli recebeu propina de dois prefeitos cassados para que ele mudasse o voto em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral.

Mas o ministro Edson Fachin proibiu a investigação até que o Supremo se pronuncie sobre se é válida a delação do ex-governador. Isso reavivou nos senadores, pelo menos os que já estavam incomodados com os desmandos da Corte, a vontade de abrir a CPI da Lava Toga. O senador Lasier Martins (Podemos-RS) está conduzindo isso.

Eu fico imaginando como seria um ministro do Supremo sendo convocado para depor em uma CPI, sob um interrogatório parecido com o do ministro Ernesto Araújo. [NÃO SERIA... entendemos que a forma que o STF tem agido nos tempos recentes - interfere em tudo, manda e desmanda e não é questionado,  as instituições competentes para questionar, por medo, se calam - ainda que a CPI da Lava-toga seja aprovada por unanimidade, nada impede que um desses partidecos sem noção recorra ao próprio STF e um supremo ministro, em decisão monocrática, decrete que a decisão do Senado Federal não é válida.
A quem os insatisfeitos apresentarão suas reclamações?  
Ao Papa Francisco? 
ou atuarão mesma forma que a Câmara dos Deputados,    que  abriu mão de suas prerrogativas constitucionais e manteve um deputado preso?   
- ou seguirão o exemplo do presidente do Senado em relação a instalação da CPI covid-19? abriu mão da sua competência constitucional e instalou aludida CPI, cumprindo decisão monocrática do ministro Barroso?]

Ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo prestou depoimento à CPI da Covid.
O ex-chanceler Ernesto Araújo prestou seu depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira (18). Os senadores da comissão tentaram de todas as formas obter alguma coisa que incriminasse o presidente da República. As perguntas deles já continham as respostas e as sentenças.

Eu ouvi o presidente da CPI dizer: “mas isso é um crime grave”. Ficou claro que já está julgando. Não foram perguntas e sim uma inquisição, mas Araújo estava bem preparado, afinal é diplomata formado no Instituto Rio Branco.

Quando o ex-ministro respondia, os membros da comissão fingiam que não entendiam e perguntavam de novo a mesma coisa para ver se conseguiam algum deslize dele. Acho que a CPI ainda não conseguiu nada, mas a sentença já está pronta desde o início. Como disse Eduardo Cunha “é um palanque armado com olho na eleição do ano que vem”.
E esta quarta-feira (19) vai ser o dia mais importante para a CPI, o ápice, porque o depoente será o ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello.

Carne argentina

A Argentina está em uma situação de penúria. Agora, o governo do país vizinho decidiu suspender por 30 dias a exportação de carne bovina para reduzir o preço do produto no país e conter a inflação.  O país é o quinto maior exportador mundial de carne e o produto é famoso no mundo inteiro. Os frigoríficos brasileiros que operam lá estão reclamando. O maior comprador dos argentinos é a China.

A medida foi tomada porque o preço do produto está inalcançável para o argentino porque o peso (a moeda do país) desvalorizou. Os típicos churrascos da Argentina precisaram sair do dia a dia deles. É terrível!  O país está em falência e empobrecido. Eles tiveram um lockdown longo e não obtiveram bons resultados contra a pandemia.
 
Plantio de maconha
Quase que os deputados conseguiram aprovar o plantio da maconha no Brasil, que alegam ser para fins medicinais, nesta terça-feira. A discussão em uma comissão da Câmara tinha caráter terminativo — se houvesse votos favoráveis o suficiente, o projeto de lei ia direto para o Senado. O projeto de lei visa melhorar a qualidade de vida de crianças com epilepsia e agilizar o acesso ao canabidiol, um dos princípios ativos da maconha, que hoje precisa ser importada.

Em 2020, a USP terminou de desenvolver um canabidiol sintético. Mas como o produto ainda não pode ser comercializado, os deputados tentam aprovar um projeto de lei para que o plantio seja liberado. Mas no projeto também há a possibilidade do plantio da maconha para fins industriais. Deputados contrários ao projeto fizeram um requerimento para adiar, o que não deu certo. No entanto, quando pediram a contagem nominal dos votos houve confusão e a sessão foi adiada, felizmente.

A maconha é o primeiro passo para as outras drogas e comprovadamente interrompe a sinapse, que é a comunicação entre um neurônio e outro, da pessoa que usa de maneira frequente esse alcalóide. O cânhamo plantado na Polônia, país de clima tropical e frio, tem um THC substância psicoativa da maconha — baixo, mas aqui no Brasil esse valor se eleva e vira um real entorpecente.
 
Saber  mais sobre a desgraça que se abateu sobre os países que liberaram o uso para fins medicinais, porta de entrada das drogas,  para uso recreativo, clicando aqui. 

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

domingo, 19 de abril de 2020

De caminhões a aviões - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Fim de isolamento com mortos de 9 Boeings e corpos na rua? Teich e governadores não farão

O Brasil ainda não chegou na fase de “caminhões do Exército transportando corpos pelas ruas”, como advertia o agora ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, mas já exibe cenas horripilantes de caminhões frigoríficos à saída de hospitais em Manaus para evitar outras cenas horripilantes, de corpos e pacientes, lado a lado, pelos corredores. Preparem suas almas e estômagos, porque o Brasil não é uma bolha e essas imagens vão se repetir.

Por ora, alternam-se números da realidade com imagens da realidade paralela em que habitam milhões de brasileiros e o presidente da República. São mais de 2 milhões de contaminados e 150 mil mortos no mundo, mais de 33 mil e 2 mil no Brasil, mas incautos amontoam-se pelas ruas, sem máscara, cuidado e medo. “Indo para o matadouro”, definiu a jornalista Monica Waldvogel.

Na mesma reunião com Bolsonaro e ministros em que falou dos “caminhões do Exército”, Mandetta comparou: se morressem mil pessoas, seria o correspondente à queda de quatro Boeings. Logo, hoje já seriam nove. Em frente ao aeroporto de Congonhas, o Memorial 17 de julho lembra os 199 mortos do voo TAM 3054, em 2007, meses depois que um Legacy se chocou no ar com o Gol 1907, deixando 154 vítimas. Foram os dois maiores acidentes aéreos brasileiros, com grande comoção nacional. Hoje, a Covid-19 já faz 2.347 mortos e famílias destroçadas, quase 12 vezes que em cada acidente, num só mês.

E o mundo parou (dizem que nunca mais voltou a ser o mesmo) naquele 11 de Setembro em que ataques terroristas fizeram 3 mil mortos em Nova York. Pois o terrorista coronavírus agora mata mais de 2 mil por dia – por dia! As vítimas já beiram 15 mil em NY e 35 mil na maior potência do mundo. Quantas Torres Gêmeas dá isso? E que mundo sairá dessa pandemia, que não tem ideologia, religião, raça e não poupa ricos e pobres?

No Brasil, como nos EUA, o coronavírus atacou “por cima”, os que podiam passear pelo mundo, e chega aos “de baixo”, que mal têm onde morar. Se em Nova York o maior índice de mortos é de negros e pobres, o que prever quando a Covid-19 sair dos bairros elegantes e se espraiar por periferias e favelas? E já saiu, está se espraiando.  E quando a pandemia deixar seu rastro macabro na Ásia, Europa e EUA, sossegar no resto das Américas e desabar na África? 
Não haverá caminhões do Exército nem frigoríficos suficientes e o continente pode se transformar num imenso Guayaquil, cidade do Equador com cadáveres pelas ruas.

Chocante? Sim, a realidade é chocante e quem ainda está sonhando precisa de uma chacoalhada. E é aí que entram as dúvidas sobre o novo ministro da Saúde, Nelson Teich. Com belo currículo e respeito dos pares, ele já defendeu publicamente o isolamento como principal arma para evitar uma tragédia maior, mas assumiu o ministério prometendo “alinhamento total” com um presidente que confronta, petulantemente, o isolamento.

Na conversa decisiva, Teich deixou boa impressão nos presentes, mas dúvidas na cabeça conturbada do presidente: seria capaz de transformar os achismos presidenciais em política de saúde? O mundo inteiro está aflito com os efeitos calamitosos da pandemia nas empresas e nos empregos, mas, como médico, gestor e especialista em saúde e economia, é improvável que o novo ministro jogue fora sua biografia assumindo o “risco” de um chefe eventual.

A melhor aposta está na senha do próprio presidente para Teich na posse: “Junte eu e o Mandetta e divida por dois”. Leia-se: o governo vai relaxar o isolamento, mas o ministro não topa loucuras e planeja um pouso controlado. Mesmo que topasse, governadores, Supremo e Congresso barrariam. Oremos!

[pela Constituição vigente, que se for desrespeitada por qualquer um dos Poderes, será o fim do decantado 'estado democrático de direito', com todas as consequências resultantes, os três Poderes da União são harmônicos e independentes.
Cada um, na sua seara - estabelecida pela Constituição Federal - é independente e harmônico em relação aos demais (repetindo: na sua área constitucional de competência nenhum Poder é submisso, nem superior,  a outro Poder.
O próprio presidente do Supremo em decisão (íntegra aqui) deixou claro que as ações de Saúde precisam ser capitaneadas pelo Ministério da Saúde - que até o presente momento é um órgão integrante do organograma do Poder Executivo Federal.

Governadores são meros coadjuvantes - se fosse criada uma junta de 3 ou mesmo 5 governadores para administrar as ações contra a pandemia, as vaidades implodiriam à  Junta.]

Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo



domingo, 10 de junho de 2018

“Temer dá a ré” e outras notas de Carlos Brickmnn

Temer anunciou a tabela de preços mínimos para o frete e, diante da reação de líderes dos caminhoneiros, que ameaçaram parar de novo, recuou


O presidente Michel Temer é coerente: está onde sempre esteve (talvez isso só mude no fim do mandato, quando perder o foro privilegiado). Temer, ao assumir, lembra-se? extinguiu o Ministério da Cultura, apenas para em seguida voltar atrás, diante da reação dos prejudicados. Agora, em quatro horas, anunciou a tabela de preços mínimos para o frete e, diante da reação de líderes dos caminhoneiros, que ameaçaram parar de novo, recuou, revogou a tabela e prometeu outra, exatinho como eles exigiam. Os reclamantes nem pediram licença: invadiram o Ministério dos Transportes. E, mais uma vez, viram o presidente obedecer a quem gritasse mais.

Enquanto isso, como se comporta o mercado? Uma carga de 300 kg de São Paulo a Roraima sairia por pouco menos de R$ 1.200. Mas apareceram transportadores se propondo a levá-la por R$ 1.000, ou menos. A questão nem é tanto de preço: é que o caminhoneiro autônomo não pode parar, se quiser pagar as contas. E quem está ganhando com isso? Caro leitor, é ele mesmo: Joesley. Ou eles, os de sempre: os frigoríficos. O criador não pode segurar os bois no pasto, sob pena de ter prejuízo. Frigoríficos aproveitam a paralisação: oferecem preço menor pelos bois, e os criadores, pressionados, aceitam. Os frigoríficos ganham também na outra ponta, exportando com o dólar alto. Quem pensa nos caminhoneiros de verdade, ou nos criadores?
E Temer, não pensa? Talvez até pense, mas não hesita em dar a ré.

O dinheiro que falta
O Governo diz que o orçamento não comporta novos gastos. Deve ser verdade: o déficit deste ano está por volta de R$ 160 bilhões. Mas será que não dá para mexer nisso? O empresário Zizinho Papa, presidente emérito da Federação do Comércio, que será candidato a deputado federal pelo PSDC paulista, dá números: temos 54 governadores e vices, 81 senadores, 11.136 prefeitos e vices, 1.024 deputados estaduais, 513 deputados federais. Vices e governadores, deputados federais, senadores, prefeitos, todos têm carro oficial. Deputados estaduais, não todos, mas muitos, têm carro oficial. Sem luxo: bons carros, como Toyota Corolla, Honda Civic, Chevrolet Cruze e outros do mesmo nível, custam no mínimo R$ 80 mil. É preciso tudo isso? Não são só os carros: se reduzirmos à metade o número de 69.620 políticos com mandato, qual o problema? E qual a economia?

Os números
A política nos custa (tudo, incluindo o que é mesmo indispensável) R$ 150 mil por minuto, R$ 9 milhões por hora. São quase R$ 78 bilhões por ano. Isso, claro, não inclui as boas aposentadorias, nem o seguro-saúde ilimitado e vitalício. Reduzir esse gasto pela metade e poupar R$ 39 bilhões será mesmo impossível? E deve ser bom fazer política: há 35 partidos com registro no TSE, todos recebendo parcelas do Fundo Partidário, todos com direito a financiamento público de campanha. Há 73 partidos em formação. Qual a diferença entre um e outro? A semelhança, essa nós sabemos.

A grande festa
A despesa é alta mas a festa continua – afinal, quem paga somos nós. A Câmara Municipal de São Paulo acaba de aprovar um bom reajuste (77%) numa gratificação aos funcionários. Coisa pouca, para quem legisla: apenas R$ 5,7 milhões por ano. Mas analisemos as despesas da Câmara: nela, há 254 funcionários recebendo mais do que o teto municipal, de R$ 24,1 mil. Há quem ganhe R$ 59 mil, quase o dobro do teto federal, que é o salário dos ministros do Supremo. E isso antes do aumento da tal gratificação.
Detalhe: dos 254 que ganham acima do teto, 133 estão aposentados. Ali não vigora o INSS: é outra lei, mais boazinha. É proibido regular micharia.

Buscando dinheiro
Uma decisão da Justiça Federal, na terça-feira, mostrou, a quem ainda não sabia, onde é que o Governo busca dinheiro para a farra de gastos: foi suspensa a portaria 75 do Ministério do Planejamento que tirava R$ 203 milhões do orçamento do SUS, da segurança alimentar, da assistência técnica à agricultura familiar, de repressão à violência contra a mulher e do setor de transportes, e transferia tudo para a publicidade – aquelas coisas de “Ordem é Progresso”, que tanto contribuem para a popularidade de Temer. A decisão foi do juiz Renato Borelli, da 20ª Vara da Justiça Federal.

E chega!
Agora é hora de descansar um pouco da triste realidade brasileira. Este colunista acaba de ler (e recomenda) uma delícia de livro: “A História da Literatura Erótica e Meus Contos Malditos”, de Antônio Paixão.
O livro, lançado no dia 5, foi-me recomendado por um apreciador de boa literatura: o advogado Orlando Maluf Haddad – aliás, que tal fazer sua biografia, que inclui o resgate de presos pela ditadura uruguaia, rompendo o cerco da Operação Condor, que unia os ditadores do Cone Sul da América? Uma nova tarefa para o bom escritor Paixão.


Publicado na Coluna de Carlos Brickmann

 

terça-feira, 21 de março de 2017

PF deve explicações sobre fraudes em frigoríficos

Passado o primeiro impacto do anúncio da Carne Fraca, constatam-se falhas de comunicação, que podem ter amplificado a repercussão

Ainda é cedo para se ter uma dimensão precisa dos prejuízos nas exportações de carnes e subprodutos causados pelo anúncio, na sexta-feira, feito pela Polícia Federal, da Operação Carne Fraca, criada para desarticular esquemas montados entre frigoríficos e agentes de fiscalização do Ministério da Agricultura, com a finalidade de permitir a venda de produtos fora de especificações.

Mas é certo que o impacto é grande. Afinal, a ação da PF, realizada durante dois anos, ocorre quando o Brasil, depois de muito trabalho, abriu importantes mercados para essas exportações, consolidando a posição de um dos maiores fornecedores mundiais de carnes.  O potencial de problemas econômicos e sociais no país pode ser medido pela constatação de que os US$ 12,6 bilhões exportados no ano passado pelo setor perdem apenas para as vendas externas de grãos e minérios. Com a característica de a malha de frigoríficos ser abastecida, principalmente em aves e suínos, por milhares de fornecedores instalados em minifúndios.

A origem da Operação foi a denúncia de um fiscal do Ministério da Agricultura, Daniel Gouvêa Teixeira, de que, ao encontrar graves irregularidades no frigorífico Peccin, de Curitiba, e denunciá-las à Superintendência do Ministério no Paraná, foi transferido para um outro estabelecimento, Souza Ramos, também paranaense, onde novamente constatou desvios. Em entrevista ao “Fantástico”, da TV Globo, o fiscal disse que o Peccin usava carnes estragadas, fora do prazo de validade, sem refrigeração adequada, “em putrefação mesmo.” No Souza Ramos, embutidos eram fornecidos para a merenda escolar como se fossem de carne de peru, mas eram mesmo de carcaça de frango.

Na esteira da repercussão do noticiário, até ontem no fim da tarde, a China, comprador, no ano passado, de US$ 2 bilhões de carnes brasileiras 80% das importações chinesas de frangos são do país passou a reter nos portos os contêineres recebidos do Brasil; a Coreia do Sul, por sua vez, anunciou a suspensão das compras de frango. O próprio ministro da Agricultura, Blairo Maggi, disse ontem esperar que cerca de 30 países peçam informações sobre o controle sanitário dessas exportações.


O governo reagiu com rapidez. Blairo suspendeu a licença que tirara de dez dias, e o presidente Michel Temer se mobilizou para ouvir representantes da área e convidar diplomatas a uma conversa no Planalto, seguido de jantar com carne brasileira numa churrascaria brasiliense.

Um grande problema foi a desastrosa comunicação da Carne Fraca feita pela PF: ficou a impressão de uma operação executada apenas por escuta telefônica, e sem qualquer informação precisa da extensão das fraudes. Passou a ideia de serem casos pontuais — e assim, não justificaria o estardalhaço. A PF menciona 40 frigoríficos com irregularidades, outros 21 sob suspeita e três unidades fechadas: duas do Peccin, em Paraná e Santa Catarina, e uma da BRF, em Goiás. No universo de 4.837 unidades, não é muito.

Outro aspecto essencial na história é o da corrupção. O ministério já interveio nas superintendências de Curitiba e Goiás, sinal de que havia de fato conivência entre servidores e frigoríficos. Sem isso, a mercadoria adulterada não iria para prateleiras e portos. O caso parece se enquadrar na cultura de corrupção que se entranhou fundo no país, nos últimos anos, com a participação de políticos em esquemas criminosos. O mensalão e a Lava-Jato ensinaram que esses casos costumam ter conexões em Brasília.


Fonte: Editorial - O Globo


A PF escorregou na operação 'carne fraca'

A Carne na operação é Fraca

A Polícia Federal tem provas consistentes de conluio entre fiscais do governo e empresas, mas não de venda de produtos estragados em larga escala 

A Operação Carne Fraca, vendida pela Polícia Federal na última sexta-feira (17) como a maior da história, uma espécie de Kobe Beef investigativo, assenta-se, ao menos até agora e nos pontos mais relevantes, em provas repletas de acém. Um exame detido das evidências colhidas pela PF aponta a existência de um esquema corrupto entre frigoríficos do Paraná e fiscais do Ministério da Agricultura lotados em cidades paranaenses. 

Há indícios consistentes de que alguns dos envolvidos nessa organização criminosa facilitaram a produção e venda de carne estragada, ou possivelmente estragada, no Paraná. No aspecto gravíssimo do risco à saúde sanitária dos consumidores, as provas mais consistentes restringem-se a frigoríficos pequenos e médios naquele estado. Não há, até aqui, evidências da existência de um esquema em larga escala para vender carne podre, imprópria para consumo humano algo que o estardalhaço com o qual a PF divulgou a operação levava a crer. Resta, por enquanto, um preocupante descompasso entre as provas disponíveis e o alarde promovido pela PF.

A vasta maioria dos fatos criminosos expostos pela PF estão no Paraná. É lá que se encontram casos como o do frigorífico Peccin, principal alvo da investigação, cujos donos aparecem, em interceptações telefônicas, combinando pagamento de propina a fiscais e fraudes para assegurar venda de carne provavelmente podre. Existem indícios semelhantes quanto ao frigorífico Larissa. Há provas abundantes, em interceptações telefônicas, depoimentos e registros bancários, da relação corrupta entre os fiscais e os donos de frigoríficos. Havia propina em dinheiro. Havia propina paga em carne, até mesmo em coxinhas de frango, tudo sempre mencionado ao telefone. Havia uma promíscua naturalidade nos diálogos entre fiscais e funcionários dos frigoríficos. A esculhambação era tamanha que fiscais faziam churrasco com carnes apreendidas e forneciam as próprias senhas para que funcionários dos frigoríficos consultassem o sistema do Ministério da Agricultura. Um fiscal chegou a pedir petisco de cachorro a um dos frigoríficos; outro recebeu um isopor com picanha.

O filé da investigação encerra-se no Paraná – novamente, ao menos até o momento. Não há elementos semelhantes para descrever o mesmo descalabro em outros estados, quanto mais no país inteiro. A PF chegou às irregularidades em outros estados – Goiás e Minas Gerais, até agora – por meio de Roney Nogueira, um dos diretores da gigante BRF. Roney, conforme demonstram as interceptações telefônicas, era um resolvedor-geral da BRF. Ele aparece em todas. Tanto no Paraná quanto em Goiás e em Minas. No caso mineiro, usou o login de uma fiscal para verificar pendências da BRF. Em Goiás, a coisa foi possivelmente mais séria. Diálogos telefônicos mostram Roney agindo para evitar a interdição de uma planta da BRF.

A princípio, Roney estaria somente cumprindo sua função, sem qualquer ilegalidade. Mas ele aparece em interceptações repassando asinhas de frango – sim, asinhas de frango – para o fiscal responsável. E comenta com colegas que o mesmo fiscal cobrou R$ 300 mil em doação de campanha para o padrinho político dele, do PTB. (Em diálogos subsequentes entre diretores da BRF, eles dizem que não pagarão.) Há evidências de que a planta da BRF em Goiás apresentava problemas para se adequar aos padrões impostos pelo governo. Não fica clara, contudo, a natureza dessas dificuldades.

Ou seja, se a planta tinha problemas porque produzia carne podre ou se essas dificuldades advinham de empecilhos burocráticos, banais. Um diálogo entre diretores da BRF registra a preocupação com uma carga, produzida na planta em Goiás, que foi impedida de entrar na Europa por suspeita de conter um tipo de salmonela. Pode ser um caso grave, mas a PF não avançou nele. Na verdade, há vários tipos de salmonela em carnes in natura – nem todos são um problema sanitário. (A PF fez perícia em somente uma planta, do frigorífico Peccin.)

>> Seis perguntas para entender a Operação Carne Fraca

Ler MATÉRIA COMPLETA, em ÉPOCA 

 

sexta-feira, 17 de março de 2017

Operação 'carne fraca' da PF contra Gigantes da carne: De carne estragada a uso de produtos cancerígenos

Polícia Federal prende executivos das gigantes do setor de carnes JBS e BRF

‘Carne Fraca’, maior operação da história da PF, determina bloqueio de até R$ 1 bi em contas de 46 investigados

A Polícia Federal deflagrou na manhã desta sexta-feira a “Operação Carne Fraca”, com o objetivo de desarticular organização criminosa liderada por fiscais agropecuários federais e empresários do agronegócio. É a maior operação já realizada pela Polícia Federal em toda a sua história, segundo a organização.
 
A operação detectou, em quase dois anos de investigação, que superintendências regionais do Ministério da Pesca e Agricultura do Estado do Paraná, Minas Gerais e Goiás atuavam diretamente para proteger grupos empresariais em detrimento do interesse público. Irregularidades como reembalagem de produtos vencidos e venda de carne imprópria para consumo humano foram encontradas. 

A operação já prendeu executivos dos grupo JBS (de marcas como Friboi, Swift e Seara) e BRF (marcas como Sadia e Perdigão) e faz buscas nas residências dos investigados e nas sedes das empresas. O gerente de Relações Institucionais do Grupo BRF, Roney Nogueira dos Santos, e o funcionário da Seara, do grupo JBS, Flavio Cassou, estão entre os presos.

Os pedidos de prisão preventiva incluídos na decisão da 14ª Vara Federal de Curitiba incluem ainda os nomes do vice-presidente da BRF, José Roberto Pernomian Rodrigues, e do diretor da BRF, André Luiz Badissera. Também há pedido para a prisão do funcionário do Ministério da Agricultura Daniel Gonçalves Filho, que foi superintendente regional no Paraná e é apontado como "o líder da organização criminosa".

A decisão também prevê o bloqueio de contas bancárias e de aplicações financeiras de até R$ 1 bilhão e o bloqueio de outros bens (sequestro e arresto) de 46 pessoas, entre elas Flavio Cassou, do JBS, e Roney Nogueira dos Santos, do BRF. A Justiça determinou o bloqueio de até R$ 1 bilhão das contas de 46 investigados na operação.  A JBS informou que está averiguando o que aconteceu. A empresa informa que não houve buscas na sede da empresa em SP e não confirma prisão de executivos do grupo. A JBS vai divulgar uma nota oficial em breve. Também procurada, a BRF ainda não respondeu.

REEMBALAGEM DE PRODUTOS VENCIDOS
Entre as irregularidades encontradas pela Polícia Federal estão reembalagem de produtos vencidos, excesso de água, inobservância da temperatura adequada das câmaras frigoríficas, assinaturas de certificados para exportação fora da sede da empresa e do Ministério da Agricultura, sem checagem in loco, venda de carne imprópria para o consumo humano.

Cerca de 1.100 policiais federais estão cumprindo 309 mandados judiciais, sendo 27 de prisão preventiva, 11 de prisão temporária, 77 de condução coercitiva e 194 de busca e apreensão em residências e locais de trabalho dos investigados e em empresas supostamente ligadas ao grupo criminoso. As ordens judiciais foram expedidas pela 14ª Vara da Justiça Federal de Curitiba e estão sendo cumpridas em sete estados federativos: São Paulo, Distrito Federal, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás. “Os agentes públicos, utilizando-se do poder fiscalizatório do cargo, mediante pagamento de propina, atuavam para facilitar a produção de alimentos adulterados, emitindo certificados sanitários sem qualquer fiscalização efetiva”, disse a PF em nota.
Segundo as investigações, entre as ilegalidades praticadas por funcionários públicos, está a “remoção de agentes públicos com desvio de finalidade” para atender interesses dos grupos empresariais.

“Tal conduta permitia a continuidade delitiva de frigoríficos e empresas do ramo alimentício que operavam em total desrespeito à legislação vigente”, diz a nota.  O nome da operação faz “alusão à conhecida expressão popular em sintonia com a própria qualidade dos alimentos fornecidos ao consumidor por grandes grupos corporativos do ramo alimentício. A expressão popular demonstra uma fragilidade moral de agentes públicos federais que deveriam zelar e fiscalizar a qualidade dos alimentos fornecidos a sociedade”.

EXECUTIVOS ACUSADOS
A decisão da Justiça ressalta que Roney Nogueira dos Santos, da BRF, "alcança dinheiro a servidores públicos, remunera diretamente fiscais contratados, presenteia com produtos da empresa, se dispõe a auxiliar no financiamento de campanha política e até é chamado a intervir em seleção de atleta em escolinha de futebol". A acusação é de que ele teria até login e senha para acessar o sistema do Ministério da Agricultura. André Luís Baldissera, diretor da BRF, e Flavio Evers Cassou, funcionário da Seara (marca do Grupo JBS), também teriam a mesma linha de atuação, segundo o processo.


Leia também:
VEJA AS FRAUDES: De carne estragada a uso de produtos cancerígenos

Fonte: O Globo