Não se pode diagnosticar que ele seja doido, mas pode-se garantir que naquela cabeça mora o perigo
Na hora
em que um estudioso do comportamento humano ganhou o Prêmio Nobel de Economia,
saiu nos Estados Unidos, e está na rede, o livro “The Dangerous Case of Donald
Trump” (“O perigoso caso de Donald Trump”), com 27 artigos de psiquiatras,
psicanalistas e terapeutas, mais dois escritores e um advogado. Eles ficam a um
passo da declaração formal de que o presidente dos Estados Unidos é maluco.
Narcisista,
paranoico, mentiroso e delirante, Trump é uma ameaça à segurança do mundo.
Todos os políticos têm essas características (ou, pelo menos, são acusados de
tê-las), mas com Trump elas compõem um caso clínico. É comum ouvir que alguém
vive “no mundo da lua”. Ele vive no mundo do sol, e o sol é Donald Trump.
Orgulha-se de não confiar em ninguém, elogia tiranos como o “amado líder” Kim
Jong-un da Coreia do Norte ou o sírio Bashar al-Assad e inventa situações
fantásticas (Barack Obama é muçulmano e nasceu no Quênia), não se retrata e se
diz perseguido.
A
coletânea é apresentada pelo professor Robert Jay Lifton, um dos mais
respeitados psiquiatras do país. Num dos melhores artigos do livro, o psicólogo
Michael Tansey disseca os cinco minutos finais de um discurso de Trump na sede
da CIA, logo depois de sua posse. (A fala está na rede.) Depois de ter chamado
a Agência de incompetente, disse que estava “100%” ao seu lado. Não terminou
algumas frases e garantiu que na plateia de sua posse havia uma multidão jamais
vista. O livro
compilou mentiras e delírios dos primeiros seis meses de Trump. Sabidamente,
ele foi além. Todos os autores temem pela sua conduta numa crise semelhante à
de 1962, quando o mundo esteve perto da guerra nuclear e foi salvo pelo
sangue-frio do presidente John Kennedy.
Os
psiquiatras e psicanalistas lutam contra Trump e contra uma norma da guilda dos
doutores que os proíbe de diagnosticar maluquice em pessoas que não examinaram
profissionalmente. Ela impede que algum deles use claramente a palavra
“maluco”. Contudo, usam todos os sinônimos disponíveis. A norma da Associação
Americana de Psiquiatria foi baixada no século passado, quando o republicano
Barry Goldwater disputava a presidência com Lyndon Johnson e foi dado por
paranoico numa pesquisa junto a psiquiatras, por ter sugerido a possibilidade
de uso de armas nucleares.
Uma
trapaça da história fez com que Goldwater, batido, seja visto como um dos
fundadores do moderno conservadorismo americano. Johnson reelegeu-se e muitos
dos psiquiatras que apontam para a maluquice de Trump concordam num ponto: o
paranoico era Johnson. Tudo bem, mas se não fosse pela sua desastrosa política
na Guerra do Vietnã, ele seria um dos melhores presidentes do século. Outro
paranoico de papel passado foi Richard Nixon, mas deve-se a ele a reaproximação
dos Estados Unidos com a China. Para ficar nos desafios da psiquiatria
política, Abraham Lincoln era depressivo.
O livro
dos doutores solidifica a noção de que Trump é um perigo para o mundo, porque o
seu cotidiano, as suas piruetas e algumas de suas políticas relacionam-se
diretamente com seu desequilíbrio mental. Nixon mentia, mas não mentia a cada
hora. Lincoln era depressivo, mas doidos estavam os estados do Sul ao se
rebelarem.
Fonte: O Globo - Elio
Gaspari, jornalista
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