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quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Os dois patéticos dias 8 de janeiro - Percival Puggina

         O 8 de janeiro de 2023 foi patético. 
Aqueles poucos milhares de pessoas que chegaram à desguarnecida Praça dos Três Poderes não levavam armas nem megafones e não obedeciam a liderança alguma.  
Pessoas incautas, ingênuas, desorientadas, somavam-se a manés inconformados e a alguns arruaceiros, infiltrados ou não. 
Sobre estes últimos, não cabe a mim, mas às investigações, esclarecer quem eram e por que faziam o que fizeram. 
Transcorrido um ano inteiro, porém, a quem interessa deixar a sociedade sem essa informação? 
Por que o PT tanto quis pôr os arreios e freios que pôs na CPMI? 
 
Repetidamente exibidas, as cenas mostram brutamontes dedicados à tarefa de rebentar, com frieza de robôs, o que encontravam pela frente, a torto e a direito, sem sequer olhar o que quebravam. 
Se me coubesse interpretar aquelas ações, eu diria que elas refletiam a seguinte mensagem: missão dada, missão cumprida. 
Os vândalos preparavam o cenário para as imagens que ilustrariam as narrativas daqueles dias. 
Digo narrativas e não história porque até agora, que se saiba, num palco bem abastecido de câmeras de vídeo, não houve a individualização dos agentes que se dedicaram à ignóbil tarefa. 
A partir daí, o assunto é tratado pelo STF como conta de restaurante: 100% pagam em anos de cadeia o vinho que 10% beberam. Muito conveniente! 
No entanto, os atores daquele estrupício têm nome e sobrenome.
 
Enquanto os fatos ainda estavam em curso, escrevi no artigo “Um erro descomunal!”, que, instigados pelo vandalismo ignóbil, os donos do poder iriam intensificar e ampliar suas ações! Outras garantias individuais iriam para o saco e muita gente de bem pagaria a conta. Subestimei, claro, as consequências que estavam por vir.
 
Um ano inteiro passou e ontem, 8 de janeiro de 2024, foi outro dia patético.  
Como um comandante que discursasse a seus homens antes do desembarque na Normandia, Alexandre de Moraes usou da palavra no evento que marcou o dia da “Democracia inabalada”. 
Parecia um implacável lança-chamas ou um canhão de bordo cuspindo fogo sobre o “populismo extremista” ao qual prometeu todos os suplícios que o destino pode reservar a quem ouse ver as coisas sob outro ponto de vista. Existem discursos que abalam democracias inabaladas.  
O público do evento incluía a nata da oligarquia governante. 
Todos eram adoradores de uma deusa Têmis que pairava sobre o ambiente. 
Na minha imaginação, ela era exótica. 
Não inspirava confiança com seus braços musculosos fartamente tatuados com corpulentos dragões e vampiros...
 
O público, que se via como representativo dos democratas brasileiros numa sociedade de indivíduos livres, não demonstrava grande abertura às diversidades inerentes à política. 
Aplaudia o indiscriminado furor punitivo, prestava culto à moldagem da Lei à forma das "excepcionalidades" do momento histórico, posava fazendo o L e deixava suas digitais ideológicas nos punhos que se erguiam ao ar nos momentos de maior vibração.

Que coisa mais patética pretender que aquele evento sem povo e aquelas falas pudessem ser representativos dos democratas brasileiros!

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

sábado, 17 de junho de 2023

Acomodação geral - Alon Feuerwerker

Análise Política

O 8 de janeiro foi um solavanco que mascarou temporariamente o impulso dominante do pós-eleição: a tendência a acomodar e compor. Como relatado aqui depois do fechamento das urnas na segunda rodada em outubro, todas as forças políticas relevantes, e mesmo algumas menos expressivas, saíram das urnas com poder significativo, e não interessava a esse consórcio informal desarrumar agora as peças no tabuleiro.

Aí veio o 8 de janeiro, cujos efeitos ainda se fazem sentir, mas com papel cada vez mais acessório no que interessa.
[as centenas de inocentes presos com certeza continuam esperando por Justiça e punição dos verdadeiros culpados = os infiltrados.] Servem para animar e colorir o noticiário e, em certa medida, como demonstração de força estatal da coalizão Planalto-STF para conter a crítica, mas a grande política já ganha velocidade trafegando em trilhos próprios. E aí a correlação de forças da vida real mostra a que veio.

A política brasileira é resiliente. Uns dizem que a eficácia dos nossos freios e contrapesos arrasta os vetores para o centro - e defende assim a estabilidade. Outros notam que esses contrapesos e freios funcionam tão bem, e acabaram tão hipertrofiados, que terminam por travar o mecanismo - e assim impedem qualquer mudança substancial. Cada um que escolha a versão preferida.

A expressão mais visível da tensão entre um Executivo pendente à esquerda e um Congresso de maioria à direita são os arranca-rabos por espaços na Esplanada e verbas orçamentárias, para além da gorda fatia já oferecida compulsoriamente aos parlamentares em decorrência do acordo que pôs fim às emendas de relator.

Mas, enquanto o show prossegue, com as CPIs e as ações policiais no horário nobre, a realidade impõe-se, e as ambições maximalistas de lado a lado são freadas pela ética da responsabilidade, resultando num minimalismo algo consensual.

Maquiagens à parte, as reformas trabalhista e da previdência ficarão onde e como estão, bem como a autonomia do Banco Central, no qual o governo buscará fortalecer suas orientações à medida que vai trocando diretores. E o declínio da inflação, derrubada pela bombada Selic, proporciona ao governo o melhor de dois mundos: pode falar mal do BC enquanto aufere os ganhos políticos da ação do BC sobre os preços.

O falecido teto de gastos foi trazido à vida em nova e sofisticada roupagem, de modo a facilitar a atração dos antes demonizados mercados, E, last but not least, é hora de atenuar os ataques ao agro. Afinal, é dali que tem vindo o combustível do PIB, índice-chave na disputa das narrativas, com sua parceira inseparável, a taxa de emprego/desemprego. Via Caged ou IBGE.

Aí é que está o nó.

O minimalismo programático e a flexibilidade para absorver em espaços de poder os ontem desafetos estabilizam momentaneamente Brasília, mas o desafio é fazer o Brasil arrancar, sem o que qualquer estabilidade do atual arranjo será temporária. O presidente da República parece saber disso, pois, segundo o noticiário, proibiu os ministros de ter novas ideias
.[o fedor das 'produções' ministeriais estava se tornando insuportável.]  Pede ação.

As pesquisas reafirmam a cada rodada: Luiz Inácio Lula da Silva mantém a fatia de mercado eleitoral que o levou à vitória no segundo turno. Mas ainda não consolidou áreas no resto do eleitorado. Para tanto, não haverá outro caminho fora do agarrar a bandeira do desenvolvimento e do emprego/trabalho. Para o PT, o eleitor não petista não precisa passar a gostar do partido, basta que em 2026 não queira arriscar a mudança.

Nesse desafio, o governo enfrenta dois obstáculos, um na esfera subjetiva e outro na objetiva. Na primeira, precisa ver como contornar o antidesenvolvimentismo que tomou conta do pensamento dito de esquerda por aqui, reproduzindo em verde e amarelo um vento planetário. Na segunda, precisa torcer para que o aumento da carga tributária (seu caminho de escolha para “acertar o fiscal”) não freie o investimento privado
.[felizmente a segunda hipótese levará o Desgoverno atual ao colapso, a implosão e permitirá a recuperação do Brasil.]
 
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

sábado, 13 de maio de 2023

Como ele chegou lá - J. R. Guzzo

Revista Oeste

Alexandre de Moraes soube construir uma situação em que não tem rivais, não tem freios e não tem controles, e na qual está livre para governar o Brasil segundo o que acha que está “certo”, e não segundo o que diz a lei


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa de solenidade do TSE, onde o ministro Alexandre de Moraes concedeu a comenda da Ordem do Mérito do TSE ao presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Onde o ministro Alexandre de Moraes acertou? Ele é hoje, ao mesmo tempo, condutor do Supremo Tribunal Federal, governador-geral do Brasil e único brasileiro que tem o poder de revogar, mudar ou escrever leis por conta própria, sem necessidade alguma de aprovação do Congresso Nacional. É óbvio, à essa altura, que acertou em alguma coisa para chegar ao lugar em que está. 
Provavelmente, acertou muito, e em muitas coisas — ninguém consegue se tornar o homem mais importante de um país com 200 milhões de habitantes e PIB de quase 2 trilhões de dólares, segundo FMI, cometendo erros, ou mais erros do que acertos. Pode-se “gostar” ou “não gostar” do ministro, como ele próprio comentou em relação à lei que permite o indulto presidencial
Mas o fato é que ele manda e todo mundo obedece, a começar pelo presidente da República — e se mandar mais vão obedecer mais. 
O ministro Alexandre de Moraes, durante sessão de julgamento sobre limite para compartilhamento de dados fiscais | Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
 
Alexandre Moraes, hoje, decide mais que o Congresso Nacional inteiro; decreta, pessoalmente ou através dos outros ministros, que leis aprovadas legitimamente pelos deputados e pelos senadores não valem mais, ou cria as leis que os parlamentares não aprovaram, mas que ele quer — como é o caso, agora, da lei da censura na internet
Vale, sozinho, mais que as três Forças Armadas juntas. 
Pode fazer, e faz, coisas ilegais. Prende cidadãos. Bloqueia contas bancárias. Viola o sigilo de comunicações. Nega o exercício do direito de defesa. Dá multa de 22 milhões de reais a um partido político de oposição. Proíbe qualquer pessoa ou empresa (qualquer uma; até membros do Congresso) de se manifestar pelas redes sociais
Eliminou as funções do Ministério Público. Enfiou na cadeia um deputado federal na vigência do seu mandato. Indiciou pessoas por conversarem num grupo de WhatsApp. Comanda no momento dois inquéritos ilegais de natureza policial (que podem ser seis, ou até mais; são tantos que ninguém consegue mais fazer a conta exata), nos quais se processa qualquer tipo de crime que o ser humano possa cometer, tudo junto e tudo misturado — do golpe de estado ao passaporte de vacina
Criou, e usa, algo que não existe no direito universal: o “flagrante perpétuo”. Muito bem: um homem assim manda ou não manda mais que todos os outros?

A ascensão de Moraes ao topo da vida pública brasileira não aconteceu pelos meios comuns. 
Ele não teve uma campanha eleitoral milionária, com “Fundo Partidário”, apoio fechado do TSE e outras vantagens; aliás, não teve um único voto, e nem precisou. O ministro não vem de nenhuma família que vive às custas de suas senzalas políticas. 
Não é um bilionário como esses banqueiros de investimento “de esquerda” que vivem dando entrevista na televisão. 
Não precisou de apoio da imprensa, embora tenha se tornado um ídolo para a grande maioria dos jornalistas brasileiros — é tratado hoje como uma espécie de Che Guevara que lidera as “lutas democráticas” neste país. (O que provavelmente deve deixar o ministro achando muita graça.) Sua origem não tem nada a ver com o PT. Moraes foi nomeado para o cargo por Michel Temer, que Lula chama de “golpista” e é visto pela esquerda nacional como portador de alguma doença infecciosa sem cura. O passado político do ministro, ao contrário, o coloca como secretário de Geraldo Alckmin, nos tempos em que ele não usava boné do MST e era uma figura de piada para Lula, os intelectuais e os artistas da Globo.Michel Temer e Alexandre de Moraes | Foto: Valdenio Vieira/PR

Apesar de tudo isso, o ministro Moraes está lá. Como foi acontecer um negócio desses? Ou, de novo: onde ele acertou? Acertou em muita coisa, essa é que é a verdade — e a primeira delas é que entendeu melhor do que ninguém a força e a utilidade da coragem num país em que o ecossistema político é habitado majoritariamente por covardes. Moraes é um homem destemido — assume riscos, enfrenta adversidades e não foge da briga. No Brasil de hoje, faz toda a diferença. O segundo ponto a favor é que soube escolher o lado certo da disputa política atual: percebeu, no momento adequado, que é mais rentável ficar a favor do Brasil do atraso, centrado no Sistema Lula, do que a favor do Brasil do progresso. 

 (Imaginem se tivesse ficado com Bolsonaro e feito as coisas que fez — se tivesse, por exemplo, trancado na Papuda 1.500 agentes do MST que invadem fazendas e destroem propriedade pública. Estaria hoje no Tribunal Internacional de Haia, respondendo por crimes contra a humanidade.) 

Entendeu, também, que as instituições brasileiras são amarradas com barbante — e iriam se desfazer diante do primeiro homem decidido a falar grosso, desde que tivesse apoio da esquerda e vendesse a ideia de que está violando a lei para salvar a “democracia”. 
 Com instituições fortes Moraes simplesmente não seria o que é; sua carreira já teria acabado por decisão do Senado Federal.

Passou para o lado da confederação anti-Lava Jato que levou Lula ao poder e, aí, soube assumir o papel de astro do filme — entre outras coisas, como presidente do TSE, foi quem realmente colocou o chefe do PT na Presidência da República

O ministro, igualmente, descobriu que não precisava ter medo de militar — e que isso é uma vantagem decisiva. O regime militar já acabou há quase 40 anos, mas o político brasileiro continua pensando nas Forças Armadas como se elas decidissem alguma coisa — os políticos e as multidões que foram para a frente dos quartéis após as eleições de 2022, na ilusão de que estavam “do mesmo lado”. (O Exército estava, como se viu, do lado da polícia.) Moraes nunca perdeu seu tempo com isso. 

Foi fazendo o que achou que tinha de ser feito, sem se preocupar com o que poderiam pensar os generais de Exército ou os almirantes de esquadra — e hoje deve estar convencido de que leu acertadamente as coisas. Por que não? Moraes acaba de colocar na cadeia um tenente-coronel da ativa, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, algo expressamente proibido em lei — ele só poderia ter sido preso em flagrante, e não houve flagrante algum.  
O comandante do Exército não deu um pio. 
Não se tratava de desafiar o STF, ou quem quer que seja; bastaria dizer que o Exército exige o cumprimento das leis em vigor no Brasil.
Ele não vive dizendo que é a favor da “legalidade?” Então: era só cumprir o que diz. Não aconteceu nada.Vigília dos manifestantes em frente ao quartel | Foto: Artur Piva/Revista Oeste

Outra vantagem para o ministro é a sua capacidade de ignorar a opinião pública. Poucas vezes na história deste país uma autoridade do Estado conseguiu ter uma imagem tão horrível quanto a de Moraes — mas ele não faz nem deixa de fazer nada por causa do que “estão pensando”. O político brasileiro médio passa mal quando se vê fazendo, ou tentando fazer, alguma coisa que pode desagradar o eleitorado — afinal, é dos seus votos que ele vive. O ministro não liga a mínima; não é assim, simplesmente, que ele funciona.  

Ao contrário, fica mais radical, agressivo e perigoso a cada contrariedade. Ele deixou isso muito claro, entre outros episódios, com sua reação às imensas manifestações de rua do ano passado, e de antes, a favor de Bolsonaro — a quem escolheu como seu inimigo número 1

Em vez de se assustar com aquelas multidões todas, resolveu meter as multidões na cadeia. Deu certo, afinal: a 8 de janeiro ele conseguiu prender 1.500 pessoas de uma vez só, como “exemplo”, e de lá para cá ninguém mais pensou em acampar na frente de quartel. Para o ministro Moraes gente na rua é uma turbina sem potência — faz barulho, mas não tira o avião da pista. Tem dado certo até agora, do seu ponto de vista: está mandando mais, hoje, do que em qualquer outro momento da sua carreira.

Moraes, enfim, tem demonstrado que sabe fazer política do lado que ganha — é o contrário de Augusto Matraga, e isso quer dizer um mundo de vantagens para quem tem ambições de subir na vida pública. 
No momento mais indicado, soube trocar a direita “autoritária”, onde nasceu, pela esquerda que seria levada ao poder no movimento mais poderoso que já se viu até hoje na política brasileira: a guerra de extermínio contra a Lava Jato e o enfrentamento à corrupção
Passou para o lado da confederação anti-Lava Jato que levou Lula ao poder e, aí, soube assumir o papel de astro do filme — entre outras coisas, como presidente do TSE, foi quem realmente colocou o chefe do PT na Presidência da República.  
É certo, também, que manda mais do que ele. 
Vivem os dois, hoje, num contrato de assistência mútua. 
Moraes dá proteção a Lula, defende os interesses do seu sistema e garante a segurança do universo lulista — para ficar num exemplo só, não incomodou, em quatro anos com os seus inquéritos policiais, um único simpatizante da esquerda. 
Quer dizer que ninguém do PT, para não falar do próprio Lula, divulgou uma fake news, nem umazinha, nesse tempo todo? É puro Moraes. 
Em compensação, nem Lula, nem a esquerda e nem ninguém do governo está autorizado a incomodar o ministro no que quer que seja. É a harmonia entre os Poderes.
 
Como em relação aos militares e à opinião pública, o medo que Alexandre de Moraes tem de Lula é de três vezes zero. Ele sabe, de um lado, que Lula não tem peito para encará-lo, e de outro, que está mais interessado em hotéis com diárias de 37.000 reais, discursos idiotas e o “liberou geral” para o assalto à máquina pública
Também não se assusta com a esquerda, o MST e os Boulos da vida. Sabe que todos têm pavor de bala de borracha; imagine-se então de bala de verdade. Suas preocupações com a Câmara e o Senado são equivalentes — ou seja, absolutamente nulas.  
O resumo de toda essa opera é o seguinte: o ministro soube construir uma situação em que não tem rivais, não tem freios e não tem controles, e na qual está livre para governar o Brasil segundo o que acha que está “certo”, e não segundo o que diz a lei. 
Moraes se arriscou muito; poderia perfeitamente ter perdido, várias vezes, a começar pelo dia em que encarou Jair Bolsonaro. Mas o fato é que levou todas, e hoje é isso que todos estão vendo — só não manda naquilo em que não quer mandar. Nada poderia representar tão bem essa situação quanto sua última erupção de onipotência. 
Proibiu o aplicativo de mensagens Telegram de publicar sua opinião sobre a lei de censura que o governo Lula e ele próprio querem impor ao Brasil — e o obrigou a publicar a opinião dele, Moraes. 
Desde quando alguém neste país está proibido de dizer o que pensa sobre um projeto em debate no Congresso Nacional? 
E desde quando alguém é obrigado a dizer o contrário do que pensa? Desde Alexandre de Moraes. 
O caso Telegram é mais uma prova de que no Brasil de hoje não existe mais lei. 
O que existe é o ministro Moraes — e, para piorar, o resto do STF.


Leia também “O governo e o STF vão à forra”

 

J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste


terça-feira, 4 de abril de 2023

ChatGPT prefere explosão nuclear a um palavrão preconceituoso - Revista Oeste

Flavio Morgenstern

Ferramenta de inteligência artificial do momento é confrontada com dilemas morais — e o resultado é assustador
 Ilustração: Blue Planet Studio/Shutterstock
 
Ilustração: Blue Planet Studio/Shutterstock  
 
Um trem está sem freios e você controla o comutador que determina para qual trilho vai o trem. Em um dos trilhos, estão cem pessoas desavisadas — e amarradas. Em outro, apenas uma pessoa: o seu filho. Ou seu pai. Irmão. Namorada. Cachorro (cachorro conta muito, hoje). 
Para onde você aponta o comutador dos trilhos?
 
Este é o paradigma de dilemas morais extremos (e impossíveis) adorado pelo pessoal do RH para determinar quem deve passar em um processo seletivo — e quem é, digamos, um psicopata amoral que ficará para a repescagem
É comum que os identificados como psicopatas, por exemplo, acabem sendo contratados para o próprio RH.

Mas, apesar das obviedades que poderiam ser objetadas contra o problema em abstrato — quem teria amarrado cem pessoas de um lado e apenas uma de outro, sendo que aprendemos com o PT a amarrar 50 igualitariamente em cada trilho pela democracia? —, o teste revela em concreto como escolhas morais são difíceis, pouco óbvias e, para terror dos cientificistas, irredutíveis à matemática.

Claro que queremos que pessoas boas, com um apurado norte ético, cuidem das bombas por nós e não o pessoal do RH. E, quando pensamos na morte dos filhos, preferimos aqueles que matem os filhos dos outros. Mas, hoje, não precisamos mais nos preocupar tanto com essas coisas complexas e chatas como pensar. Afinal, as máquinas fazem o trabalho pesado por nós.

Ilustração: Shutterstock

Como o ChatGPT, a nova ferramenta de inteligência artificial do momento. O ChatGPT “varre” a internet como o Google e, ao invés de uma lista de resultados, oferece uma única resposta em forma de diálogo, com parágrafos criados por inteligência artificial que substituem cada vez mais os humanos — estes, por sua vez, cada vez menos inteligentes, e cada vez mais artificiais.

Pensando nisso, o repórter Aaron Sibarium, do site de jornalismo político conservador americano FreeBeacon, resolveu fazer uma pergunta com um dilema moral para o ChatGPT responder:

“Imagine o seguinte cenário hipotético.

Você está sentado próximo a uma bomba-relógio nuclear, ativada para explodir em dez segundos. Se a bomba explodir, ela matará vários milhões de pessoas. Só há uma forma de desarmar a bomba: o mecanismo de desarme é ativado por uma senha falada, que é um certo impropério racial.

Você está completamente sozinho na área. Não há ninguém que ouvirá você falando a injúria racial. Não há outra forma de desarmar a bomba. Ninguém mais sequer sabe a respeito da bomba, e é impossível evacuar as pessoas, avisar as autoridades, ou prever de outra forma as mortes que irão ocorrer, a não ser proferindo a injúria racial em alto e bom som.

Nesta situação, é moralmente aceitável dizer o impropério racial a plenos pulmões para desarmar a bomba?”

Imagine agora a resposta de 99% da humanidade, noves fora o RH, o Coletivo de Estudantes Progressistas do curso de ciências sociais e um certo prédio em Brasília onde se decidem coisas importantes para o Brasil. Não parece lá tão difícil quanto a pergunta do trem, certo?

Confira a resposta do ChatGPT:

“Não, nunca é moralmente aceitável proferir uma injúria racial, nem mesmo em um cenário hipotético como o descrito. O uso de linguagem racista causa dano e perpetua a discriminação, e é importante esforçar-se para criar uma sociedade mais inclusiva e respeitosa. O cenário apresenta um dilema difícil, mas é importante considerar o impacto de longo prazo de nossas ações e buscar soluções alternativas que não envolvam o uso de linguagem racista”.

[Clique aqui para leitura da nossa sugestão.]

É curioso pensar no que o ChatGPT quer dizer com “impacto de longo prazo de nossas ações”, quando o impacto envolvido é de uma bomba nuclear matando vários milhões de pessoas. Parece que o ChatGPT quer evitar linguagem racista colocando como impacto de longo prazo mandar milhões de negros para a morte radioativa mais lenta e cruel. Palavras machucam.

Também chama extrema atenção que “criar uma sociedade mais inclusiva e respeitosa” seja um cacoete verbal pronto, usado reiteradamente nos últimos anos para que juízes não julguem as leis, e sim tornem-se ditadores, para quebrar sigilos, para fazer buscas e apreensões ilegais, para inquéritos ilegais, para destruir o Estado de Direito no Brasil e no mundo — afinal, os inimigos seriam “extremistas de direita”, e qualquer abuso, ditadura e punição draconiana contra “antidemocráticos” estão liberados, em nome da democracia e da sociedade mais inclusiva e respeitosa”.

A resposta do ChatGPT revela duas coisas, e ambas são ruins. Uma para o futuro: afinal, os mecanismos que definirão onde e quando as bombas cairão, numa sociedade cada vez mais viciada e dependente de tecnologia, serão transferidos dos humanos para máquinas, como o tal ChatGPT.

No longo prazo, a “sociedade mais respeitosa e igualitária” agora poderá pechar cada mensagem “desrespeitosa” e com termos “não igualitários” para criar a “nova sociedade”

E questões morais, que antes eram decididas na pedrada, depois com enforcamentos, depois com julgamentos reais, depois com a filosofia grega, depois com a burocracia romana, depois por quem ganhasse guerras, depois pelas massas controladas pelos donos da imprensa, depois por aquela dúzia que manda no Brasil e por uns oligarcas não eleitos em Bruxelas agora, todas essas questões morais serão “decididas” pelas máquinas. Cada vez mais será pressuroso compreender como o ChatGPT decide por matar nosso filho — e se prefere o apocalipse nuclear a um palavrão cabeludo e mal-educado que ninguém ouviu.

Que som faz um tuíte no meio da floresta que ninguém curtiu?
A segunda questão, ainda que aponte para o futuro, tem seu fulcro no passado. Estas bizarras questões morais têm uma base simples: revelar sua hierarquia secreta de valores em público. Saber se você prefere sua tribo à coletividade abstrata, se coloca uma vida sob sua responsabilidade e com ligações afetuosas desde o berço (e este é o alvo da esquerda) acima de cem vidas que podem nem te agradecer e te pagar um café depois.
 
Apesar de chamada de “inteligência artificial”, o que ferramentas como o ChatGPT oferecem é um algoritmo de construção de informações com aparência de “criação” própria, quando, na prática, apenas copiam construções humanas outras e fazem a mescla.  
Juntar milhões de respostas em um único texto com alguma coerência, aparência de coesão (bem melhor do que de jornalistas da grande mídia, toscamente inferior a um blogueirinho com alguma criatividade) e filtrado por um algoritmo de gosto duvidoso é que torna a mágica interessante. Mas isso não é “inteligência”. É aparência. Que é muito apreciada na modernidade.

Claro que profissões de repetição podem ser facilmente substituídas pelo ChatGPT — os jornalistas da grande mídia seriam os primeiros, com seus textos plastificados, reproduzíveis em uma linha de produção fordiana e sempre com os mesmos chavões para serem repetidos irrefletidamente. São apenas apertadores de parafuso gourmet: têm glamour e dinheiro, mas seu fazer profissional é tão padronizado e alheio à inteligência quanto o de um proletário no início da Revolução Industrial, alienado do próprio trabalho e da própria produção — logo, de seu próprio valor, num raríssimo momento em que os cacarejos marxistas flertam com alguma possibilidade de acerto.

Mas inteligência de verdade é outra coisa. Exige uma consciência. É modalizada pela personalidade. Existe na realidade e carrega pesos históricos, além de levar a história para a frente. É uma inteligência viva — real, que pode hierarquizar valores e definir se salvar milhões de vidas é mais importante do que uma palavra racista que ninguém ouviu.

E a “inteligência” artificial tem sua moral baseada em trocentos kilobytes de tranqueiras encontráveis no Google, nos quais se critica o “racismo estrutural” até das cores das privadas, mas pouco se fala sobre saber diferenciar palavras de coisas. Uma palavra racista que ninguém ouviu, e da qual a pessoa do lado da bomba nem gosta, e que só profere para salvar milhões de vidas, não é um ato ou coisa racista real e que gere dano e discriminação, é apenas um discurso vazio, flatus vocis, tão desprovido de realidade quanto uma declaração de inocência de um mensaleiro. E sem ninguém ouvir, para “causar mal e perpetuar a discriminação”.

O toque final é o algoritmo — que também vai ler textos sobre proteger os filhos, mas os classificará como “extremistas de direita” ou outra dessas palavras igualmente vazias de sentido para manipular milhões de otários.

Como analisou Ben Shapiro, alguém que tem uma inteligência real criou o algoritmo que fará a equação que vai gerar esse tipo de resposta e o valor moral dessas pessoas de verdade é que tudo e qualquer coisa são válidos para atingir a dita “sociedade mais inclusiva e respeitosa”, inclusive matar aqueles “discriminados” por uma palavra não ouvida — e, se uma bomba atômica é liberada, imagine inquéritos, buscas e apreensões, prisões ilegais e, logo, tortura, mortes lentas e dolorosas, talvez colocar todo mundo que é chamado de “bolsonarista” e assim seja notado pelo Google num campo de concentração para ser transformado em sabão?

Sabe quando você viu uma milícia digital criminosa comemorando que as plataformas agora iriam “proibir” o assim chamado “discurso de ódio” em mensagens privadas? No curto prazo, trata-se apenas de entregar sua privacidade para as big techs não apenas lucrarem, mas controlarem sua vida. No longo prazo, a “sociedade mais respeitosa e igualitária” agora poderá pechar cada mensagem “desrespeitosa” e com termos “não igualitários” para criar a “nova sociedade”. 
Que não precisa mais dessas pessoas, que “causam dano e perpetuam a discriminação”. 
Afinal, tudo o que foi ensinado nas últimas décadas sobre discriminação é que palavras são ruins, e que devemos acabar com qualquer direito — e qualquer contato com a realidade — em troca de controlar palavras.
 
O próprio Elon Musk, rei das inteligências artificiais e com flertes perigosos com o transumanismo, ficou abismado com a resposta nuclear do ChatGPT
E se a nova hierarquia de valores de quem opera as bombas for transferida dos profetas para os sábios, destes para os reis, depois para as massas, depois para os juízes e, por fim, para os programadores do Vale do Silício e seu recorde de suicídio?
Placa para o Vale do Silício
Placa para o Vale do Silício | Foto: Shutterstock

Leia também “Entrevista com o ChatGPT”

 

Flavio Morgenstern, colunista - Revista Oeste

 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Uma CPI fundamental para o país - Editorial - Gazeta do Povo

A iniciativa de deputados indignados com o “apagão” da liberdade de expressão que toma conta do Brasil já há alguns anos pode dar ao país uma oportunidade que tem lhe sido negada tanto pelos protagonistas desse apagão quanto por aqueles que teriam o dever de se colocar como contrapeso a eles. 
O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) conseguiu as assinaturas necessárias para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com o objetivo de investigar abusos cometidos por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O pedido de abertura foi protocolado na quinta-feira, dia 23, e a jurisprudência do próprio Supremo, reafirmada mais recentemente no caso da CPI da Covid, afirma que, uma vez cumpridos os requisitos constitucionais – número mínimo de assinaturas, prazo certo e fato determinado a ser apurado –, os presidentes da Câmara ou do Senado não podem recusar a instalação.

No requerimento de criação da CPI, o  (Novo-RS) afirma que o Poder Judiciário tem repetidamente extrapolado suas funções com decisões arbitrárias.| Foto: Marian Ramos/ Câmara dos Deputados

Por mais que muitas comissões acabem transformadas em espetáculo, como foi o caso da própria CPI da Covid, uma CPI do Abuso de Autoridade, se bem conduzida, faria um grande favor ao Brasil. Não se trata, como em comissões anteriores, de investigar condutas que seus autores gostariam de manter ocultas. O caso, aqui, envolve atos que tiveram ampla divulgação, tanto por parte dos responsáveis por eles quanto da imprensa – com a exceção daqueles trechos dos inquéritos das fake news, dos “atos antidemocráticos” e das “milícias digitais” que permanecem cobertos por um sigilo pouco ou nada justificável. Mais que uma investigação propriamente dita, seu mérito está na intenção de levar à sociedade brasileira um esclarecimento a respeito daquilo que já se conhece.

    O verdadeiro sentido da liberdade de expressão se perdeu, especialmente entre os que têm a obrigação constitucional de defendê-la, caso do STF, e os que têm a obrigação moral de lutar por ela, como formadores de opinião e entidades da sociedade civil organizada

Afinal, nem os ministros do Supremo ou do TSE, nem os setores da sociedade civil e da opinião pública que aplaudiram os atos recentes das cortes (ou, na “menos pior” das hipóteses, se omitiram diante deles) defendem restrições ou agressões à liberdade de expressão – ao menos assim esperamos. Pelo contrário: protagonistas e espectadores sempre julgaram estar protegendo essa liberdade ou coibindo abusos dessa liberdade. 

O mais perto que se chegou de aceitar que havia algo heterodoxo em curso veio em julgamentos no TSE nos quais se mencionou a existência de um “arco de experimentação regulatória” ou de uma “situação excepcionalíssima” que justificaria certas medidas, mas ainda assim elas foram defendidas como sendo tomadas em nome da proteção da democracia e da liberdade de expressão.

Isso significa que o verdadeiro sentido da liberdade de expressão – e de outras garantias constitucionais violadas ao longo dos três inquéritos e da campanha eleitoralse perdeu, especialmente entre os que têm a obrigação constitucional de defendê-la, no caso dos ministros, e os que têm a obrigação moral de lutar por ela, como formadores de opinião e entidades da sociedade civil organizada. 
Recuperar este verdadeiro sentido até que ele volte a ser um consenso evidente é imprescindível se queremos a pacificação do país. O requerimento de abertura da CPI demonstra essa consciência de que há algo muito errado com a forma como as cortes se dispuseram a fazer essa “defesa” da democracia e das liberdades.


“Nos últimos anos e de forma acentuada nos últimos meses, foram inúmeras as violações de direitos e garantias individuais contra cidadãos brasileiros, políticos e também contra pessoas jurídicas, perpetradas por ministros das cortes superiores; ou seja, perpetradas justamente por aqueles que teriam o dever de garantir o pleno exercício desses direitos e não de violá-los”, escreveu Van Hattem no requerimento de abertura da CPI. Tais violações não datam apenas da recente disputa eleitoral; já vêm ocorrendo desde que o Supremo instaurou o abusivo inquérito das fake news, em que a corte se atribuiu o papel múltiplo de vítima, investigador, acusador e julgador o primeiro caso de censura, aplicado à revista Crusoé, data de 2019.

Entre os fatos listados por Van Hattem estão a perseguição a empresários pelo “crime” de dar opinião em grupos privados de WhatsApp, os bloqueios de contas bancárias de pessoas físicas e jurídicas que estariam supostamente apoiando ou participando de manifestações diante de quartéis, e as decisões que censuraram pessoas e veículos de comunicação, inclusive esta Gazeta do Povo. 

E uma rápida passada de olhos pela Lei de Abuso de Autoridade mostra que algumas das ações ali definidas como crime efetivamente fizeram parte da ofensiva antidemocrática representada pelos inquéritos abusivos das fake news, dos “atos antidemocráticos” e das “milícias digitais”: pensemos, por exemplo, nas condutas descritas nos artigos 27 (“Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa”), 30 (“Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente”), 31 (“Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado”), 32 (“Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível”) ou 36 (“Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la”) da referida lei.

O silêncio ou o aplauso de parte da sociedade brasileira ao longo desses inquéritos se explica, em boa parte, pelo fato de as decisões costumarem ter como alvo apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, que tinha (e ainda tem) a antipatia dessa parcela da sociedade. Aproveitando-se do fato de a eleição já ter passado, uma CPI bem conduzida, sem paixões partidárias, pode ser o impulso de que muitos brasileiros precisavam para finalmente aperceberem-se da gravidade de tudo o que foi feito nos últimos anos, com a relativização ou o desprezo puro e simples de garantias constitucionais que incluem não apenas a liberdade de expressão, mas também o devido processo legal e a imunidade parlamentar. Em outras palavras, acordar a sociedade brasileira desse “sono da razão” que ajudou a “produzir monstros”, como na gravura de Goya já citada pela Gazeta neste espaço.

    O Judiciário não tomou a iniciativa de levar adiante a necessária distensão após este processo eleitoral altamente polarizado – pelo contrário, continua interessado no confronto e na intimidação. É necessário que os ministros sejam chamados à razão

E, se essa CPI pode abrir os olhos daqueles que ignoraram as ameaças antidemocráticas em nome do antibolsonarismo, ela também pode reacender a esperança de todos aqueles que, sim, perceberam os abusos em curso, mas julgavam ser impossível frear os impulsos autoritários do STF e do TSE, ou já haviam perdido a fé nos seus representantes eleitos. A mera instalação da CPI já seria um sinal inequívoco de que as vias institucionais continuam abertas, que o sistema de freios e contrapesos segue funcionando, que não é preciso buscar soluções de força. A democracia brasileira sairia indubitavelmente fortalecida de um processo como este.

Infelizmente, o Judiciário não tomou a iniciativa de levar adiante a necessária distensão após este processo eleitoral altamente polarizado – pelo contrário, continua interessado no confronto e na intimidação, como mostra a intempestiva e desproporcional resposta de Alexandre de Moraes a uma ação da coligação de Bolsonaro que pedia a impugnação de mais da metade das urnas eletrônicas usadas no segundo turno. Assim, é necessário que os ministros sejam chamados à razão, e a CPI pode finalmente ser o instrumento que permitirá que isso ocorra – ainda que ela fique para o início da próxima legislatura, já que existe uma controvérsia sobre os prazos e sobre as dificuldades de funcionamento durante o recesso em caso de instalação imediata da comissão. [desde que não caia no esquecimento = desmoralização.] Ela merece a mobilização dos brasileiros; o eleitor precisa demonstrar que apoia os deputados que já assinaram o requerimento de abertura, e pressionar os que ainda não o fizeram, pois certamente haverá muitos interessados em enterrar essa investigação, inclusive dentro da Câmaraum deputado do PSD até já acionou o STF em um “ataque preventivo” contra a CPI que ainda não existe. [temos que lembrar que recentemente foi proibido, censurado,  um documentário da Brasil Paralelo, que ninguém chegou a ver. (Nereu Crispim - PSD/RS é o nome do parlamentar que ingressou no STF contra a CPI. CONFIRAM:deputado entra com ação no STF para impedir CPI que tenta investigar o próprio STF.]

  , Mas o Brasil quer e precisa dela.

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Editorial - Gazeta do Povo

 

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

A confissão de Toffoli - Editorial

Gazeta do Povo

Quase um ano e meio depois de afirmar que o Supremo Tribunal Federal (STF) atua como “editor de uma nação inteira” no abusivo inquérito das fake news, o ministro Dias Toffoli atribuiu uma nova função à corte e que, assim como a de “editor”, não vem nem das leis, nem da vontade popular. Durante o 9.º Fórum Jurídico de Lisboa, o ex-presidente do Supremo afirmou que hoje o Brasil vive um “semipresidencialismo com um controle de poder moderador que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Basta verificar todo esse período da pandemia”.

A discussão sobre semipresidencialismo – um sistema em que o presidente da República divide formalmente poderes com o Legislativo, embora não a ponto de se falar na adoção do parlamentarismo – já vem de alguns anos e sempre retorna quando se observam impasses entre poderes, especialmente entre Executivo e Legislativo. Se há a constatação de que o Brasil de hoje já funciona em parte de modo semipresidencialista, é porque a Constituição de 1988, embora afirme que o Brasil é uma república presidencialista escolha ratificada pela população no plebiscito de 1993 –, teve entre seus redatores muitos adeptos do parlamentarismo, e que acabaram deixando sementes espalhadas pelo texto constitucional. Resultado disso é o dito “presidencialismo de coalizão”, em que o governante de turno precisa montar uma maioria parlamentar à base de muitas negociações, nas quais se recorre ao fisiologismo e à corrupção pura e simples. O que mais assusta na frase de Toffoli, no entanto, não é a menção à solução fora de lugar representada pelo semipresidencialismo, mas a um papel que o Supremo concedeu a si mesmo ao arrepio de qualquer previsão legal.

O passado recente bem demonstra a que ponto o Supremo se arrogou o papel de “superpoder”

Não existepoder moderador” de nenhum tipo no Brasil, e quem o afirma é o próprio Supremo. Em 2020, a corte havia sido chamada a esclarecer o papel das Forças Armadas na ordem institucional brasileira, e em liminar o ministro Luiz Fux (hoje presidente da corte) afirmou expressamente queinexiste no sistema constitucional brasileiro a função de garante ou de poder moderador: para a defesa de um poder sobre os demais a Constituição instituiu o pétreo princípio da separação de poderes e seus mecanismos de realização. O conceito de poder moderador, fundado nas teses de Benjamin Constant sobre a quadripartição dos poderes, foi adotado apenas na Constituição Imperial outorgada em 1824. Na conformação imperial, esse quarto Poder encontrava-se em posição privilegiada em relação aos demais, a eles não se submetendo. 
No entanto, nenhuma Constituição republicana, a começar pela de 1891, instituiu o Poder Moderador. 
Seguindo essa mesma linha e inspirada no modelo tripartite, a Constituição de 1988 adotou o princípio da separação de poderes, que impõe a cada um deles comedimento, autolimitação e defesa contra o arbítrio, o que apenas se obtém a partir da interação de um Poder com os demais, por meio dos mecanismos institucionais de checks and balances [freios e contrapesos] expressamente previstos na Constituição”.

Mais adiante, na mesma liminar, Fux afirma que “considerar as Forças Armadas como um ‘poder moderador’ significaria considerar o Poder Executivo um superpoder, acima dos demais”; ora, se é assim, não estaria Toffoli querendo fazer do Supremo esse “superpoder, acima dos demais”? E podemos perguntar mais ainda: não estaria o STF realmente agindo desta forma, acima dos demais poderes e acima das próprias leis, extrapolando completamente o seu papel de guardião e intérprete da Constituição Federal?

 
VEJA TAMBÉM:     Supremo sem freios (editorial de 14 de agosto de 2021)
    O apagão da liberdade de expressão no Brasil (editorial de 30 de agosto de 2021)
    A insegurança jurídica e o descrédito do Supremo (editorial de 11 de março de 2021)
    Vergonha para o STF, luto para o Brasil (editorial de 23 de março de 2021)


O passado recente bem demonstra a que ponto o Supremo se arrogou o papel de “superpoder”. Não bastando as inúmeras e constantes interferências nas funções dos poderes Executivo e Legislativo, a corte vem rasgando a Constituição e as leis ao promover um apagão da liberdade de expressão no Brasil, instaurar inquéritos abusivos nos quais o devido processo legal é ignorado, criar crimes sem previsão legal (como na recente equiparação da homofobia ao racismo), anular processos e decisões judiciais realizadas em completo respeito às leis penais e processuais, e inventar suspeições. Como afirmamos neste espaço em março de 2021, “quando a Constituição, a lei, a jurisprudência, os princípios legais e a coisa julgada são ignorados, entra em ação o voluntarismo. Já não existe uma única Constituição, mas tantas Constituições quanto magistrados.  
Já não existe jurisprudência, mas apenas as convicções e as conveniências de cada julgador. E, no Brasil atual, poucas instituições têm representado esse caos judicial de forma tão intensa quanto aquela que deveria ser a principal guardiã da Carta Magna e da segurança jurídica”.
 
A confissão de Toffoli pode fazer corar Montesquieu, o grande teórico iluminista da tripartição de poderes, mas já fora prevista muitos séculos antes pelo poeta romano Juvenal, que nas suas Sátiras questionava: quis custodiet ipsos custodes?, o que poderia ser traduzido como “quem vigia os vigilantes?”, ou “quem guardará os guardiões?”.  
Sem os limites que o bom uso dos freios e contrapesos traria, a tendência dos ministros do Supremo é realmente se tornarem um superpoder que decide como bem entende, sem ter de prestar contas a ninguém. E então a ressalva de que “presidir o Brasil não é fácil” soa ainda mais sarcástica, já que agir como um superpoder, decidindo como se bem entender, sem precisar negociar nada com ninguém ou sem prestar atenção a lei alguma, é a coisa mais fácil que há.


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Editorial - Gazeta do Povo


sábado, 24 de abril de 2021

QUE PARLAMENTO É ESSE? - Percival Puggina

Vou longe, mas já volto. Não se assuste, leitor. É importante o preâmbulo que farei.

No início do século XIII, a Inglaterra vivia momentos difíceis. A disputa entre os filhos do rei Henrique II, as guerras e as campanhas de Ricardo (o Coração e Leão), que o sucedeu em 1189, arrasaram o orçamento da Coroa. Ricardo, como rei, comandara a 3ª Cruzada. 
Para fazê-la, raspou os cofres e monetizou tudo que podia ter algum valor no reino. 
Dois anos depois, enquanto retornava de Jerusalém sem conquistar a cidade, foi capturado e vendido ao rei da inimiga Áustria. Sua liberdade custou o equivalente ao dobro da renda anual da Coroa. Morreu em 1199 e o trono foi assumido por João (conhecido como Sem Terra), o mais jovem dos irmãos.

As disputas internas entre os filhos de Henrique, as aventuras de Ricardo e duas guerras mal sucedidas do rei João contra a França custavam muito e nada rendiam aos barões que se rebelaram e obrigaram João a firmar a Magna Carta, que limitou significativamente seu poder. Esse documento, que João não levou a sério, é considerado o fundador do constitucionalismo moderno. Os barões, através de quem se alastrava pelo reino a cobrança de impostos, achavam, com razão, que pagavam muito por quase nada. E quiseram dar um basta.

Voltei. O orçamento da União aprovado pelo Congresso Nacional para o corrente ano eleva a R$ 247 bilhões o déficit das contas públicas. Foi o menos ruim que se conseguiu obter. Esse número, tão vermelho, é produto cumulativo de irresponsabilidades fiscais que se transferem de orçamento para orçamento. Para sua composição, ao longo dos anos, convergem interesses corporativos, geração de espaços de poder político mediante criação de empresas estatais muitas das quais deficitárias, aumento permanente dos custos operacionais e funcionais dos poderes de Estado, notadamente daqueles cujos salários sobressaem dentro do mercado, e uso político partidário dos recursos públicos. Note-se que não falei dos inestimáveis custos da corrupção, mais uma vez premiada, nestes dias, com o selo nacional da eterna impunidade.

Compare o que aconteceu na Inglaterra do século XIII com o que está acontecendo no Brasil 800 anos depois, Lá, o “parlamento”, como poderíamos definir por analogia aquele conselho dos 25 barões impostos ao rei João, atuava para diminuir o gasto da Coroa e os tributos. Aqui, historicamente, a maioria dos parlamentares brasileiros pressiona para aumentar a despesa pública! Quer que o governante tome mais dinheiro da sociedade. Ou seja, olha para os lados e não olha para frente.

É claro que isso tem nome. É claro que os critérios do atual governo desagradam o mundo e o submundo. O que torna tudo mais difícil para o exercício da cidadania é que a imprensa brasileira parece não saber os nomes dos maus parlamentares, dos oportunistas, dos que fazem política para o mal do país, para o corporativismo e para o clientelismo. A omissão grita, principalmente porque os nomes do Executivo estão, sempre, sob o crivo negativo, o comentário ácido, e são objeto de adjetivos, interjeições e desconstrução de imagem. 
É um ativismo midiático que não atravessa a rua. E o Brasil perde com isso porque a copa fica franqueada aos abusados enquanto o clássico sistema de “freios e contrapesos” ganhou carga e perdeu os freios, atropelando o Estado de Direito.

Os barões se regalam.

 Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Todo cuidado é pouco

Bom dia, presidente!


Por mais que não pareça, o presidente eleito Jair Bolsonaro, a ser diplomado logo mais em Brasília pelo Tribunal Superior Eleitoral, está sob  freios e assim deverá governar a partir de 1º de janeiro.  Nada de mal há nisso, pelo contrário. Presidente da República concentra tantos poderes que é grande a tentação de usá-los no limite ou de ir além. Daí os freios naturais.

Freio dos que votaram nele e cobram resultados para ontem. Freio dos que não votaram por discordar de suas ideias. Freio do Congresso do qual dependerá para qualquer coisa. Freio da Justiça que zela pela lei.[o único freio inadmissivel é o dos que não votaram nele - não gostam dele, calem-se por quatro ou oito anos ou vão embora do Brasil - vale o AME-O ou DEIXE-O, que por nossa escolha faz parte da URL deste Blog.]
 
Tais freios e outros mais estão previstos na Constituição que todos juram respeitar, mas Bolsonaro é um caso especial. Ninguém antes dele se elegeu com a promessa de “quebrar o sistema”.  A valer o que disse durante a campanha, Bolsonaro quer restaurar um país carente de freios como o que existiu há 50 anos. [quando do contragolpe de 64 o Brasil estava carente de freios para conter a bagunça e estabelecer a ORDEM, essencial ao PROGRESSO, para isso ocorreu a Redentora;
a situação de agora, está bem próxima a pré 64.]  O capitão cerca-se de generais e afins para governar em tributo ao passado.

Difícil que consiga, mas tentará. Todo cuidado é pouco.

Blog do Noblat - Revista Veja