A defesa de Lula não dá sorte com magistrados paranaenses. Em
Curitiba, esbarrou no estilo sanguíneo de Sergio Moro. Em Brasília,
topou com o método cirúrgico de Edson Fachin. Aplicou contra Fachin a
mesma tática de guerrilha judicial empregada contra Moro.
Consiste num
excesso de litigância que beira a má-fé. Tratado como magistrado que
cerceia advogados, Fachin passou menos recibo do que Moro. E marcou dois
gols em menos de uma semana. Num, expôs a fragilidade da defesa do
principal preso da Lava Jato. Noutro, manteve Lula na tranca pelo menos até agosto.
Para
azar de Lula, Fachin é uma discreta criatura. Sem vida social, costuma
levar trabalho para casa. Aplicado, esteve sempre um lance na frente dos
doutores. Desarmou a primeira jogada ao farejar o surto libertário que
tomou conta da Segunda Turma do Supremo, a qual integra na condição de
minoritário crônico. Com antecedência premonitória, Fachin retirou
o recurso de Lula da pauta de uma sessão avassaladora. Nela, a trinca
Toffoli-Gilmar-Lewandowski anulou provas contra um petista (Paulo
Bernardo), suspendeu ação penal contra um tucano (Fernando Capez),
manteve solto um lobista ligado ao MDB (Milton Lyra) e abriu duas celas:
a do petista José Dirceu e a do ex-tesoureiro do PP João Claudio Genu.
Antecipando-se a um pedido da defesa para a recolocação do “Lula livre” na agenda da segundona,
Fachin enviou a encrenca para o plenário da Corte. Com um movimento de
caneta, tirou da jogada Toffoli, Gilmar e Lewandowski. E deixou zonza a
defesa. Quando os doutores protocolaram uma reclamação requerendo a
troca de relator, o sorteio foi feito no plenário geral, não no Jardim
do Éden da Segunda Turma. Por obra e graça dos deuses do acaso, o
sorteio enviou a reclamação da defesa para a mesa de Alexandre de
Moraes, que chegou ao Supremo por indicação de Michel Temer. Os doutores
alegavam que Fachin violara o princípio do juiz natural ao retirar o
recurso de Lula da Segunda Turma. E Moraes: ''Inexistiu qualquer
violação ao princípio do juiz natural, pois a competência constitucional
é desta Suprema Corte, que tanto atua por meio de decisões individuais
de seus membros, como por atos colegiados de suas turmas ou de seu órgão
máximo, o plenário.''
A reclamação desceu ao arquivo sem que
Moraes precisasse decidir sobre o pedido de liminar para que Lula fosse
libertado imediatamente. Esse assunto volta à alçada de Fachin. Com um
detalhe: o relator da Lava Jato cuidou de iluminar uma dobra do recurso
que a defesa preferia manter invisível. Está em jogo, além da
libertação do preso, sua inelegibilidade, realçou Fachin no ofício em
que encaminhou a matéria ao plenário. Os advogados tentam desconversar.
Renegando a própria petição, alegam que nunca trataram de questões
eleitorais, que jamais pretenderam nada além de libertar Lula. O feitiço
da defesa acabou enfeitiçado. Raras vezes assistiu-se a tão poucos
doutores fazendo tanta besteira em tão pouco tempo.
Sem vocação para o papel de bobo, Fachin pediu explicação
sobre as segundas intenções eleitorais da defesa. No mais, afora o
risco de uma bala perdida disparada por um dos libertadores do Supremo
—disparo que nem Gilmar Mendes
parece disposto a dar— Lula permanecerá preso pelo menos até que Cármen
Lúcia decida pautar o julgamento do recurso no plenário. Algo que não
ocorrerá antes de agosto. Com método, Fachin passou a última semana
antes do recesso de julho batendo palma para a defesa de Lula dançar.
Blog Josias de Souza
Em nova petição protocolada na noite desta quinta-feira, a defesa de Lula pede que o Supremo Tribunal Federal se abstenha de decidir sobre a inelegibilidade do seu cliente. Os advogados sustentam que recorreram à Suprema Corte apenas para obter a liberdade de Lula. ''Não foi colocado em debate —e nem teria cabimento neste momento— qualquer aspecto relacionado à questão eleitoral”, escreveram. É lorota. Trata-se de um recuo. [sem perceber, montaram uma armadilha - entre Lula e seus comparsas o termo mais adequado é 'casinha' - e agora tentam sair dela antes que ferrem de vez o cliente: presidiário condenado Lula.]
No recurso original, a defesa queixara-se da demora do TRF-4 em enviar para os tribunais superiores de Brasília o pedido de suspensão da pena de 12 anos e 1 mês de cadeia imposta a Lula no caso do tríplex do Guarujá. Os defensores de Lula anotaram que a protelação provocava “prejuízo concreto ao processo eleitoral.” E pediram que a Segunda Turma do Supremo suspendesse a condenação de Lula até o julgamento final do recurso.
Na prática, o eventual deferimento do pedido da defesa levaria à suspensão dos dois efeitos da condenação de Lula: a prisão e a inelegibilidade. Além de ganhar a liberdade, o líder petista poderia ostentar sua condição de candidato ao Planalto. Sua condição de ficha-suja ficaria sub judice. E o PT estaria mais à vontade para requerer na Justiça Eleitoral, em 15 de agosto, o registro da candidatura de Lula. A esperteza ameaçava engolir o dono, pois o relator da encrenca, ministro Edson Fachin, transferiu a análise do recurso da Segunda Turma para o plenário do Supremo. Na segundona, composta de cinco ministros, os encrencados costumam ser tratados a pão de ló.
O plenário, com 11 togas, vem se revelando menos concessivo. Por um placar apertado de 6 a 5, já negou habeas corpus a Lula, permitindo a decretação de sua prisão, em abril.
A meia-volta da defesa de Lula se parece muito com aquilo que nos meios jurídicos se convencionou chamar de chicana. É quando os doutores exageram na astúcia para trapacear nos litígios judiciais. Os advogados de Lula elaboram petições como se jogassem barro contra a parede —se colar, colou. O problema é que o Supremo dificilmente anularia a inelegibilidade de Lula. A leniência da Segunda Turma talvez rendesse ao condenado um alvará de soltura, não um atestado provisório de elegibilidade.
No plenário, Lula talvez não obtenha nem uma coisa nem outra. Ao justificar a transferência do recurso do colegiado menor para o maior, Fachin argumentou que a suspensão da pena de Lula, com suas repercussões penais e eleitorais, é um tema de tal relevância e com tantos reflexos que merece ser decidido por todos os ministros da Suprema Corte. O diabo é que se o Supremo confirmar que a condenação do TRF-4 fez de Lula um ficha-suja, vai para o beleléu o plano do PT de requerer o registro de sua candidatura presidencial no TSE.
Ao farejar o cheiro de fumaça, a defesa optou por fingir que não tratou de eleição no primeiro recurso. “O embargante [Lula] requereu exclusivamente a suspensão dos efeitos dos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Apelação [TRF-4] para restabelecer sua liberdade plena”, escreveram os advogados. “A petição inicial, nesse sentido, é de hialina clareza ao requerer o efeito suspensivo para impedir a execução provisória da pena até o julgamento final do caso pelo Supremo Tribunal Federal. Não foi colocado em debate —e nem teria cabimento neste momento— qualquer aspecto relacionado à questão eleitoral”.
Mais cedo, numa reclamação formal, os defensores de Lula já haviam questionado a decisão de Fachin de empurrar o julgamento do recurso para o plenário. Pediram o retorno da matéria para a Segunda Turma. Mais: requereram que seja sorteado um novo relator. Insatisfeita com tudo, a defesa quer mais um pouco. Além de escolher o palco, deseja escalar um protagonista menos draconiano que Fachin. Prefere que o relator seja um dos três ministros que votaram a favor da libertação do grão-petista José Dirceu na terça-feira: Dias Toffoli, Gilmar Mendes ou Ricardo Lewandowski.
Fachin não se deu por achado. Diante da movimentação dos advogados, o ministro alterou seus planos. Havia concedido prazo de 15 dias para que a procuradora-geral da República Raquel Dodge emitisse um parecer sobre o recurso em que Lula pleiteia a suspensão de sua condenação. Desistiu de esperar. Enviou rapidamente o recurso à presidente do Supremo, Cármen Lúcia, para que ela decida a data do julgamento no plenário. Daí a correria da defesa para excluir da petição o debate sobre a elegibilidade.
Os advogados de Lula repetem na instância máxima do Judiciário o mesmo ativismo que exibiram nas instâncias inferiores. Por vezes, a defesa bate cabeça consigo mesma. A banca advocatícia de São Paulo, estrelada por Cristiano Zanin, assegura que Lula não tem interesse em obter a prisão domiciliar. Algo que a banca brasiliense de Sepulveda Pertence havia solicitado em memorial encaminhado aos magistrados. Ora mencionam-se os efeitos eleitorais da condenação ora alega-se que não é o momento de tratar de candidatura. Mantido o ritmo atual —com uma petição atrás da outra, a nova divergindo da anterior— o STF corre o risco de se transformas numa espécie de STL, Supremo Tribunal do Lula.
Blog do Josias de Souza