STF ‘está voltando a ser STF’? Ou a era da impunidade é que está voltando?
Estava demorando, mas
o ministro Marco Aurélio Mello conseguiu
alcançar os três colegas da Segunda Turma, Gilmar Mendes, Ricardo
Lewandowski e Dias Toffoli, que tomaram a dianteira no confronto à Lava
Jato e à opinião pública. Ontem,
Marco Aurélio deu clara contribuição à
sensação de que há uma corrida pela impunidade: por liminar, mandou
soltar o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha no caso de desvios na
Arena das Dunas (RN).
Por sorte
– ou por azar, dependendo da ótica –, Cunha coleciona
processos e teve a prisão decretada por outras acusações, inclusive uma
condenação em segunda instância por desvios da Petrobrás na compra de um
campo petrolífero no Benin, na África. Assim,
o todo ex-poderoso
presidente da Câmara continua atrás das grades. Marco Aurélio, porém,
conseguiu dar seu recado: ele é da Primeira
Turma do STF, mas com coração e mente na Segunda, ao lado de Gilmar,
Lewandowski e Toffoli. Afora o fato de que Gilmar vivia às turras com
Lewandowski e Marco Aurélio no julgamento do mensalão do PT, os quatro
agora parecem firmemente determinados a dar um chega prá lá na Lava
Jato, numa posição de confronto ostensivo.
“O Supremo está voltando a ser Supremo”, comemorou Gilmar, após a
Segunda Turma despejar decisões polêmicas na terça-feira:
soltou José
Dirceu até o STJ anunciar se reduz ou não a pena de mais de 30 anos
;
anulou provas colhidas contra o ex-ministro Paulo Bernardo (PT) no
apartamento funcional onde vive com sua mulher, a senadora Gleisi
Hoffmann;
suspendeu a ação contra o deputado estadual Fernando Capez
(PSDB), envolvido na
“Máfia da Merenda” em São Paulo.
Ilhado e perplexo, o relator da Lava Jato, Edson Fachin, contestou as
decisões machadianamente, mas perdeu em todas.
Transformar uma
reclamação num habeas corpus que nem sequer fora apresentado pela defesa
de Dirceu? Pela
“plausibilidade” de
redução da pena? No caso de Paulo Bernardo, acusado de desvios no crédito consignado
de funcionários públicos,
o trio Toffoli, Gilmar e Lewandowski alegou
que ele mora com Gleisi, que tem foro privilegiado no Supremo, e a busca
e apreensão não poderia ter sido autorizada por um juiz de primeira
instância.
Dúvida de Fachin: o foro vale para uma pessoa, a senadora, ou
para um imóvel?
A grande suspeita é de que todos esses movimentos têm um objetivo
audacioso e comum: livrar Lula da prisão e, ato contínuo, dar um jeito
para permitir sua candidatura à Presidência, apesar da condenação em
segunda instância e da prisão. Aliás, apesar de tudo. Até por isso,
Fachin decidiu driblar a Segunda Turma e enviar o pedido de Lula para o
plenário, onde o equilíbrio é outro, pelo menos por ora. Em setembro,
Cármen Lúcia vai para a Segunda Turma, salvar Fachin do
isolamento, e Toffoli assume a presidência – e a pauta.
Podem escrever:
ele vai pôr em votação a revisão da prisão em segunda instância, como o
quarteto cobra a todo instante.
Ao dizer que
“o Supremo está voltando a ser Supremo”, Gilmar deixa no
ar um temor: o de que não só o STF, mas o próprio País esteja voltando à
velha normalidade pré-Lava Jato, em que tudo era uma festa para
corruptos e Cunha, Cabral, Geddel, Joesley… jamais seriam presos.
Naqueles tempos em que
presidentes definiam pessoalmente regras e
porcentagens para o assalto à Petrobrás, a
operacionalização da
corrupção era no Ministério da Fazenda,
sindicalistas eram destacados
para depenar os fundos de pensão e vai por aí afora. A Lava Jato tem
defeitos e excessos, mas nada, nada, nada pode ser pior do que estava
acontecendo no Brasil.
PS: Hoje é o último dia de votações no STF antes do recesso. Olho vivo! Tudo pode acontecer.
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo