Em tempos de crise
econômica e financeira e de crise política, estamos em tempos de greves. Greves são assunto que, mesmo
que seja pesado, deve ser analisado, obrigando-nos a que avaliemos a
pertinência de convocar-se uma greve sem que sejam consideradas as relações que
ela, por si mesma, estabelece quando uma das partes do conflito é o poder
público.
A greve no setor público difere
da greve nos setores privados por alguns fatores fundamentais. Um deles será, em qualquer análise, que
uma das partes do conflito na empresa privada são indivíduos – a direção da empresa - que têm “obrigações” com seu grupo na sociedade
global entre as quais se inclui manter a ideia que esse grupo faz do Estado. A
paralisação do conjunto de funcionários que ocupam posição hierarquicamente
superior à do grupo em greve seria decisiva para o triunfo da reivindicação
salarial ou econômica.
Por sua capacidade de mobilização
de quadros e de massa, a greve dos professores permite reflexões a
respeito da greve no serviço público.
O movimento pode ser visto por alguns como instrumento de luta
reivindicatória e transformadora das relações de poder entre diferentes
segmentos sociais e entre Burocracia e Governo. Pode ser examinado por sua duração e pelo número de participantes.
A greve no setor público muitas vezes é dirigida por pessoas com posição de
subordinação burocrática às normas constitutivas do Estado igual à da maioria
dos grevistas que, por isso, têm ideias do mundo coincidentes.
A greve no setor privado terá sempre também a dirigi-la um grupo de empregados cujas
idéias do mundo e da posição dos trabalhadores no conjunto da economia, porém,
não necessariamente coincide com as da maioria dos grevistas. Sendo vitoriosa, e
o aumento do capital variável muito grande, os
dirigentes poderão ser os primeiros a sofrer eventuais sanções de parte dos
proprietários da empresa, correndo o risco de demissão. Esse perigo é menor ou inexiste na greve do
setor público em virtude das garantias que cercam os funcionários. Além de
que a direção dos trabalhadores independe da ideia que a “massa” tenha da paralisação geral como forma de enfraquecer o
poder do Estado. E poderá manter-se enquanto poder.
Por outro
lado, a empresa
num regime capitalista vive da produção de mercadorias, o que não acontece com a burocracia estatal, que produz serviços. Na greve
em empresa estatal não produtora de mercadorias, o poder da burocracia
sobrevive pelo respeito dos dirigidos ao cerne das idéias sustentadas pelos
membros bem posicionados na escala burocrática, e a greve, além da adesão clara e sem ambages da maioria dos
funcionários, depende da simpatia da população em geral, submetida a essa
direção burocrática.
O setor estatal não produtivo não
gera mais-valia. O que
significa que o “patrão”, governantes
de turno qualquer que seja o seu partido, não sofrerá prejuízo algum com a
greve a não ser que a consciência política dos dominados em geral permita que
se ponha em xeque os fundamentos da dominação exercida. O que significa que a
greve no setor público não produtivo só terá sentido quando, por suas palavras
de ordem e pela ação dos grevistas, constituir-se em foco de uma ação
eventualmente revolucionária. Uma greve
no setor público, qualquer que ele seja, é sempre política, não econômica,
mesmo que seu pretexto seja salarial.
Tendo em vista que professores em
greve podem criar situações difíceis para os governantes, uma greve como esta última
deflagrada só teria sentido prático, objetivo, caso sua longa duração obtivesse
um efeito político, pequeno que fosse – a
queda do secretário ou do governador. Dessa perspectiva, o triunfo da greve significaria fundamentalmente uma derrota
para o PSDB – e seu fracasso atingiria o PT e demais partidos que a
apoiaram. Esse resultado não foi obtido. A partir do momento em que
o poder de Estado se fechou em repúdio à greve e que a maioria da população não
formou – nem em pensamento – com os
grevistas, ela estava destinada ao fracasso. Se
considerarmos a educação como uma mercadoria, no entanto, o único prejudicado
pela greve, bem ou mal sucedida, e por sua duração será o grupo social que depende dessa
mercadoria – na prática, os
estudantes - não os professores;
muito menos os funcionários.
Um
cultor do mito da greve geral deveria ficar extremamente satisfeito por poder encontrar na greve dos
professores um exemplo de que existe um grupo social
amplo que é capaz de compreender a greve geral como fator revolucionário de
primeira ordem. Isso porque, no seu desdobramento e sua evolução, e ao
transpor as divisas de estados da Federação, o movimento grevista permitiu que
se tomasse (miticamente) a “classe”
dos professores como classe revolucionária. Ocorre que a análise da composição
social da greve deveria levar em conta o quadro político geral e evidenciaria
que os que poderiam constituir-se numa classe revolucionária não o são por
terem diferentes visões do clima político.
Estranha
que os condutores da greve dos professores não tenham raciocinado com uma clareza que alguém diria leninista ou gramsciana sobre as relações
de poder que se estabelecem no setor público. Raciocínio que deveria ser
ainda mais aprofundado quando a greve se dá em setor não produtivo. Ocorre
ainda que não havia qualquer teórico leninista ou
gramsciano tentando conduzir a greve.
A greve dos professores recém terminada se transformou, assim, apenas em um movimento prejudicial aos
estudantes. Examinando-se o resultado da perspectiva de perdas e ganhos
partidários, a greve aconteceu como se não tivesse,
jamais, acontecido. E pode servir de lição para os que sonham com a
greve geral levando à revolução. Um mito
que, como mito, deve ser visto e ser tratado.
Fonte: PENSAR
& REPENSAR - Oliveiros S. Ferreira
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