É claro que Dilma se fortalece por enquanto. Ou: Camargo foi ameaçado, como acusou Cunha. Ou ainda: Torça pelos fatos. Mais uma: E Dilma, Janot?
Há
muitas formas de torcer voluntária ou involuntariamente pelo
fortalecimento, ainda que dentro do possível, de Dilma Rousseff. Uma
delas é aplaudir a eventual derrocada de Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
presidente da Câmara, e o notável trabalho de proteção à presidente
executado até agora por este incrível Rodrigo Janot, procurador-geral da
República. Ah, sim: seria dispensável dizer para bons entendedores, mas
também os há maus, a serviço sabe-se lá do quê: se Cunha cometeu crime,
tem de pagar. Mas onde estão os responsáveis ligados ao Poder Executivo
no petrolão? Faço essa pergunta há mais de um ano. Janot não me dá uma
resposta. Sergio Moro também não.
A Folha traz
neste sábado um texto muito esclarecedor de Graciliano Rocha e Bela
Megale. Explica por que o delator Julio Camargo mudou de ideia. No
âmbito da delação premiada, havia negado o pagamento de propina a
Eduardo Cunha. Depois, disse o contrário. No depoimento prestado ao juiz
Sergio Moro, ele afirmou que negara porque tinha medo do poder do
deputado. A reportagem esclarece:
“Sua [de Camargo] guinada começou a ser
produzida na última semana de junho, quando foi chamado pelos
procuradores da Lava Jato para uma reunião em Curitiba. Os
investigadores mostraram a Camargo que tinham evidências de que ele
vinha escondendo informações comprometedoras sobre políticos, e
lembraram ao lobista que isso poderia levar ao rompimento do acordo de
delação, que garante redução de pena e outros benefícios.”
Ah, bom! Na
nota divulgada ontem, em que nega ter recebido propina, Cunha havia
acusado o seguinte: “Após ameaças publicadas em órgãos da imprensa,
atribuídas ao Procurador-Geral da República, de anular a sua delação
caso não mudasse a versão sobre mim, meus advogados protocolaram petição
no STF alertando sobre isso”.
Nem vou
entrar no mérito se Camargo mentiu antes ou agora, o que fica evidente é
que o conteúdo da nota de Cunha e o da reportagem coincidem, com uma
ligeira diferença: o presidente da Câmara atribui a ação a Janot. Então
ameaça houve, certo? Resta,
ademais, uma questão de natureza técnica, a ser decidida nestas e em
delações premiadas em casos futuros: valerá sempre a última versão
contada pelo delator, ainda que ela desminta a anterior? Outra questão
para os tribunais: se não houver a prova material do pagamento de
propina Cunha — há? —, a qual versão se deve dar o status de verdade? Os
que querem Cunha fora do caminho certamente escolherão a segunda; os
que preferem Dilma fora do caminho optarão pela primeira. Com qual devem
ficar os que preferem os fatos? Respondo: com as provas.
Impeachment
Há certa excitação no ar, indevida a meu
ver — mas nada como o tempo, não é? —, com o fato de que o deputado
mandou fazer uma espécie de revisão dos pedidos de impeachment que foram
protocolados na Câmara. Tenho dificuldade para pensar fora de
parâmetros lógicos. Se essa era uma hipótese distante antes, mais
distante está agora. Não há mágica nessas coisas. Já escrevi aqui e
reitero: num cenário em que a Operação Lava Jato encosta na parede os
presidentes da Câmara e do Senado, quem sai fortalecida, ainda que
abaixo da linha da mediocridade, é Dilma. Para aceitar uma denúncia, são
necessários 342 deputados. Não há milagres nessas coisas. [mas o primeiro passo para a denúncia ser aceita é que o presidente da Câmara decide desengavetar as existentes. E o Cunha mandou fazer isso com 11.
Alguém seria capaz de imaginar que a Dilma iria levar uma surra no Senado de 62 a 0; destacando que todos os senadores presentes, votaram, incluindo o Delcídio, líder da Dilma naquela Casa.]
Armação ilimitada
Alguns tontos inferem que defendo que
Cunha devesse ser intocável só porque perturba o PT. É uma boçalidade.
Não é isso, não. Mas não reconheço como coisa regular que, no âmbito da
delação, Julio Camargo negue o pagamento de propina ao deputado e,
depois de pressionado pelos procuradores, admita o pagamento, mas aí num
depoimento que está fora da delação — tanto é que esta terá, agora, de
ser corrigida. Isso pode ser tudo, meus caros, menos… regular! É claro
que tem cheiro de cama de gato e jeito de cama de gato. E é cama de
gato. Nota à margem: Camargo mudou de advogado e agora está com o mesmo
que defende Alberto Youssef, que o lobista antes contestava com
veemência.
Presidência da Câmara
Fragilizado, Cunha passou agora a ser alvo
de certa campanha terrorista. Nesta sexta, vazavam da
Procuradoria-Geral da República boatos de que Janot — aquele que não
toca em Dilma — pretende entrar com uma ação cautelar para afastá-lo da
presidência da Câmara. Usaria para tanto testemunhos de pessoas que se
dizem ameaçadas pelo deputado.
Caso Janot
opte mesmo por isso — duvido um pouco porque me parece que escancararia a
natureza do jogo: tirar Cunha do caminho —, o pedido tem de ser
apresentado ao Supremo. O ministro Teori Zavascki, relator, poderia
decidir sozinho, mas o mais provável é que recorresse ao pleno do
tribunal. Se a tanto se atrever Janot, acho que o STF recusaria uma
interferência desse teor com o que se tem até agora.
Então
ficamos assim: que Julio Camargo foi ameaçado, como afirmou Cunha, foi.
Se a ameaça se deu mediante supostas provas que os procuradores teriam
de que pagou propina ao deputado, então elas certamente virão à luz. Mas
e se não vierem?
Ah, sim, não posso encerrar este post sem perguntar: e Dilma, Janot?
Fonte: Reinaldo Azevedo
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