Prisões
mostram que o PT usou a Fazenda para arrecadar bem mais do que
impostos. Foi um paciente quebra-cabeças o que levou à prisão de Antonio
Palocci. A 35ª fase da Operação Lava-Jato pegou dados da 23ª, que
prendeu João Santana e Mônica Moura, e que, por sua vez, ajudou a
esclarecer pistas da 14ª, a que prendeu Marcelo Odebrecht. Foi com o
cruzamento de dados que se chegou à planilha de propinas da construtora e
à elucidação de quem é o “italiano".
O delegado Filipe Hille
Pace e a procuradora Laura Tessler mostraram que a fase saiu desse
quebra-cabeças, juntando um fio solto capturado numa fase com um e-mail
encontrado em outra fase, e assim por diante. A Odebrecht está
preparando a delação premiada da empresa e dos executivos, mas o que
ficou claro na entrevista dos investigadores é que, ainda que eles não
falassem, as provas já elucidam muitos fatos. — Achamos uma
planilha na 23ª onde havia um nome que não sabíamos quem era (italiano),
e outras investigações nos levaram ao que deflagramos hoje. Nós não
escolhemos uma pessoa e vamos procurar os dados. As informações que
investigamos é que levam aos personagens — disse Filipe Pace.
Na
23ª fase, a Acarajé, foram presos, entre outros, os dois marqueteiros do
PT e uma funcionária de confiança da Odebrecht, a secretária há mais de
três década na empresa Maria Lúcia Guimarães Tavares. Ela entregou
informações valiosas, e com ela foram apanhadas também planilhas de
pagamentos de propinas, que, apesar dos codinomes, ajudaram a esclarecer
vários pontos investigados. Por esse caminho se chegou ao setor de
operações estruturadas da Odebrecht, a ala clandestina da empreiteira
dedicada à corrupção. Para se saber quem era o “italiano” foi importante
cruzar com informações que estavam no celular de Marcelo Odebrecht,
apreendido quando ele foi preso na 14ª fase, a Erga Omnes.
O que
impressiona é a quantidade de interesses que a Odebrecht tinha no
governo, e os muitos fios que ligavam a construtora ao ex-ministro da
Fazenda. Um deles era a Medida Provisória que recriava o crédito-prêmio
de exportação. O absurdo desse benefício era evidente e o assunto foi ao
Supremo, que felizmente derrubou a medida. Com essa vantagem frustrada,
a Odebrecht começou a conversar com Palocci sobre como a empreiteira
poderia ser “compensada”. Tudo impressiona pela desfaçatez. Uma delas
está explícita no e-mail de Marcelo Odebrecht a seus assessores, quando
ele diz que vai se encontrar com um político e que deve proteger o
bolso. Ele responde: “a pergunta é se tem algo que eu posso buscar com
ele.”
Os dados revelam que a ligação com Palocci acontece
inicialmente com ele na Fazenda. Nesse caso, os investigadores tiveram
que descobrir que JD não era José Dirceu, mas sim Juscelino Dourado, o
chefe de gabinete de Palocci na Fazenda. Os contatos com a empreiteira
continuaram no período em que ele não exercia cargo público, foram
mantidos quando foi para a Casa Civil e permaneceu depois que saiu. Essa
linha constante é que o levou à prisão, ontem, porque Palocci, dentro
ou fora do governo, estava citado nos negócios da Odebrecht.
Palocci
foi uma escolha inesperada para o Ministério da Fazenda em 2003. Havia
dúvida se Lula escolheria para ministro Aloizio Mercadante ou Guido
Mantega, que vinham assessorando a economia do PT desde o começo das
disputas presidenciais. Os dois economistas defendiam ideias que se
chocavam diretamente com as bases da estabilização e por isso a chegada
do partido ao governo elevou o dólar e a inflação. O médico
Antonio Palocci foi um bom ministro da Fazenda, mas acabou derrotado
pelo seu lado obscuro. Com grande capacidade de comunicação, uma equipe
competente de economistas sem ligação partidária, Palocci venceu a crise
de confiança, fez um ajuste fiscal em 2003 que permitiu o crescimento a
partir de 2004.
Palocci tem muito a explicar, além das suas
relações com a Odebrecht. Ele foi citado por recolher propina em Belo
Monte na delação de Otávio Azevedo, da Andrade. E está na extensa lista
de Delcídio Amaral. Não há relação entre a acusação que levou Palocci a
ser preso ontem e a que levou Guido Mantega para a prisão, baseado no
depoimento do empresário Eike Batista. Mas as duas fases, 34ª e 35ª,
mostram que o PT usou o Ministério da Fazenda para arrecadar bem mais do
que impostos.
Fonte: Miriam Leitão - O Globo
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