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domingo, 4 de setembro de 2016

O golpe ao impeachment

A decisão de manter os direitos de Dilma tem a ver com o desejo de blindar bandidos do Congresso 

Você e o presidente Michel Temer achavam que o seriado do impeachment de Dilma Vana Rousseff terminaria na semana passada, com o julgamento no Senado presidido pelo eminente ministro do STF Ricardo Lewandowski. Mas o PMDB de Renan “Tamu Junto” Calheiros, com a ajuda decisiva de um juiz supremo, deu um jeito de prorrogar a série. Na nova temporada, um número ainda indefinido de episódios conduzirá o país ao desfecho final. Gostando ou não, a última cena da quarta-feira não foi inesperada, foi combinada.

A decisão de cassar Dilma da Presidência e ao mesmo tempo manter seus direitos de ocupar função pública ou política foi uma violação ao Artigo 52 da Constituição de 1988 e não tem nada a ver com misericórdia ou pena. Ou com o desejo irrefreável de Dilma de ser professora de universidade pública... A decisão pode ter mais a ver com o desejo de blindar bandidos do Congresso envolvidos na Lava Jato – mesmo que se diga que uma coisa é impeachment e outra é cassação.

Erguendo o texto da Constituição, um excitado Renan Calheiros clamou: “Além da queda, o coice, eu não concordo”. E, logo depois, “Não vamu ser mau ou desumano (sic)”. Muito bonzinho ele, o mesmo que protagonizou cenas deprimentes com a senadora petista Gleisi Hoffmann, ao dizer que tinha livrado a cara dela e do marido, Paulo Bernardo, no STF. Depois pediu desculpas. Mas o mal-entendido permaneceu. Renan, o afilhado e herdeiro de Sarney, exibia para as câmeras um sorriso congelado canastrão.

O acordo era conhecido havia meses ou dias por muito mais gente do que o leitor imagina. O pedido tomou como base uma Lei do Impeachment de 1950, muito anterior portanto à Constituição de 1988. Essa lei atribui ao Senado a decisão de escolher “o prazo de inelegibilidade” do presidente afastado. A decisão de acolher o apelo da bancada do PT e fechar rapidamente o julgamento, sem debate e sem consulta ao plenário, foi um ato solitário de Lewandowski. E, segundo Renan, “correto e absolutamente defensável”. A segunda votação deu maioria simples (42 a 36 votos) para inabilitar Dilma. Era necessária maioria absoluta. Uma dezena de peemedebistas migrou para permitir a permanência de Dilma na cena política.

Se o acordo aconteceu há tempos entre Renan e Lewandowski, isso explica muita coisa. Explica os sorrisos e afagos em tantas fotos da última semana. Explica que a cassação de Eduardo Cunha tenha sido adiada para depois do impeachment de Dilma. Explica o total desinteresse da mesa pelo discurso pronto de Collor de Mello, que com razão se considera injustiçado. Em 1992, ele renunciou à Presidência e teve negado seu pedido para manter elegibilidade. Collor cumpriu os oito anos de isolamento e voltou, abraçado por Lula e absolvido pelo STF.

Foi um acordo “no mínimo bizarro”, segundo o ministro Gilmar Mendes. “Vejam vocês como isso é ilógico: se as penas são autônomas, o Senado poderia ter aplicado à ex-presidente Dilma Rousseff a pena de inabilitação, mantendo-a no cargo. Então, veja, não passa na prova dos nove do jardim de infância do Direito Constitucional. Do ponto de vista da solução jurídica, parece realmente extravagante”, disse o ministro.

Dilma não se deixou abrandar pela cortesia, declarou “guerra ao governo golpista”, pediu luta, prometeu oposição ferrenha a Temer e disse que voltará. O que se seguiu ao julgamento foi o constrangedor “Tamu junto” de Renan para Temer no Senado – e uma barafunda de declarações contraditórias de líderes. O primeiro partido a se insurgir contra o mérito do impeachment foi o PT, que anunciou a ida ao STF. Na sexta-feira, anunciava-se que PSDB, DEM, PPS e até o PMDB de Temer (não o de Renan) recorreriam todos ao STF contra o fatiamento – para não comprometer sua reputação.

Não precisam se preocupar com a reputação, porque já é péssima. Uma pesquisa Ipsos, divulgada na sexta-feira pelo jornal Valor Econômico, indicou que Temer é reprovado por 68% dos brasileiros e Dilma por 71%. O campeão é Eduardo Cunha, com 77%. O ex-presidente Lula aparece logo depois de Temer, com 67%. O senador Aécio Neves, 64%. 

Esse é o time seleto com mais de 60% de reprovação. A pesquisa foi feita de 30 de junho a 9 de agosto, bem antes do fim do julgamento. Foram 1.200 entrevistas em 72 municípios.
Ninguém achava que o Brasil sairia pacificado do doloroso afastamento de uma presidente que abusou da prerrogativa de errar, a ponto de perder apoio do povo, do Congresso, do próprio PT e de empresários. Mas Temer, na véspera do julgamento, afirmou: “O Brasil está pacificado juridicamente”. Longe disso. Tudo pode ser contestado no Supremo. O PT tem o direito de achar que Dilma não poderia ser impedida porque, ao manter seus direitos políticos, não seria criminosa. A “base aliada” tem o direito de exigir o respeito à Constituição. Os dois lados reclamarão de golpe parlamentar. E agora, STF?

 Fonte: Ruth de Aquino - Época


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