É conhecida a frase do inglês Samuel Johnson (1709-1784): "O patriotismo
é o último refúgio de um canalha". Acabou distorcida. Referia-se a uma
situação específica da política do seu tempo. Não hostilizava ou
renegava os "patriotas", então uma corrente política. Criticava
vigaristas que passaram a se abrigar sob tal manto, pervertendo ideias
que considerava virtuosas. Nestes dias, o liberal brasileiro está
obrigado a dizer: "A direita é o último refúgio de um canalha".
Nesta quarta (11), fiz o que não faço quase nunca. Acompanhei um
tantinho, nas redes sociais, as reações de grupos organizados "de
direita" à sessão do STF que decidia se medidas cautelares
impostas pelo Judiciário a parlamentares devem ou não ser submetidas à
respectiva Casa Legislativa. "As direitas" não estavam entendendo nada. Os ditos direitistas, excetuando-se raras ilhas de compreensão,
esmeravam-se em vomitar ignorâncias contra "todos os políticos".
Sentem-se moralmente superiores a seus antípodas por atacar a política
ela mesma, em toda a sua extensão. O mal dos adversários estaria na
seletividade. Entendi. Os esquerdistas se orgulham de olhar no olho de
suas vítimas antes de atirar. Justiça que enxerga! A direita de que falo
atira antes de olhar. Justiça cega!
Vi antipetistas fanáticos, anticomunistas patológicos e convictos
fascistoides de direita a aplaudir o voto de Luís Roberto Barroso. Junto
com a esquerda. Aquele cheiro de sangue no ar. O que a etimologia
ensina sobre "canalha"? Resposta: "cachorrada". É que o doutor lavou o
seu relativismo constitucional com o linchamento do senador Aécio Neves,
que não era nem citado naquela ADI. Seu voto ia apertando todos os
"botões quentes" da polêmica, para empregar uma expressão que Umberto
Eco cunhou muito antes de conhecermos o bueiro do capeta das redes
sociais.
Sem vergonha na toga e da toga, o doutor começou atacando o foro
especial, que não estava em julgamento. A direita salivava. Depois
apelou à metáfora dos "peixes pequenos", sempre punidos, e dos
"graúdos", sempre impunes. Mais baba. Poderia ser o "Sermão de Santo
Antônio aos Peixes", de Padre Vieira. Era só o "Proselitismo
Esquerdopata de Barroso aos Tolos". Aí resolveu condenar Aécio, que nem
réu é ainda.
Dinheiro, ensinou, tem de passar pelo banco, ou a corrupção está
comprovada. E, se é assim, pode-se rasgar a Constituição em nome da
honestidade. É precisamente o que faz a esquerda mundo afora. Ele nem
teve a delicadeza de dizer qual foi a contrapartida –ou promessa de–
oferecida pelo senador a Joesley Batista, o que poderia caracterizar
corrupção passiva. A cachorrada se afogava de prazer na gosma
peçonhenta.
A ficha das "direitas" não caiu nem quando, negando a sua condição de
"ativista judicial", Barroso afirmou ser contrário ao STF legislador e
interventor, mas só nas matérias de natureza constitucional. E, mesmo
nesse caso, deixou claro, dá-se o direito de legislar sobre "direitos de
minoria" e "proteção às regras da democracia". Não por acaso, é o gênio
da raça que resolveu fazer uma interpretação extensiva de um habeas
corpus e, pimba!, decidiu "legalizar" o aborto até o terceiro mês de
gestação. Não ficou claro se o assassinato do feto, que não pode correr
nem se defender, é um "direito de minoria" ou uma "regra da democracia".
Por 6 a 5, depois das adaptações, decidiu o STF que a Justiça pode, sim,
aplicar a parlamentares as medidas cautelares do Artigo 319 do Código
de Processo Penal, mas tudo o que afeta o mandato deve ser submetido à
Casa Legislativa a que pertence o punido por prevenção. Das aberrações, a
menor. A confusão, agora, vai se estender a Assembleias Legislativas e
Câmaras de Vereadores.
A direita dos humores pegajosos, constatou minha mulher, ainda agora se
afoga em secreções de puro rancor. Queria mais inconstitucionalidade.
Que o Brasil sobreviva ao patriotismo dos canalhas!
Fonte: Folha de S. Paulo - Coluna do Reinaldo Azevedo
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