Como, com o apoio de ministros do Supremo, o PT tem operado na mais alta corte do País para forçar a presidente Cármen Lúcia a pautar a rediscussão da prisão em segunda instância e, assim, evitar a ida de Lula à cadeia
Na tarde de quarta-feira 28, um grupo de senadoras do PT e de partidos aliados apareceu inadvertidamente no gabinete da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia. Pega de surpresa, Cármen Lúcia se viu compelida a recebê-las. Entre outros assuntos, as parlamentares foram tirar o sossego do mais importante gabinete do Judiciário brasileiro para clamar pela liberdade do ex-presidente Lula. Cármen Lúcia as ouviu polidamente, sem dar qualquer sinal de como irá proceder na condição de presidente da Corte Suprema. Mas, a interlocutores, reconhece o incômodo com as indecentes pressões que vem recebendo – a das senadoras não foram as primeiras.Embora seja ela o alvo preferencial por ter a prerrogativa de preparar a agenda de julgamentos, Cármen Lúcia não está sozinha nessa. Nos últimos dias, a presença de amigos de Lula nos gabinetes do STF tem sido uma constante. A pressão é constrangedora pelo aspecto eminentemente político que a permeia: os integrantes da romaria ao Supremo são mais do que simples amigos do ex-presidente petista. São petistas que tiveram peso decisivo durante o processo de nomeação dos mesmos ministros que agora eles cortejam para que executem o serviço sujo, qual seja: livrar Lula da prisão, em contrapartida ao que esses emissários representaram para eles num passado nem tão distante.
Pressionados, ministros do STF mudaram de lado e passaram a atuar para tentar isolar Cármen Lúcia
O grande perigo por trás da análise sobre a prisão de Lula vem de uma combinação explosiva que pode deixar fora das grades não apenas ele, mas uma série de outros políticos e empresários envolvidos em casos de corrupção. E é por isso que Cármen Lúcia tem resistido ao máximo em levar o tema ao plenário do Supremo, apesar da marcação cerrada que tem sofrido não somente de petistas e aliados do ex-presidente, mas também de alguns dos próprios colegas. No STF, há hoje uma forte sensação de que a Corte poderá alterar seu entendimento sobre a possibilidade de prisão em segunda instância, caso o tema volte à baila. O Supremo já se manifestou três vezes sobre a questão, e em todas as ocasiões prevaleceu o entendimento de que a prisão é possível, ao término do julgamento em segunda instância. Na última vez, em novembro de 2016, o placar registrou 6 votos a 5. Ocorre, porém, que a operação do PT já teria virado votos outrora contrários a Lula no tribunal. Interlocutores de Cármen Lúcia dão como certo, por exemplo, que o ministro Gilmar Mendes é um dos que teriam mudado de posição em benefício do ex-presidente. Não seria o único.
Interlocutores de Cármen Lúcia dizem que o ministro Gilmar Mendes agora vota em benefício de Lula
A articulação de Sepúlveda
A estratégia no sentido de seduzir o Supremo foi desencadeada a partir da contratação do ex-presidente do STF José Paulo Sepúlveda Pertence para conduzir a defesa de Lula. Com Pertence, saiu de cena a tática de confronto, levada ao extremo por Cristiano Zanin e equipe. Em seu lugar, emergiu a articulação de quem conhece cada escaninho do STF e, cultiva, como poucos, uma melíflua relação com a esmagadora maioria dos ministros da Corte. Há dois ministros, em especial, que devem sua nomeação a Pertence. Em 2006, já perto de sua aposentadoria do STF, ele foi questionado pelo então presidente Lula sobre quem ele indicaria para a sua cadeira que logo ficaria vaga. Embora soubesse que seria voto vencido, Pertence recomendou os nomes de Luís Roberto Barroso e de Cármen Lúcia. A vaga acabou ficando com Carlos Alberto Menezes Direito, já falecido, por conta de um pedido do advogado Sérgio Bermudes, seu dileto amigo. Mas Lula guardou aqueles nomes para sempre.
Recentemente, circulou a história de que Cármen Lúcia poderia se declarar impedida de julgar casos envolvendo Lula pela sua proximidade com Sepúlveda Pertence – o que não acontecerá. Houve até quem dissesse que a presidente do STF é uma prima distante do advogado de Lula. Pertence e Cármen são declaradamente amigos, mas ela não é parente do ex-ministro.
Na última semana, Sepúlveda Pertence praticamente acampou no Supremo. Um dos ministros que o receberam foi o relator da Lava Jato, Edson Fachin. O encontro, registrado em sua agenda, durou mais de uma hora. Não se questiona aqui a legitimidade do ministro em receber o advogado das partes. Inadmissíveis, sim, são as indecorosas pressões exercidas por emissários incontestavelmente ligados a um réu condenado em primeiro e segundo graus, que em nada guardam relação com o processo, e que estão lá não em nome de uma causa coletiva, mas para uma missão meramente casuística: a de livrá-lo das grades. Desse time estrelado, Fachin recebeu Tião Viana, Luiz Marinho e Gilberto Carvalho.
Nas costuras com o STF, o novo advogado do ex-presidente conta sempre com a prestimosa ajuda de Sigmaringa Seixas, o homem de Lula nos bastidores da Justiça, em Brasília, desde a chegada do PT ao poder. Dias Toffoli, por exemplo, é um dos ministros que possuem uma dívida de gratidão com Sig, como é conhecido. Em 2009, quando o então advogado-geral da União estava entre os cotados para assumir uma vaga no STF, um outro nome em particular povoava a mente e o coração de Lula: o de Sigmaringa. Toffoli sabia disso. Tanto que deixou Lula à vontade para proceder a escolha. Mas Sig emprestou mais doses de generosidade ao gesto do amigo: abriu mão da cadeira no Supremo em favor de Toffoli.
A “Câmara de Gás”
Os passos da defesa de Lula, agora sob o comando de Pertence, são bem calculados. O pedido de habeas corpus no STJ foi feito propositalmente antes do recesso do Judiciário. Com isso, a defesa já sabia que o pedido de liminar seria julgado ou pela presidente do STJ, Laurita Vaz, ou pelo seu vice-presidente, Humberto Martins – quem julgou a liminar foi Martins, que a indeferiu. Tudo dentro do previsto pela defesa de Lula. O indeferimento de Martins leva o caso a ser julgado por um pleno, no caso, a Quinta Turma do STJ, que examina os casos relacionados à Lava Jato, tendo como relator o ministro Felix Fischer. O próprio PT já sabe que a tendência é que o habeas corpus seja indeferido. Os petistas apelidam a Quinta Turma de “Câmara de Gás”, por sua postura rigorosa em seus julgamentos. A estratégia, no entanto, foi entrar com um pedido no STJ para que uma decisão do tribunal, mesmo desfavorável, forçasse o Supremo a se posicionar na sequência.
São nessas fichas que o PT aposta. Dez em cada dez petistas reconhecem que no Supremo repousam as derradeiras chances de Lula de escapar da cadeia. Por isso, nas próximas semanas, tendem a se intensificar as investidas do partido, contra as quais Cármen Lúcia, do alto do cargo mais importante da República hoje, precisa se manter inexpugnável. Ante alguns de seus colegas de cátedra, mais interessados em mesquinhas conveniências pessoais, hoje a presidente do STF representa a resistência moralizadora. Enfim, é chegada a hora de o Supremo se portar menos como uma soma de individualidades e mais como um colegiado, guardião da Constituição. Se sobreviver, a democracia agradecerá.
(...)
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