Ainda que a
Primeira Turma do Supremo fosse formada por cinco Thêmises — plural e
alusão a Themis, a deusa da Justiça —, alguém acredita que uma delas
teria a coragem, nos dias que correm, de recusar a denúncia contra o
tucano Aécio Neves?
Bem, corrijo o raciocínio: houvesse ao menos uma
Thêmis, sim! Mas todos por ali são humanos, demasiadamente humanos. Como
é mesmo? Recusar a denúncia contra Aécio Neves, ex-presidente nacional
do PSDB, dez dias depois da prisão de Lula? Ah, meus caros, eis um
evento incompatível com estes tempos. A denúncia
contra o tucano por corrupção passiva foi aceita por cinco votos a zero
na Primeira Turma: Marco Aurélio, Rosa Weber, Roberto Barroso, Luiz Fux
e Alexandre de Moraes. A outra imputação, obstrução da investigação,
contou apenas com um voto divergente: o de Moraes. Os outros todos
disseram “sim”.
Comecemos
por esta segunda. Atravessou-se um novo umbral. Um parlamentar estará
tentando obstruir a investigação — em tese ao menos; há de virar réu por
isso — sempre que vier a púbico a informação de que ele tentou aprovar
um projeto que não é do interesse do Ministério Púbico Federal, da
Polícia Federal e de setores do Judiciário — essas forças que chamo
“Partido da Polícia". Notem:
essa imputação, em si, não está relacionada à outra, de corrupção
passiva. Aécio debatia um projeto que muda a lei que pune abuso de
autoridade. Fez digressões sobre nomeações da Polícia Federal. Não mais
do que isso. São atividades próprias a um parlamentar. Chamar a isso de
“crime”, ainda que indício dele, a justificar que alguém se torne réu,
significa criminalizar a própria atividade política e é próprio do clima
de terror destes tempos. A ser assim, feche-se, então, o Congresso
Nacional.
Os
respectivos votos de Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber não me
surpreenderam. A minha certeza que diriam “sim” ao conjunto da obra do
Ministério Púbico era absoluta. E, creio eu, a de Aécio Também. Já a
posição de Marco Aurélio, confesso, parece ir contra a sua atuação
histórica no Supremo, que tem sido, em regra, avessa a que o Judiciário
legisle. E, pois, dela deveria se depreender que também repudie que se
tente cassar de um parlamentar o direito de se articular para aprovar ou
rejeitar instrumentos legislativos. E o projeto de lei é um deles. Não está
dada, nesse caso, nem mesmo a plasticidade de um possível crime, que é
coisa distinta do seu cometimento. Plasticidade que aparece, sim, no
pedido de R$ 2 milhões que fez o parlamentar a Joesley Batista, com
posterior entrega dos recursos.
Todos têm o
direito de desconfiar de que um político não pede dinheiro a um
empresário e de que este não cede ao apelo em troca de nada. Bem, a
razão do segundo ato, convenham, nós sabemos: Joesley já tinha combinado
a ação com o MPF, e a Polícia Federal já tinha sido acionada, numa
operação supervisionada por Edson Fachin. Que o
senador, ao fazer a solicitação, afirme precisar do dinheiro para pagar
advogados, isso é fato que integra os próprios autos. Que Andrea Neves
tenha proposto a venda do apartamento da mãe, no Rio, a Joesley, também.
Ocorre que esse outro fato não foi incluído no suposto conjunto
probatório da denúncia porque ele atrapalha a narrativa do MPF.
Um fato
inquestionável: não há a menor evidência de contrapartida oferecida por
Aécio a Joesley em razão do cargo que ocupa, como exige o “caput” do
Artigo 317 do Código Penal para que um agente público possa ser acusado
de corrupção passiva. Se todo o mundo democrático consagra o princípio
da presunção da inocência — que requer que o acusador apresente a prova
da acusação que faz —, o Brasil deu um salto e passou a consagrar a
presunção de culpa: na prática, Aécio e qualquer brasileiro, não só os
políticos, terão agora de apresentar em juízo as provas de que não
fizeram aquilo que lhes imputam, ainda que a acusação sustente o
contrário apenas com base na convicção. Faz sentido o réu ter de produzir as provas negativas contra a convicção de quem acusa e de quem julga? A resposta é “não”.
Blog do Reinaldo Azevedo
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