Nenhum dos 11 magistrados que participaram da solene sessão que desaguou no pedido de encarceramento de Lula sabe dizer exatamente a razão pela qual a Suprema Corte voltou a discutir a prisão em segunda instância, justamente nesse momento, menos de dois anos após o colegiado firmar entendimento sobre o tema. Como indagou o ministro Barroso, referindo-se a oscilação jurisprudencial: “mudar para quê? Pior, mudar para quem?”. Não há argumento convincente que não o do mero casuísmo, atendendo às necessidades de um ex-presidente que se encontra no cadafalso do rigor penal por crime de corrupção. É fato sacramentado nessas paragens: o nome de capa nos processos pesa.
Prevalece o prestígio e aparato legal do “paciente”. Vigora, sem sombra de dúvidas, o arbítrio de quem pode mais, a reforçar as distâncias abissais de tratamento judicial entre os que se encontram no andar de cima e os do andar de baixo da pirâmide social. Simples assim. As disfunções do sistema judicial são por demais conhecidas do grande público. A rotina do batedor de carteira, do ladrão de galinhas, do garoto flagrado com 100 gramas de droga é cadeia na certa – lugar onde majoritariamente mofam sem chances, sequer pecuniárias, de frequentar as várias instâncias de apelação. Já para aqueles condenados abonados, de dinheiro farto, capazes de bancar bons advogados, e para os poderosos influentes, a vida segue sem punições por anos a fio, na base dos embargos infringentes, declaratórios, protelatórios e quetais. Os verdadeiros bandidos do Brasil, cujas abomináveis práticas de desvios públicos e privados colocam de joelhos uma nação inteira, quase nunca ou nunca são presos. O sistema estimula o avanço acelerado do contingente de ricos delinquentes por aqui.
A ecoar, mais uma vez, a histórica defesa do magistrado Barroso, o que se tem no Brasil não é a sensação de impunidade, é a própria impunidade em si, com efeitos devastadoramente negativos. É bem verdade que a primeira prisão por delito de um ex-presidente brasileiro denota um ponto de inflexão importante. Pode estar aberto o caminho para a retomada da credibilidade e dignidade da Justiça junto à população. Um sistema legal que estimula a obstinação procrastinatória dos condenados faz as pessoas acreditarem que o crime compensa. A expectativa e o desejo da sociedade é que a detenção de Lula puxe ainda mais a fila de malfeitores do colarinho branco para as cadeias, onde é seu lugar. Lamentavelmente, no que se refere ao chefão petista, pode ser por pouco tempo. Há uma tropa de choque suprema, claramente inconformada com o resultado, que ainda tenta brechas para de novo ressuscitar a discussão do ordenamento jurídico em vigor, embora o tema já tenha sido votado por três vezes nos últimos tempos. [só que essa tropa suprema precisa ter em conta o repúdio do povo à impunidade, repúdio que foi corroborado em declaração pública do Comandante do Exército Brasileiro. Portanto... .] O relator das chamadas ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade), Marco Aurélio Mello, promete botar o País mais uma vez em desassossego, requisitando à plenária do STF a votação de uma liminar neste sentido. E mais: ameaça, abertamente, a desobediência aos preceitos estabelecidos no colegiado quando for avaliar os processos sob seus cuidados. Cabe aqui a questão: pode um ministro, vencido na sua arguição pelo voto dos demais, simplesmente se postar contra a orientação da maioria? Não deveria. [conveniente considerar que no momento em que a pergunta acima tiver um SIM como resposta, estará desmontado, estraçalhado, pisoteado, sepultado. o 'estado democrático de direito', a 'ordem constituída' e o único remédio eficaz será as FF AA, capitaneadas pelo Glorioso Exército Brasileiro, repudiarem tal 'estado de bagunça e de impunidade' e restabelecerem a ORDEM PÚBLICA e o respeito às leis e às instituições, o que implicará me medidas drásticas contra o supremo ministro rebelde e a própria instituição que o abriga.
A ação das FORÇAS ARMADAS não será mais uma opção e sim um DEVER, uma OBRIGAÇÃO, uma MISSÃO.] É o que gera insegurança jurídica. O STF tem como missão fundamental uniformizar o entendimento geral. Mas a imprevisibilidade segue como tônica naquela Corte. Por conta disso, juízes de tribunais inferiores são induzidos a tomar decisões levados quase que pelas próprias convicções. O que podem fazer se as regras seguem cambiantes por força das interpretações de veneta de vossas excelências?
Observe-se, por exemplo, o comportamento do ministro Gilmar Mendes que ora advoga pela prisão em segunda instância, ora a abomina por provocar o que chama de “onda de neopunitivismo”. Gilmar Mendes se sente admoestado pela imprensa. Diz que a “mídia é opressiva” e atribui a ela a responsabilidade por ser perseguido nas ruas por cidadãos que reclamam da impunidade. Não são seus atos o motivo de tamanha impopularidade.
Da mesma maneira, no seu entender, não é abusiva a permissividade que se estabelece com os recursos em cascata, misturando presunção de inocência e punição. A Lei não diz que “ninguém pode ser preso antes do trânsito em julgado”. Ela aponta que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado”. Coisas bem diferentes. Desde 1941, incluindo o período da Constituinte de 1988, vem sendo adotada a prisão em segunda instância. A interpretação contrária só vigorou no curto espaço de tempo entre 2009 e 2016. A singularidade brasileira quanto ao critério do trânsito em julgado não impede, decerto, o cumprimento de pena. Mas alguns magistrados insistem em rever esse preceito. Por que agora? Com qual objetivo?
Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três
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