Em sessão que se arrastou por quase 11 horas e terminou no início da madrugada desta quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal empurrou Lula para a porta da cela.
Por 6 votos a 5, o pedido do ex-presidente para não ser preso foi negado. Nos próximos dias, o condenado ilustre será passado na tranca por ordem de Sergio Moro. Mas o fato histórico não eliminou o risco de a Suprema Corte atravessar no caminho da Lava Jato uma decisão tóxica, modificando a jurisprudência que autorizou a prisão de condenados na segunda instância. Quer dizer: não se sabe até quando Lula ficará atrás das grades. E os corruptos continuam enxergando no Supremo uma janela de oportunidades.
Visto de
longe, filtrado pelas lentes da TV Justiça, o Supremo é um lugar de aparência
incompreensível. No seu plenário, os homens vestem panos negros que se parecem
com saias. E não se dão ao trabalho nem de puxar as próprias cadeiras. Há um
grupo de servidores remunerados para acomodar-lhes o assento sob os glúteos.
Observado de perto, porém, o Supremo dos dias atuais se parece muito com um
armazém de quinta instância. Em 2009, decidiu afixar um cartaz na parede: “Não
prendemos na segunda instância”. Em 2016, sob administração seminova, optou por
colocar uma folhinha tapando o “não. Dos 11 atendentes que ficam atrás do
balcão, cinco discordaram da novidade.
– Via Nani.
Desde
então, o que deveria ser uma nova jurisprudência do armazém tornou-se uma toga
justa. Uma ala se recusa a fornecer habeas corpus à clientela condenada no
segundo grau. Outra banda deixa escorregar a folhinha que encobre o “não”. E
fornece de tudo aos encrencados —de refresco a alvarás de soltura. Os adeptos
da política de celas vazias mandam soltar por convicção pessoal (Celso de Mello
e Marco Aurélio Mello) ou por afinidade (Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e
Dias Toffoli). Para azar do PT, há entre os dois grupos uma magistrada de mostruário: Rosa
Weber. Embora discorde da prisão em segunda instância, Rosa se nega a soltar os
presos. Rosa
aderiu à tranca por deferência à decisão majoritária e para colocar ordem no
armazém. Foi graças ao voto de Rosa que Lula se tornou um quase-presidiário.
Paradoxalmente, é o voto da mesma Rosa que pode devolver a liberdade a Lula e a
outros corruptos com o selo da segunda instância —gente como Eduardo Cunha, por
exemplo. Por quê? Ao manifestar sua posição, a ministra deixou claro que negou
o habeas corpus a Lula em respeito à jurisprudência aprovada pelo colegiado em
2016. Porém…
Porém,
Rosa deixou em aberto a hipótese de rediscutir a regra da prisão quando
chegarem ao plenário do armazém as duas ações que questionam a
constitucionalidade do encarceramento antes de esgotadas todas as possibilidades
de recurso nas quatro instâncias do Judiciário, incluindo o STJ e o STF.
Relator dessas ações, Marco Aurélio Mello ficou inconformado. Ele acha que
Cármen Lúcia, a presidente da birosca, fez uma gambiarra escancarada ao pautar
a apreciação do habeas corpus de Lula na frente do julgamento das ações que
tratam genericamente da prisão em segunda instância. Disse que a manobra
produziu uma vitória da forma sobre o mérito.
A
atmosfera de armazém vai se radicalizar. Marco Aurélio declarou que continuará
ignorando a folhinha que recobre o “não”. Gilmar Mendes, que votara a favor da
execução abreviada das penas em 2016 e deu meia-volta, declarou que também
continuará soltando presos quando achar que é o caso. Vai crescer a pressão
para que Cármen Lúcia paute o julgamento das ações relatadas por Marco Aurélio.
Algo que ela se recusa a fazer. O diabo é que a partir de setembro a birosca
estará sob nova administração. Será alçado à poltrona de presidente o ministro
Dias Toffoli, um defensor da tese segundo a qual as prisões deveriam ser
executadas não na segunda, mas na terceira instância (STJ). Ali, com bons
advogados, um criminoso endinheirado pode retardar a cana por uma década. Com
sorte, obtém a prescrição dos crimes.
Na
hipótese de Cármen Lúcia resistir às pressões por mais seis meses, Toffoli não
hesitará em pautar o julgamento das ações anti-prisão nos primeiros dias de sua
presidência, em setembro. Assim, a menos que Rosa mude de opinião até lá, o
Brasil vai continuar sob o risco de ter de atrasar o relógio para retornar a um
passado pré-Lava Jato. Uma época em que os escândalos não davam em nada. Um
tempo em que o brasileiro estava acostumado a viver no vácuo moral. Um período
em que a investigação completa e a punição certa de qualquer crime de corrupção
era uma coisa até meio, digamos, antinatural. O ministro Luís Roberto Barroso
definiu esse pretérito que ainda não passou como ''paraíso de corruptos.''
Blog do Josias de Souza
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