As condições encontradas nesses imóveis não são muito diferentes das que levaram ao incêndio e à queda do Edifício Wilton Paes de Almeida, em São Paulo
Sabe-se
que o Rio, assim como todo o país, tem um déficit habitacional crônico —
somente na Região Metropolitana, a demanda é de pelo menos 340 mil moradias,
segundo dados da Pnad/IBGE compilados pela Fundação João Pinheiro. Da mesma
forma, é de conhecimento público o estrago causado pelo tráfico de drogas no
cotidiano da população fluminense. Por isso, não é difícil imaginar o tamanho
da dor de cabeça quando esses dois problemas se juntam. É o que está
acontecendo no coração da cidade, à vista de todos. Como mostrou reportagem do
GLOBO, publicada no último domingo, quadrilhas de traficantes já controlam
casarões ocupados por famílias de sem-teto no Centro. Essas construções
passaram a funcionar como bocas de fumo, numa espécie de posto avançado dos
negócios do tráfico, o chamado “estica”.
Diferentemente
do que ocorre nas comunidades, onde bandidos se aproveitam da topografia local
e do espaço público desordenado para estabelecerem suas trincheiras, essas
bocas estão instaladas na cidade formal. Uma das ocupações, por exemplo, está
localizada numa vila da Rua do Lavradio, na Lapa, região boêmia da cidade,
frequentada por uma multidão todas as noites. Bem ao lado do Tribunal Regional
do Trabalho, perto de duas delegacias policiais e de um Ciep. Os
“proprietários”, no caso, são traficantes do Morro dos Prazeres, em Santa
Teresa, que escolhem quem pode ou não morar nos imóveis invadidos. Policiais da
5ª DP (Mem de Sá) alegam que já prenderam mais de 80 pessoas no local e
recorrem à surrada expressão de “enxugar gelo” para traduzir as ações de
repressão ao comércio de drogas.
Essas
bocas, em que maconha, cocaína e crack são vendidos livremente, às vezes com
fila na porta, se estendem ao entorno de cartões-postais do Rio. Um dos
casarões do tráfico fica na Rua Joaquim Silva, próximo aos Arcos da Lapa e à
escadaria Selarón. Controlada por traficantes do Morro do Fallet, em Santa
Teresa, a venda de drogas no local envolve adolescentes e até crianças. Em geral,
as condições encontradas nesses casarões não são muito diferentes daquelas que
levaram ao incêndio e à queda do Edifício Wilton Paes de Almeida, no Centro de
São Paulo, na madrugada de 1º de maio. Moradores explorados por ditos
movimentos de sem-teto, prédios com fiações expostas, feitas ilegalmente,
acúmulo de material inflamável como madeira e papelão, inexistência de sistemas
contra incêndio etc. E com um agravante: agora tendo o tráfico como síndico.
Na
verdade, essa situação é fruto da desordem, do desleixo com as ocupações, da
vista grossa para “movimentos sociais" que exploram a miséria e da
ineficácia do poder público na busca de soluções para a falta de moradia.
Projetos como a demolição do antigo prédio do IBGE, na Mangueira — que chegou a
ser ocupado pelo tráfico — para dar lugar a um conjunto habitacional estão no
caminho certo, mas ainda são incipientes. Era preciso transformar a exceção em
regra.
Editorial - O Globo
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