Judiciário e Ministério Público não são recicláveis, nem existem para substituir a política
A
situação do STF é irremediável. Em parte, por culpa própria: não faz o que deve
– como decidir, finalmente, sobre o pagamento de auxílio-moradia para juízes e
procuradores, que são hoje “a” corporação mandando no Brasil. Ou julgar,
finalmente, se é mandatório encarcerar depois de condenação em segunda
instância. Em parte, a situação é irremediável por ser o STF um espelho fiel do
emaranhado impasse da crise política, cuja maior expressão de gravidade é a
impossibilidade de se vislumbrar uma saída.
O STF
virou o grande templo da insegurança jurídica por ter se transformado há
bastante tempo numa esfera de embate político, que permite até vislumbrar
“facções” em torno de um eixo de contencioso. O eixo é a ordem jurídica dentro
da qual se dá a Lava Jato, entendida aqui como um fenômeno de enorme
abrangência e apenas em segundo plano como uma questão de respeito ou não a
normas legais (drama traduzido no bordão que se tornou tão popular: “juiz bom
prende, juiz mau solta”). Como
instituição, conseguiu manobrar-se na pior posição possível: a de que a Justiça
tarda e falha, que poderosos ali encontram confortável acolhida, e que
corruptos são beneficiados por liminares e o volta-atrás em entendimentos (como
a prisão após a segunda instância) que pareciam já consagrados. Não estou
dizendo que os fatos do ponto de vista técnico necessariamente suportam essa
percepção, mas ela se consagrou.
Estou
sendo condescendente e retirando na avaliação da atuação do STF as lealdades
políticas dos ministros, as preferências pessoais, as vaidades, a falta de
preparo técnico e a ausência de escrúpulos por parte de alguns. Se o prezado
leitor acha que é isto que explica as decisões ou não decisões do STF, adianto
que mesmo crápulas contumazes são parte voluntária ou involuntariamente de um
jogo político, no qual vou me concentrar.
A
narrativa que impera hoje na sociedade brasileira é a de que a corrupção é o
problema central, e que tudo o mais se resolve a partir do combate aos
corruptos. Cujo completo domínio da esfera do sistema político-partidário – ao
mesmo tempo resultado e causa da atuação dos políticos – justifica a sua
destruição. E encarregada dessa destruição, com feroz apoio popular, é “a”
corporação.
Incapaz
de definir o jogo, ou de deslocá-lo para um outro eixo de debate, a instância
política foi substituída, para efeito de grandes decisões, pela política no STF
(que cuida hoje até de tabela de frete). Composto por donos e donas de cargo
vitalício que, mesmo se fossem 11 santos iluminados, por definição jamais
conseguiriam dar as respostas que sociedades organizadas em sistemas democráticos
precisam que venham do sistema que, no Brasil, imensa maioria combinou odiar: o
sistema político.
Ocorre
que “o barro é esse”, expressão atribuída a Teotonio Vilela, nome de Alagoas
que virou referência no processo político de redemocratização na saída do
regime militar – época na qual o Brasil, num espelho distante dos tempos
atuais, também queria se rearrumar. O material para fazer/refazer/renascer o
País é composto pelos políticos e seus eleitores que estão aí, ou que querem
entrar na política, pelo Congresso que existe, e que pode ser
renovado/reciclado, e pelos partidos e movimentos políticos que podem ser
fundados ou refeitos. Essa é a
diferença fundamental entre o jogo da política e a política na qual está
envolvida “a” corporação que manda hoje no Brasil. Apesar do descrédito com que
se encara a política no Brasil, ela é por definição reciclável. O Judiciário e
o Ministério Público não são, nem existem para substituir a política, que não
se verifica em termos ideais em parte alguma do planeta.
Podemos
não gostar, mas o barro é esse.
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