Militar atestou que barqueiro se enforcou na prisão
O
Ministério Público Federal (MPF) denunciou à Justiça Federal um médico suspeito
de adulterar o laudo cadavérico da primeira vítima no cárcere da guerrilha
do Araguaia, durante a ditadura militar. Hoje militar reformado do
Exército, Manoel Fabiano Cardoso da Costa atuava como médico legista na região
da guerrilha, mais especificamente em Xambioá (TO). O MPF acusou o
militar de falsificar o laudo da morte do barqueiro Lourival Moura Paulino, de
forma a sustentar a versão – falsa, segundo o MPF – de que Lourival se enforcou
na prisão.
O
barqueiro foi sequestrado e preso ilegalmente em maio de 1972, em razão de ter
transportado guerrilheiros naquele ano. Lourival morreu após ter sido torturado
no cárcere por dois policiais militares do Estado de Goiás que agiam em auxílio
às Forças Armadas, como consta na denúncia. São os mesmos policiais – já
falecidos – que prenderam Lourival. Manoel Fabiano assinou um laudo cadavérico
que encobriu a tortura e o assassinato, com o falso registro de que se tratou
de um suicídio, conforme a denúncia do MPF. A
acusação foi protocolada no fim da tarde desta quinta-feira na 1ª Vara Federal
de Araguaína (TO). O documento é assinado por nove procuradores da República,
integrantes da força-tarefa que investiga os crimes cometidos durante a
guerrilha do Araguaia. A força-tarefa está ligada à Câmara Criminal, um
colegiado que funciona no âmbito da Procuradoria Geral da República (PGR).
Esta é a quarta denúncia apresentada pelo grupo desde 2012. É a primeira que não trata de um agente da repressão diretamente relacionado a sequestro, tortura ou morte de guerrilheiros. O Estado brasileiro reconheceu oficialmente o desaparecimento forçado de 62 pessoas na guerrilha. O barqueiro Lourival é um deles. A guerrilha do Araguaia foi um movimento encabeçado por militantes do PCdoB, que se instalaram nas proximidades do Rio Araguaia com a finalidade promover um levante rural contra a ditadura militar iniciada em 1964. Foi duramente reprimido pelas Forças Armadas.
Esta é a quarta denúncia apresentada pelo grupo desde 2012. É a primeira que não trata de um agente da repressão diretamente relacionado a sequestro, tortura ou morte de guerrilheiros. O Estado brasileiro reconheceu oficialmente o desaparecimento forçado de 62 pessoas na guerrilha. O barqueiro Lourival é um deles. A guerrilha do Araguaia foi um movimento encabeçado por militantes do PCdoB, que se instalaram nas proximidades do Rio Araguaia com a finalidade promover um levante rural contra a ditadura militar iniciada em 1964. Foi duramente reprimido pelas Forças Armadas.
O suposto
crime cometido por Manoel Fabiano ocorreu na madrugada de 22 de maio de 1972,
dentro da delegacia de polícia de Xambioá. O médico do Exército, ao falsificar
o laudo cadavérico, buscou “assegurar a ocultação e a impunidade do crime de
homicídio” cometido pelos PMs que prenderam Lourival. São eles: Carlos Teixeira
Marra e Manoel Barbosa Abreu. Os dois já morreram. “O
denunciado e os policiais militares, em concurso de vontades, simularam o
suposto suicídio de Lourival, sustentando a versão de que ele teria se
suicidado com a corda da rede em que dormia, tendo Manoel Fabiano, na condição
de perito nomeado e médico-legista, omitido em documento público declaração que
dele devia constar e nele inserido declaração falsa, diversa da que deveria
constar no auto de exame cadavérico”, registra a denúncia protocolada na
Justiça Federal no Tocantins.
O MPF
denunciou o militar reformado, que atuaria no Pará, por falsidade ideológica. A
pena de prisão é de um a cinco anos, mas os procuradores da República pedem
diversos aumentos de pena: por ser funcionário público, por ter se tratado de
motivo torpe, por ter sido uma prática para assegurar a ocultação de outro
crime e por abuso de poder, como consta na denúncia. O MPF pede ainda que o
militar reformado perca o cargo e a aposentadoria. Até condecorações devem ser
cassadas, segundo a acusação. Lourival
era paraense e vivia em Xambioá com a mulher e um filho adolescente. Ele era
pai de mais quatro filhos. A prisão ilegal dele ocorreu em Marabá (PA),
conforme a investigação feita pela Comissão Nacional da Verdade. De lá, foi
levado para Xambioá.
O
primeiro a relatar a morte do barqueiro foi o petista José Genoíno Neto, um dos
guerrilheiros do Araguaia que sobreviveram às ações das Forças Armadas. O MPF
ouviu o depoimento do filho de Lourival, Ruiderval Miranda Moura, que fez o
seguinte relato sobre a prisão do pai: “Ele estava mancando e eu acompanhei de
longe o percurso do meu pai até a delegacia. Minha mãe não queria, mas eu fui
atrás e percebi que ele quase caiu uma hora e os caras seguraram. Então quer
dizer, isso era sinal que meu pai estava bem machucado.”
Ruiderval
disse não ter notado qualquer indício de que o pai se suicidaria. “Nunca deu
sinais de que poderia cometer suicídio, mas percebia que ele temia ser
assassinado.” O então adolescente foi levado à delegacia após o suposto
suicídio: “Quando eu entrei na cela, eu vi a corda dependurada na rede. Quando
eu puxei a porta, eu vi o corpo dele. Ele tava de cueca, quase com o joelho
encostado no chão. Ele estava muito machucado. Apresentava muitas marcas
vermelhas nas pernas, nas costelas, no rosto e no pescoço. A gente percebia
nitidamente que bateram muito nele.”
O filho
de Lourival apontou ainda que a corda que sustentava o corpo não era a mesma
levada junto com a rede. Outras testemunhas, que participaram do velório,
relataram marcas nos pés e nas mãos, “como se tivesse sido amarrado”, e na
cabeça, “como se tivesse sido presa em algum tipo de aparelho”. Um documento
oficial das Forças Armadas, citado na denúncia, menciona que Lourival “morreu,
de fato, por afogamento”. O laudo
cadavérico foi feito na madrugada, “com o cadáver já vestido”, como consta na
denúncia. Os procuradores da República apontam diversas contradições no
depoimento dado por Manoel Fabiano ao longo das investigações. Ele deixou de
registrar no laudo qualquer informação sobre as marcas da tortura. Aos
procuradores da República, Manoel Fabiano fez a seguinte afirmação: “Fiz a
análise do corpo em óbito, identifiquei que era estrangulamento, por causa da
posição e das lesões no pescoço. É um exame muito superficial que se faz e lá,
por exemplo, era um lugar mal iluminado.” O militar acrescentou: “O local era
escuro. Dentro do local onde estava o corpo. Isso é o que recordo, que tive
dificuldade, precisei pegar lanterna para examinar.”
O
denunciado negou ter visto sinais de tortura: “Dentro das minhas possibilidades
e conhecimento médico, eu teria que lançar se tivesse visto qualquer outra
lesão.” A corda já não estava no pescoço de Lourival, segundo Manoel Fabiano. O
médico não encontrou a corda nem a analisou, segundo depôs ao MPF. Para os
procuradores da República, a análise da corda seria “imprescindível para as
aferições técnicas necessárias a subsidiar a conclusão do laudo”. [com essa abundância de falta de provas e o 'testemunho idôneo' do '
Zé Genoíno, ex-guerrilheiro e ex-'guerreiro do povo brasileiro' será mais denúncia do MP rejeitada por falta de provas.]'
Zé Genoíno, ex-guerrilheiro e ex-'guerreiro do povo brasileiro' será mais denúncia do MP rejeitada por falta de provas.]'
A
denúncia conclui que Manoel Fabiano objetivou dissimular a verdadeira causa da
morte de Lourival. “O fato de ser oficial do Exército Brasileiro, bem como as
circunstâncias do caso, permitem afirmar que o denunciado, de fato, tinha plena
ciência da falsidade das informações por ele lançadas no laudo de exame
cadavérico.”
A
reportagem do GLOBO tenta localizar o militar reformado, para ouvir a posição
dele sobre a denúncia do MPF.
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