O Judiciário está derretendo e, na confusão, a cadeia de Curitiba tornou-se um lugar seguro para ‘Nosso Guia’
Olhando-se
para o Judiciário a partir do balcão da lanchonete da rodoviária, as coisas
estão assim: Marcelo Bretas prende, e Gilmar Mendes solta; Rogério Favreto
solta, e Gebran Neto prende. Isso numa época em que juízes ganham um
auxílio-moradia de R$ 4,3 mil mensais. A discussão do mimo chegou ao Supremo
Tribunal, o ministro Luiz Fux matou no peito e reteve a decisão.
Faltam
menos de três meses para a eleição presidencial, e a barafunda do Judiciário
deu a Lula um impulso inesperado. Tudo indica que sua candidatura será
impugnada, mas ele poderá ungir o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad ou o
ex-governador da Bahia Jaques Wagner, como ungiu Dilma Rousseff. “Nosso
Guia” (expressão criada pelo embaixador Celso Amorim) tem ao mesmo tempo um
alto número de pessoas dispostas a votar nele, mas também é alto o nível de sua
rejeição. O circo de domingo transformou a cadeia de Curitiba numa câmara de
proteção para Lula.
Enquanto ele
estiver preso, os outros terão a liberdade de fazer besteiras, da greve dos
caminhoneiros ao prende-solta dos magistrados. Guardadas as proporções e
ressalvados os aspectos legais, a carceragem da Polícia Federal está para Lula
assim como a solidão de São Borja esteve para Getúlio Vargas em 1950. O
ex-presidente firmou-se no papel de vítima, e esse é o que melhor desempenha.
Ficam duas perguntas: qual a sua capacidade transferir simpatias? E o que
poderá fazer para reduzir as antipatias?
Dado o
desempenho do governo de Michel Temer, a transferência de simpatias será
considerável. A redução da antipatia será tarefa mais complicada, sobretudo
porque Lula, o PT, Fernando Haddad e Jaques Wagner nunca fizeram um milímetro
de autocrítica diante das malfeitorias praticadas nos seus dez anos de poder. Tudo bem,
mas autocrítica não é uma mercadoria abundante no plantel dos candidatos.
Bolsonaro marcha garbosamente com o DOI na mochila. Ciro Gomes apresenta-se
como o novo a partir de práticas capazes de fazer corar os velhos coronéis
nordestinos. Geraldo Alckmin tem sobre a cabeça a nuvem dos cartéis de
empreiteiros cevados nas gestões tucanas de São Paulo. Henrique Meirelles é
ex-presidente do conselho da J&F, dos irmãos Batista. Finalmente, Marina
Silva honra a plateia com sua austeridade e sonoros silêncios.
Nenhum desses
candidatos traz consigo o risco do aparelhamento da máquina do Estado por
quadros semelhantes aos do comissariado petista. Em troca, Ciro Gomes
aproxima-se do DEM, Bolsonaro flerta com o PR de Valdemar Costa Neto e
Meirelles está no PMDB, presidido pelo senador Romero Jucá. Salva-se Marina,
sem os pés no aparelho tradicional. Em 2002,
Lula driblou seus adversários com a “Carta aos Brasileiros”. Foi uma guinada em
relação ao que dissera em questões econômicas. Uma “Carta aos Brasileiros 2.0”
tentará enxaguar a roupa suja petista, convertendo em neutralidade a antipatia
pelo comissariado e somando-a à simpatia que Lula amealhou pelo que fez e pelo
que lhe fazem. (Antonio Palocci, o autor da Carta 1.0, está na cadeia.)
Em 1950,
como prometera, o ditador voltou ao poder como “líder de massas”. Em 2018, um
ex-presidente preso por corrupção poderá vir a ser o grande eleitor num pleito
em que o eleitorado coloca o combate às roubalheiras como uma das prioridades
nacionais.
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