O empresário Eike Batista escolheu ficar em silêncio na maioria das
perguntas feitas pelo juiz Marcelo Bretas. Algumas, eles respondia.
“Emprestou algum avião a ele?” “Emprestei sim excelência. Na época eu
tinha três aviões, e as pessoas sabiam que meus aviões estavam parados e
as pessoas têm liberdade de falar me empresta o avião, e é difícil você
dizer não a um governador”.
Não foi apenas o avião. O aparelho é um detalhe que mostra, segundo
Bretas, a intimidade entre os dois. Como, evidentemente, não eram todas
as pessoas que podiam dizer ao poderoso Eike Batista “me empresta seu
avião”, essa liberdade que Sérgio Cabral usava decorria do fato de ser
governador. Se fosse só isso seria já indecoroso. Mas houve muitos mais,
segundo sustentou o juiz em sua sentença. Ele cita por exemplo um dos
pagamentos de propina de US$ 16 milhões ao ex-governador. Quem comprovou
isso foram os doleiros que fizeram a delação, Marcelo e Renato Chebar. O
pagamento foi feito por meio de contrato fictício da empresa Golden
Rock Foundation.
Essa empresa, Golden Rock, foi a mesma que pagou a Mônica Moura,
mulher de João Santana. Quando foi feita a busca e apreensão na casa de
Eike Batista, foi encontrado um documento em que havia a transferência
da Golden Rock para a Arcádia e uma anotação “Renato”. Como Renato era
um dos irmãos Chebar, Sérgio Cabral chamou o doleiro e disse que o
documento havia sido encontrado e “podia dar problema”. Quem contou foi o
Renato em sua delação. Nem ele nem seu irmão Marcelo sabiam a origem do
dinheiro, mas acham que só pode ser dinheiro sujo já que foram
contratados para fazer o “branqueamento” dos recursos.
Por aí vai a história de Eike Batista, ontem condenado a 30 anos de
prisão. Um avião emprestado. Aliás, várias vezes. O pagamento indevido
ao governador, e usando o canal dos doleiros para lavar o dinheiro. Um
contrato cheio de empresas falsas e prestação de consultoria fictícia
para justificar o tal depósito na Arcádia. Histórias fantasiosas como
uma mina que seria comprada. Como sempre, nestes casos de corrupção, os
caminhos são tortuosos, múltiplos e difíceis de serem desvendados.
E o ato de ofício? O que fez o governador Sérgio Cabral em troca do
dinheiro e dos favores? Bretas recorre ao que disse o então ministro
Sepúlveda Pertence no julgamento do Collor. Pertence lembrou que pelo
artigo 317 do Código Penal basta “a dádiva e a promessa de vantagem”
porque elas são feitas “na expectativa de uma conduta própria do
ocupante da função pública”. Mas ao longo do seu governo não foram
poucos os benefícios obtidos pelo empresário.
Sérgio Cabral tem optado por falar bastante e negar quase tudo. Disse
por exemplo que recebeu R$ 29 milhões de Eike Batista mas era só para a
campanha eleitoral, pelo caixa 2. “Eu gastei quase a totalidade dos
recursos de caixa 2 com campanhas eleitorais”, disse Sérgio Cabral.
Isso, segundo o juiz, desafia a lógica, porque o dinheiro foi pago mais
de um ano depois das eleições. A sentença do juiz Marcelo Bretas de ontem foi mais uma das várias
que já pesam sobre Sérgio Cabral e seus assessores diretos. Mas é a
primeira condenação de Eike Batista. Ele vai recorrer e há um longo
caminho antes que vá para a prisão, se a sentença for confirmada.
A grande questão é como usar toda essa enorme infelicidade vivida
pelo país — de ter estado exposto às relações tão promíscuas entre
autoridades e empresários — para construir barreiras que impeçam a
repetição de tudo isso. Eike Batista tinha tudo: dinheiro, talento, tino
para os negócios, capacidade empreendedora, ousadia. Sérgio Cabral
tinha muito: uma carreira política em ascensão, um eleitorado fiel,
capacidade administrativa. Um podia ajudar a modernizar o capitalismo
brasileiro, o outro poderia ser um expoente de uma nova geração de
políticos. Preferiram se imiscuir em sujeiras, em negociatas, em um
mundo de sombras. Hoje, um deles está preso e condenado em vários
processos, o outro foi preso e solto, teve seu passaporte apreendido e
pode voltar para a cadeia. E, por fim, o que é mais trágico, o Rio ainda
paga um alto preço pelo descaminho escolhido pelas suas lideranças.
Blog da Miriam Leitão - com Alvaro Gribel, de São Paulo - O Globo
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