Os R$ 5,13 trilhões devidos pelo governo correspondiam em maio a 77% do valor anual do PIB.
Números mostram a urgência e a importância das reformas
Cada um dos 210 milhões de brasileiros devia em maio, mesmo sem saber disso, pouco mais de R$ 24 mil – sua parte na conta de R$ 5,13 trilhões pendurada pelo governo geral. Essa dívida aumenta mês a mês, porque o buraco nas contas oficiais cresce muito mais rapidamente que a população. A lista dos devedores inclui desde bebês ainda no berço até velhinhos centenários. Sem meter a mão no bolso, até porque nem todos têm bolso, cada um já suporta, no dia a dia, os efeitos econômicos da insegurança quanto ao futuro das finanças públicas, agravada neste ano pela incerteza política, pela paralisação da agenda de reformas e por novos maus-tratos impostos aos orçamentos, principalmente ao federal.
Os R$ 5,13 trilhões devidos pelo governo geral correspondiam em maio a 77% do valor anual do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o balanço das contas públicas divulgado pelo Banco Central (BC) na sexta-feira passada. No mês anterior a proporção ainda estava em 75,9%. O avanço do programa de ajustes e reformas permanece “fundamental para a reversão da trajetória ascendente da dívida pública”, havia informado o BC em seu relatório trimestral de inflação, divulgado um dia antes das novas estatísticas fiscais.
A mesma preocupação quanto às finanças do governo aparece na Carta de Conjuntura publicada na quinta-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): “A grande fonte de incerteza na economia brasileira continua sendo a questão fiscal – agravada no momento pela indefinição do quadro eleitoral”. O aumento do déficit público, segundo os autores da Carta, “reflete a pressão das despesas obrigatórias”, puxadas principalmente pelos gastos da Previdência. O efeito desastroso das despesas previdenciárias aparece, mais uma vez, no balanço de maio das contas públicas. Pelos cálculos do BC, o governo central fechou o mês com um déficit primário, isto é, excluídos os juros, de R$ 11,12 bilhões, embora o resultado conjunto do Tesouro e do BC tenha sido um superávit de R$ 3,98 bilhões. Houve saldo negativo porque o buraco de R$ 15,10 bilhões do INSS devorou aquela sobra e poderia ter devorado mais um pouco.
O descompasso entre as contas do INSS e as demais do governo central aparece mais dramaticamente quando se examinam os valores de 12 meses. Nesse período, o sumidouro da Previdência, de R$ 188,72 bilhões, engoliu com muita folga o superávit de R$ 92,05 bilhões acumulado pelo Tesouro e pelo BC. O resultado foi um saldo negativo de R$ 97,39 bilhões nas contas primárias do governo central. Sem sobra nessas contas, o governo é incapaz de pagar os juros vencidos da dívida pública. Os juros se acumulam e, quando incluídos no cálculo, o resultado geral do setor público é um déficit nominal de R$ 480,16 bilhões, equivalente a 7,21% do PIB. Esse conjunto mais amplo inclui também os governos estaduais e municipais e algumas estatais (sem Petrobras e Eletrobras).
Por qualquer critério a condição das contas públicas brasileiras é uma das piores do mundo. O déficit nominal é muito maior que o máximo admitido na União Europeia (3% do PIB) e superior ao da maior parte das economias de renda média. Na Europa, a maioria dos países tem fechado seus balanços fiscais com déficits bem abaixo do teto. Além disso, os governos do mundo rico normalmente conseguem financiar suas dívidas – em alguns casos maiores que a brasileira – com juros muito menores, e até negativos.
No Brasil, o déficit público muito grande, crescente e alimentador de uma dívida em expansão continuada, é um dos principais obstáculos à redução dos juros. Não se baixa o custo dos financiamentos com simples voluntarismo, embora muitos políticos pareçam acreditar nessa possibilidade. Quando o maior tomador de empréstimos é um setor público viciado em gastança e com o orçamento amarrado por despesas obrigatórias, cortar juros é uma tarefa extremamente complicada. Os números mostram a urgência da recuperação fiscal e a importância da pauta de reformas, a começar pela da Previdência.
Editorial - O Estado de S.Paulo
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