A gran famiglia administra o Judiciário mais caro das democracias do mundo pelos meios da baixa política
O Febejapá — Festival de Barbaridades Judiciais que Assolam o País — é nossa
dieta cotidiana de nonsense jurídico, nossa rotina de caradurismo togado. Era
Stanislaw Ponte Preta quem deveria contá-lo, mas ele não pagou para ver nem
viveu para crer. É festival dedicado à magistocracia, à gran famiglia judicial
brasileira, estrato social que não se contenta com pouco: não quer escorregar do
0,1% mais alto da pirâmide social brasileira, nem que para isso precise furar o
teto constitucional, dobrar a lei e acumular auxílios-dignidade livres de
imposto.
A gran famiglia administra o Judiciário mais caro das democracias do mundo
pelos meios da baixa política. Resiste à transparência e reprime os que tentam
arejar a mentalidade magistocrática. Para compensar, entrega ao país o
encarceramento em massa e alimenta o crime organizado, entre outros
penduricalhos. Mas fale baixo, porque a magistocracia tem sensibilidade de seda,
a sensibilidade dos “cocorocas”. Daqui a pouco vai alegar desacato a sua “honra
institucional”, essa ideia pré-liberal que cunhou enquanto se apreciava no
espelho. Se um dia levarmos a sério o combate à corrupção individual, e
sobretudo a institucional, sugeriria começar por aí.
O relato do Febejapá começa tarde e tem um longo passado pela frente. Por
isso, distribuiremos diplomas retroativos. Esse passivo será amortizado em
parcelas. Na semana passada, fomos levados a perguntar: a quantos juízes fora da
lei resiste o estado de direito? Quem souber que nos conte. Talvez já tenhamos
cruzado essa linha vermelha. O juiz Sergio Moro, ciente de que o “quando”
decidir é tão crucial quanto “o que”, tirou às vésperas da eleição o sigilo de
delação que já não tinha valor jurídico. Ainda que autoridades do STF já o
tenham alertado que isso é malcriação, ele insiste. Bem-comportado que é, deverá
pedir “respeitosas escusas” de novo. A ala curitibana do Febejapá tem estilo.
Há outra pergunta mais urgente: com quantos ministros fora da lei se constrói
um STF? A democracia brasileira nunca precisou tanto de um STF forte e
respeitável.
Nos 30 anos da Constituição, nunca houve composição que combinasse tão bem o
senso de auto importância individual e a vocação para o suicídio.
Da presidência da Corte saiu Cármen Lúcia, “a pacificadora”, e tomou posse
Dias Toffoli, “o negociador”. A primeira ressignificou o verbo “pacificar”; o
segundo começou com arte e deixou seu vice, Luiz Fux, suspender liminar de
Lewandowski que permitia a um jornal entrevistar um preso. Faltou nos contar por
que o vice o substituiu.
Não tendo conquistado corações e mentes como juiz, Toffoli resolveu se lançar
como historiador. Escolheu lugar solene para anunciar sua tese: o Salão Nobre da
Faculdade de Direito da USP, sob o olhar de Dom Pedro II. Afirmou que em 1964
não houve nem golpe nem revolução, mas um “movimento”. Chama golpe de movimento
assim como quem chama mandioca de aipim. O ministro tem razão: foi um movimento
de tanques nas ruas, de choques nos porões, de “suicídios” em delegacias. Foi
também um movimento, veja só, de aposentadoria compulsória de ministros do STF e
suspensão do habeas corpus. Eram tempos em que um general não habitava gabinete
do STF a convite de seu presidente.
De Toffoli nunca se esperou coragem moral. Sua trajetória não carrega
vestígios de excelência técnica ou contribuições jurídicas ao bem comum. E isso
não se deve ao fato de ter sido reprovado em dois concursos da magistratura ou à
carência de títulos acadêmicos, critério bacharelesco pelo qual julgaram sua
competência. Foi o único dessa geração que chegou ao tribunal sem outras
credenciais que não a amizade do presidente, pelos serviços prestados ao
partido. Sua reputação foi construída interna corporis, por assim dizer, não na
comunidade jurídica. Mas isso importa menos.
Em vez de reinterpretar a história, ofício para o qual demonstrou não ter
vocação nem método, pede-se a ele apenas que interprete a Constituição. E aí
Toffoli não está sozinho: mais grave que o revisionismo histórico toffolino é o
revisionismo constitucional do STF. Ao contrário de outros revisionismos, que
questionam uma interpretação consolidada e propõem uma alternativa no lugar, o
revisionismo constitucional do STF não põe nada no lugar. Ou pior: põe uma coisa
num dia e depois muda de ideia, a depender da conjuntura.
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