Bolsonaro não chamou institucionalmente os partidos para conversar
Os
partidos políticos perderam a conexão com o eleitor e estão desmoralizados,
enfraquecidos, impopulares. O que menos se viu na recente campanha foram as
siglas, varridas da propaganda na TV, exibidas em letras minúsculas onde havia
exigência legal. Do ponto de vista de imagem, portanto, Jair Bolsonaro – eleito
pelo inexpressivo PSL, sua nona filiação partidária – faz bem em governar sem
eles, ou ao menos em tentar passar a ideia de que não depende dos partidos. Só
que dificilmente vai conseguir.
Nas
primeiras semanas como presidente eleito, Bolsonaro ignorou solenemente
instâncias e representantes dos partidos que formam o establishment político,
inclusive os de centro-direita, que têm afinidade com ele e estão loucos para
entrar no governo. O DEM, por exemplo, fez dois ministros – Onyx Lorenzoni e
Tereza Cristina – sem que seu presidente, ACM Neto, ou qualquer outro
integrante da direção, fosse ouvido ou cheirado.
Com a
força – e a arrogância – dos recém-eleitos com milhões de votos, Bolsonaro não
chamou institucionalmente os partidos para conversar e segue formando o governo
à revelia deles. O máximo da concessão foi a conversa sobre a pauta da Câmara
com Rodrigo Maia, que quer se reeleger presidente da Casa mas não recebeu
qualquer sinal de apoio na empreitada – como seria razoável a um governo que
precisa ter maioria para reformas complicadas como a da Previdência.
O
presidente eleito acha que pode chegar a essa maioria por um atalho, as
bancadas temáticas, como as BBB – da Bíblia, do Boi e da Bala – que apoiaram
sua candidatura e agregam mais de duzentos deputados. Tereza Cristina, por
exemplo, é do DEM mas chega ao governo via bancada ruralista, a do Boi. Magno Malta
e outros evangélicos, por sua vez, cuidam do pessoal da Bíblia. E a turma da
Bala é da copa e da cozinha da família Bolsonaro. A
pergunta que não quer calar hoje é se essa nova modalidade de presidencialismo
vai funcionar. É possível que, nas primeiras votações – que podem incluir a
Previdência, se o governo tiver bom senso – o Congresso dê ao presidente o
crédito que os eleitos recebem nos primeiros tempos. Nesse início, os
parlamentares não dão murro na ponta da faca da opinião pública.
Mas é
enorme o risco de dar errado. Articuladores experientes lembram que os partidos
são os principais instrumentos da articulação parlamentar, a base sobre a qual
se organizam as decisões legislativas, seja na pauta do colégio de líderes, nas
reuniões de bancada, nas indicações para relatorias de projetos e comissões. O
poder, nos parlamentos, passa pelos partidos. É
louvável querer acabar com o toma lá dá cá, mas substituí-los por bancadas
temáticas ou grupos de interesse não é garantia de que as barganhas não vão continuar
ocorrendo – só que com outros intermediários.
Não é
nada desprezível a capacidade dos políticos tradicionais de se reorganizar
diante de ameaças assim, forjando alianças inusitadas e dando nó em pingo
d’água. Um belo dia, o presidente, que achava estar com a bola toda, acorda e
se vê nas mãos deles. Um conselho útil para Bolsonaro hoje seria ficar de olho
nos movimentos de Renan Calheiros e Rodrigo Maia. Ou, quem sabe, chamá-los para
um acordo.
Acima de
tudo, se o presidente da República quer acabar de verdade com o toma lá dá cá,
que o faça pelo caminho certo: mande logo um projeto ao Congresso com mudanças
imprescindíveis e necessárias no sistema eleitoral e partidário para reconectar
eleitores e eleitos. E use a força recebida nas urnas para lutar por sua
aprovação.
Helena
Chagas é jornalista
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