O ‘Posto Ipiranga’ disse aos empresários que o Brasil ‘virou um paraíso de burocratas e piratas privados’
Falando a uma plateia de empresários na Federação das Indústrias do Rio
de Janeiro, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, fez o principal
pronunciamento político do novo governo: “O Brasil, um país rico, virou
um paraíso de burocratas e piratas privados”. Na mesma ocasião, avisou:
“A CUT perde e aqui fica tudo igual? Tem que meter a faca no Sistema S
também.”
Falou em corda numa casa de enforcados, pois todas as federações das
indústrias são alimentadas pelo ervanário que o Sistema S arrecada
mordendo as folhas de pagamento das empresas. Em 2017, foram R$ 16,5
bilhões e, na conta de quem entende, pode-se estimar que o desperdício
chegue a 30%, com mordomias, obras suntuosas, contratos de consultorias y
otras cositas más. Guedes avisou que, com uma boa conversa, esse seria o
tamanho do corte. Sem conversa, prometeu uma facada de 50%. Na plateia,
riram e aplaudiram.
[um detalhe: Antonio José Domingos de Oliveira Santos 'reinou' na presidência da Confederação Nacional do Comércio - 'holding', chamemos assim, de todo o Sistema S vinculado ao comércio por 38 anos e não foi substituído pelo tempo de reinado e sim por estar com apenas 91 anos de idade.
Antonio Oliveira Santos foi o mais longevo ditador brasileiro, quiçá da América Latina
Democracia e alternância no poder são expressões
inexistentes no vocabulário do presidente da Confederação Nacional do
Comércio (CNC), Antônio Oliveira Santos. Aos 91 anos de idade, há incríveis 38 anos ele está à frente da entidade que abriga o Sesc e o Senac.]
Por que riram, não se pode saber. Pode ter sido por boa educação,
sabedoria, ou ainda porque diante de um ministro que assumirá com plenos
poderes, rir é o melhor remédio. Jair Bolsonaro administrará um país cujo PIB per capita cresceu apenas
1,1% nos últimos 20 anos, e Paulo Guedes promete revolucionar sua
economia. Pode-se estimar que ele assumirá o “Posto Ipiranga” com
poderes prometidos que só o professor Antônio Delfim Netto teve. Sem o
cajado do Ato Institucional nº 5, a caneta de Guedes terá menos tinta
que a de Delfim. Mesmo assim, o ex-ministro é um bom mestre. Primeiro,
vale visitar sua opinião sobre o empresariado nacional.
“Você tem dois grupos de empresários. O primeiro vem ao teu gabinete e
pede redução dos impostos, perdão das dívidas e reserva de mercado. Você
manda eles lamberem sabão (versão edulcorada), batem os calcanhares,
dão meia-volta e vão trabalhar. O segundo bate os calcanhares, vai para a
antessala e pede uma nova audiência. No dia de hoje, as chances de
êxito deste grupo podem ser estimadas em 60%.” Uma parte do pessoal que riu quando Paulo Guedes prometeu cortar 30% do
ervanário do Sistema S está no segundo grupo descrito por Delfim. Eles
já viram muitos ministros anunciando reformas liberais ou mudanças na
caixa do Sistema S e sabem que isso ficou na parolagem. O último foi
Joaquim Levy.
A partir do dia 2, Paulo Guedes terá que lidar com as manhas da turma
que dá meia-volta e pede uma nova audiência, a ele ou a algum
parlamentar que deverá votar as reformas propostas por Bolsonaro. O
projeto da dupla ainda é uma salada de frutas, e parte de suas propostas
precisará do Congresso. Se eles aprovarem 75% do que pretendem, ainda
assim farão uma revolução no capitalismo brasileiro. Se forem travados,
terão que se contentar com uma margem em torno de 25%. Bolsonaro fez uma campanha vitoriosa atacando sufixos como o
bolivarianismo, o ativismo e, acima de tudo, o petismo. Daqui a poucas
semanas, terá que lidar com os verdadeiros interesses que ora produzem
progresso, ora preservam o atraso. Guedes foi bonzinho quando disse que o
Brasil “virou um paraíso de burocratas e piratas privados”. Virou?
Na imponente entrada do edifício da Associação Comercial do Rio de
Janeiro, há dois grandes bustos. Um é o do Barão de Mauá, o patrono da
indústria nacional. Ele faliu. O outro é o do Visconde de Cayru, o
primeiro professor de “ciência econômica” do Brasil. Estudou em Coimbra
(uma Harvard da época), mas aposentou-se aos 50 anos. Nunca deu uma aula
e sua família pediu duas pensões ao Império. Filho de um mestre de
obras, nunca produziu um prego.
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