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segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

A política dos perdedores

 Derrotados nas eleições tentam manter influência no jogo político


O escritor e jornalista britânico George Orwell dizia que a história é contada pelos vencedores. Ouvir os perdedores, no entanto, ajuda a compreender o fim de um ciclo no Brasil, que varreu nomes históricos (ao menos temporariamente), levou a uma renovação de 53% na Câmara e de 85% no Senado e inaugura, no período pós-eleições de 2018, um novo cenário político.

Na campanha eleitoral pautada pela rejeição a partidos, a políticos tradicionais e ao sistema vigente, venceu quem teve o menor descrédito e ocupou o vácuo de um centro que se esvaziou. Os perdedores foram, portanto, elemento definidor nos resultados das eleições, a começar da Presidência da República.  “Noventa milhões não votaram em [Jair] Bolsonaro, mas é preciso fazer um registro importante: 100 milhões não votaram no PT. Ou seja, o presidente foi eleito porque sua rejeição foi menor do que a petista”, afirma o analista político Carlos Melo, professor do Insper. Octavio Amorim Neto, professor titular da Fundação Getulio Vargas do Rio, emenda: “No desabamento completo do centro político brasileiro, quem preencheu o vácuo foi Bolsonaro”.

O fato de os perdedores estarem sem mandato não os tira do jogo a partir de agora. Alguns nomes, por meio de seus partidos e possíveis articulações e composições, funcionarão como peso e contrapeso, moldando as condições de governabilidade e a capacidade de sucesso do novo governo.  O jogo começará efetivamente no dia 1º, quando toma posse o novo Congresso. “Como teremos uma Câmara absolutamente fragmentária e um Senado que renovou 85%, haverá uma inexperiência brutal”, afirma Ciro Gomes, candidato [sempre] derrotado à Presidência da República pelo PDT e que integra o bloco de oposição. “Se fizermos um movimento competente, poderemos forçar Bolsonaro ao jogo democrático. Estimulá-lo, mas ao mesmo tempo garantir, se for necessário, a imposição desse jogo a ele. E é disso que nós estamos cuidando.”

O “nós” incluía, até o mês passado, PSB, PCdoB, PDT e Rede, que conta com apenas um deputado, mas cinco senadores. Após a derrota acachapante de Marina Silva na eleição presidencial de 2018, o Rede, de futuro incerto, cogita uma fusão com o PPS, assunto que será tema de congresso do partido a ser realizado neste mês. “Diante de riscos imediatos pela invocação que Bolsonaro faz contra questões muito importantes no processo político e civilizatório de qualquer nação, há necessidade de fazer uma oposição democrática”, diz Marina. Para ela, trata-se de não sabotar ou torcer pelo “quanto pior, melhor”. “Oposição contribui para o governo sendo oposição”, resume.

Ciro diz que quer fazer oposição em outro plano. Não em cima do desastre, porque o desastre não me ajuda. O desastre ajuda a fortalecer quem deu a Bolsonaro essa vitória, o PT.” Ele afirma que aceitaria apoiar a reeleição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), desde que haja um compromisso com três agendas centrais: garantir a democracia, perseguir o interesse nacional e proteger os pobres, temas de um livro de sua autoria, que estava sendo finalizado em dezembro. “Quer dizer que Maia tem de romper com Bolsonaro? Não, [quem diria] isso é o PT! Achamos completamente legítimo que Maia dialogue com o presidente da República.”

Marina Silva defende que não se deve ter uma ansiedade tóxica sobre quem comandará a oposição. “Não precisa ter um centro fixo para um partido, para uma liderança. Senão você enfraquece a própria ação”, diz a professora e ex-candidata que retomou a rotina de aulas e palestras. Ela entende a frente como “um processo multicêntrico de contribuições”, ou seja, “em alguns momentos haverá alguém que terá uma fala com maior legitimidade, e essa fala se intercalará com outras”.

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Nesse contexto, Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora aposentada do Departamento de Ciência Política da USP, lembra que o presidente Bolsonaro formou seu ministério sem negociar com os partidos que o apoiam, cumprindo uma promessa de campanha. Cita estudos de Octavio Amorim Neto, segundo os quais governos compostos dessa maneira, independentemente da qualidade dos escolhidos, são mais frágeis e sujeitos a crise na medida em que não possuem uma base firme no Legislativo. “Foi o que aconteceu no final do governo João Goulart e durante o governo Fernando Collor, dois presidentes que não completaram seu mandato”, afirma.

“No começo, governar assim é perfeitamente possível. Jânio Quadros fez isso, Fernando Collor fez isso. Mas, a partir de um certo momento, os presidentes vão sentindo a necessidade de uma integração maior com o poder político, com o Congresso Nacional”, diz o veterano Edison Lobão (MDB-MA), que acumulou 32 anos de mandatos no Congresso, governou o Estado do Maranhão, foi ministro em dois governos, presidiu o Senado Federal – e não se reelegeu senador em outubro.
Em seu currículo consta também a Emenda Lobão, que restabeleceu as eleições diretas de governadores e senadores a partir de 1982, mas ele mesmo se absteve na votação das Diretas-Já para Presidência da República por considerar que “era necessário haver mais segurança na consolidação do processo”. Hoje, diante da gestão Bolsonaro, Lobão questiona: “Quero saber até que ponto o presidente conduzirá o governo com essa linha de atuação”.

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“Não esqueçamos que o desgaste de Dilma [Rousseff] começou na noite da apuração e só foi aumentando até a posse.”
Segundo pesquisa do Datafolha, no entanto, 65% dos entrevistados acham que a situação econômica do Brasil vai melhorar nos próximos meses, ante apenas 23% que diziam isso no levantamento anterior, de agosto de 2018. É o mais alto índice de uma série histórica que começa em 1997, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).  Segundo pesquisa CNI/Ibope, a expectativa de 64% dos brasileiros é de que governo Bolsonaro será ótimo ou bom. Desse percentual, 39% dizem acreditar que a futura administração será ótima e 25%, boa. Para 18%, o governo será regular; para 4%, ruim; e para outros 10%, péssimo.


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“Se, por exemplo, a gestão de Wilson Witzel [PSC-RJ, eleito governador do Rio] der errado rapidamente, não é impossível que eleitores voltem a sentir saudades do MDB, que teve Eduardo Paes como candidato derrotado à reeleição. Além disso, quadros relativamente novos, como os ex-senadores Lindbergh Farias [PT-RJ] e Vanessa Grazziotin [PCdoB-AM] têm mais chance de retornar”, afirma Amorim. [Lindbergh Farias e Grazziotin, foram cassados pelo povo e tem tantas chances de voltar quanto outra escarrada: Dilma Rousseff.]

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Trata-se, a seu ver, de um fenômeno capaz de alterar instituições e configurações de liderança. Mais que fechar ciclos, essas mudanças provocam a necessidade de transição geracional. “Quem será o próximo líder do PT em dez anos? Não será Lula, e ninguém pode garantir que será [o candidato derrotado à Presidência Fernando] Haddad. Aliás, não se pode nem mesmo garantir que haverá PT nos próximos dez anos. Mas há dez anos você podia garantir que o PT continuaria existindo”, afirma. [se vivo estiver Lula será um fantasma arrastando tornozeleira eletrônica.]
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Matéria completa, em Valor Econômico




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