O Brasil tem lições a dar ao mundo, com a experiência fracassada da política industrial do governo Dilma
As guerras comerciais, como a travada entre a China e os EUA, sempre
suscitam bastante atenção. O protecionismo, ao expor rivalidades, é
terreno fértil para especulações a respeito do impacto macroeconômico e
dos desdobramentos geopolíticos, sobretudo quando os países envolvidos
são as duas maiores economias do planeta. Já as guerras industriais, ou
os embates entre políticas industriais, têm recebido muito menos
atenção, ainda que os efeitos possam ser tão perigosos para a
estabilidade global quanto o das guerras comerciais. O exemplo mais
claro disso é o desprezo com que foi tratada a recente política
industrial da Alemanha delineada pelo Ministro da Economia Peter
Altmaier.
Há um mês, o ministério da econômica alemão publicou documento
intitulado “Estratégia Nacional para a Política Industrial 2030”,
claramente como uma resposta à política industrial chinesa conhecida
como Made in China 2025 de Xi Jinping anunciada em 2015. A proposta
chinesa pretende acelerar o crescimento da indústria tecnológica por
meio de metas setoriais, subsídios e crédito direcionado que somam
centenas de bilhões de dólares, e o apoio intensivo de empresas
estatais.
Desde o anúncio, a política industrial chinesa tem suscitado muita
preocupação entre países desenvolvidos pelos efeitos que pode vir a ter
nos setores de alta tecnologia mundo afora. As ambições da China também
são vistas com extrema desconfiança, já que as práticas para produzir os
resultados pretendidos são opacas e podem aumentar substancialmente os
riscos de roubo de propriedade intelectual. Foi em resposta a esses
riscos que a Alemanha anunciou seu próprio plano, espécie de retaliação,
ou estratégia defensiva, contra a China. Antes de pincelar os pontos principais do plano alemão é importante ter
em mente que Peter Altmaier não é um nacionalista ferrenho, tampouco
membro de algum partido extremista. Ao contrário, ele é filiado ao
partido de centro-direita da primeira-ministra Angela Merkel, o CDU.
Contudo, o documento elaborado por ele e sua equipe contém altíssimo
teor nacionalista.
Ao tecer diagnóstico de que a indústria alemã poderia ter tido
desempenho melhor nos últimos anos e enfatizar que o país, ao contrário
dos EUA e do Japão, pouco fez para alavancar os setores de tecnologia de
ponta – como a robótica e a inteligência artificial – o documento
enumera medidas para reverter esse quadro e introduzir a Alemanha como
potência na “economia da internet”. A proposta está estruturada em torno de cinco prioridades: defender a
atividade industrial; exigir que as empresas europeias participem apenas
das cadeias de valor europeias; promover campeões nacionais relaxando
as leis de concorrência da União Europeia e lançando mão de crédito
subsidiado, desonerações para setores específicos, além de outras
medidas; defender a intervenção estatal para impedir que empresas locais
sejam adquiridas por investidores estrangeiros; facilitar a intervenção
direta do Estado na economia, com o objetivo de prover apoio financeiro
e o desenvolvimento dos setores desejáveis.
O documento insiste que o livre comércio e o multilateralismo serão
preservados, contudo, as prioridades elencadas indicam o oposto. Por
exemplo, se as cadeias de valor europeias forem reservadas apenas para
as empresas europeias, naturalmente barreiras ao comércio terão de ser
erguidas – seja por meio de tarifas ou de outras medidas. A defesa de
grandes campeões nacionais também exigiria não apenas o afrouxamento das
políticas de concorrência, como possíveis entraves ao comércio e ao
investimento internacionais, bem como a restrição para a aquisição de
empresas locais por estrangeiros.
O cunho nacionalista da proposta para a nova política industrial alemã é
inegável, uma vez que define o desempenho da economia do país europeu
no futuro, em termos de uma corrida global pela supremacia industrial e
tecnológica. Caso outros países avançados decidam seguir essa mesma
linha, as chances de termos uma imensa balbúrdia mundial com
consequências econômicas e geopolíticas altamente indesejáveis é enorme. O Brasil tem lições a dar ao mundo com a experiência fracassada da
política industrial do governo Dilma. Problemas fiscais, corrupção
endêmica associada à promoção de campeões nacionais, crises econômicas,
políticas e institucionais. Infelizmente, o mundo não está nos ouvindo,
pois, nossa perda de relevância é contínua e a força do nacionalismo é
arrebatadora.
Monica de Bolle - O Estado de S. Paulo
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