Acusados recorrem a uma série de manobras
protelatórias, e, no extremo, até à fuga do país, para retardar o cumprimento
da pena
Entre uma tentativa e outra de
prisão, o que não falta é manobra protelatória
para evitar que criminosos parem atrás das grades. Não bastasse a lentidão dos processos no país, há quem lance mão de um outro
subterfúgio: uma passagem só de ida para o exterior, de preferência um
destino que não tenha acordo de extradição com o Brasil. Condenados por corrupção fazem todo tipo de ação para evitar o
cumprimento da pena: trocar de advogados no meio do processo para adiar um
julgamento, entrar com uma infinidade de recursos e também jogar com a
possibilidade de prescrição.
Em meio à
sensação de impunidade à corrupção, o escândalo do Tribunal Regional do
Trabalho de São Paulo (TRT-SP), em 1998, cuja construção envolveu um desvio de
R$ 3,1 bilhões, pode até parecer um caso de sucesso, assim como a Lava-Jato. Afinal de contas, mandou para a prisão seus
dois principais alvos: o juiz Nicolau dos Santos
Neto e o ex-senador Luiz Estevão. Mas um dos envolvidos, o empreiteiro José Eduardo Ferraz, da
Incal, só foi preso no último dia 20 de setembro.
Quase 20
anos depois do escândalo, o empresário
dispensou os advogados duas vezes às vésperas de sua condenação na segunda
instância, em 2015, conseguiu anular uma
das sentenças e, quando o mandado de prisão foi expedido, no ano passado, passou 11 meses foragido até ser preso
semana retrasada na Marginal Pinheiros.
Seu caso
se junta a muitos outros processos de autoridades em crimes de colarinho branco
no Brasil. Quem tem cargo político sai na frente. Os políticos possuem foro
privilegiado e são julgados apenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF): em mais
de três décadas de existência desde a redemocratização, foram 17 condenações de
políticos e, dos mais de 700 mil presos, menos de 1% continua atrás das grades
por crimes contra a administração pública, segundo relatório de 2016 do
Conselho Nacional de Justiça.
Privilégios
na casta da República
Procurador
da força-tarefa da Lava-Jato, Diogo Castor de Mattos, admite a preocupação com
a possibilidade de que alguns casos da Lava-Jato terminem impunes.
— O risco
sempre existe, principalmente casos que estão fora dos holofotes, esses que
admitem recursos dos recursos dos recursos, principalmente se for revisto —
disse.
Ex-advogado
ligado à Odebrecht, Rodrigo Tacla Duran vem escapando das mãos da operação: com
mandado de prisão expedido em novembro de 2016, viajou para a Espanha, onde até
chegou a ser detido. Mas o pedido de extradição foi negado pelo país europeu e
seus processos na Lava-Jato estão parados.
Mesmo
quando o STF condena, a sentença demora a ser cumprida. A primeira condenação
criminal de um caso de corrupção no STF foi a do deputado federal José Gerardo
de Oliveira Arruda Filho, do Ceará, pelo desvio de R$ 500 mil de um convênio
federal quando era prefeito de Caucaia, em 2010. Os recursos se amontoaram. A
Corte chegou a decidir sobre um embargo declaratório no segundo agravo
regimental nos embargos infringentes impetrados pela defesa do ex-prefeito: em
outras palavras, o recurso do recurso do recurso. E José Gerardo sequer
cumpriria pena na prisão, mas apenas serviços comunitários, já que foi
condenado a dois anos. Mesmo assim, adiou a pena por seis anos: só passou a
cumpri-la em maio do ano passado. — As
garantias aos réus são focadas na casta da República, nos políticos, tratados
com privilégios que as pessoas comuns não têm — diz Marcelo Figueiredo,
professor de Direito da FGV.
O caso do
deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) segue pelo mesmo caminho. O STF o condenou
em maio por crimes cometidos na década de 1990, quando era prefeito de São
Paulo. No entanto, o deputado permanece livre e atuante na Câmara. Desde o
momento em que o caso foi recebido pelo Supremo, em 2011, até a condenação,
seis anos se passaram.
As
manobras processuais para adiar as decisões judiciais foram a forma que o
empresário José Eduardo Ferraz usou para evitar a prisão: primeiro, dispensou
seus advogados na véspera da sessão de julgamento na segunda instância, o
Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), em 2006. Respondendo em
liberdade, alegou ao STF que houve cerceamento de defesa pela falta de
advogados. O recurso só foi julgado oito anos depois e aceito pelo Supremo, que
anulou a condenação. O novo julgamento ficou marcado para 15 de setembro de
2015. Um dia antes, Ferraz novamente dispensou seus advogados e a sessão foi
adiada. O novo julgamento resultou na condenação por peculato, estelionato,
corrupção ativa e uma pena de 22 anos de prisão em regime fechado. Nesse
julgamento, o empresário escapou das penas por formação de quadrilha e uso de
documento falso, prescritas. Ferraz tem um recurso no STJ que espera
julgamento, no qual cobra a prescrição dos outros crimes.— Não
houve manobra processual, haja vista que o Supremo Tribunal Federal anulou o
julgamento — diz seu advogado, Eugênio Malavasi.
Se a demora
do STF para julgar processos favorece alguns réus, outros preferiram sair de lá
para tentar adiar condenações. Foi o caso do ex-senador Eduardo Azeredo
(PSDB-MG). Em 2014, envolvido no escândalo do mensalão mineiro, renunciou ao
mandato para que o processo fosse remetido à primeira instância. Condenado este
ano, responde em liberdade enquanto os recursos são julgados. Ano que vem,
Azeredo completa 70 anos, e os prazos de prescrição cairão pela metade. O
tucano poderá escapar caso o processo não transite em julgado até setembro de
2018.
Heloísa
Estellita, professora da FGV, ressalta que não é possível dizer que os crimes
de colarinho branco ficam impunes no Brasil. — Não
temos os dados, infelizmente. Saber quantos processo desse tipo há no Brasil,
quantas pessoas foram condenadas. Só assim é possível afirmar algo. Ninguém
quer injustiça célere também — afirmou.
Para
Marcelo Figueiredo, um dos motivos para a sensação de impunidade é a noção de
que a corrupção é um crime menos perigoso. — Não há comoção social com a corrupção. As
pessoas não se chocam com ela como com outros crimes. Isso torna tudo mais
fácil no sentido dos réus — diz Diogo Castor de Mattos.
Fonte: O Globo