Valor Econômico
Projeto patrocinado por Rodrigo Maia enfraquece democracia
Com a exceção de Jair Bolsonaro, nenhum político brasileiro se
beneficiou tanto da avalanche antissistema gerada pela combinação
explosiva entre a Operação Lava-Jato, o impeachment de Dilma e a severa
crise econômica quanto Rodrigo Maia. [a sorte faltou para o ex-quase primeiro-ministro na área policial, já que em agosto passado, foi indiciado pela PF por envolvimento com propina - seu nome nos códigos de propina da Odebrecht é 'botafogo'.] Eleito presidente da Câmara em
14/7/2016 após a queda de Eduardo Cunha, desde então o deputado do Rio
tem mostrado habilidade para se perpetuar no comando da agenda
legislativa e cair nas graças do mercado.
Rodrigo Maia consolidou-se como figura central no tabuleiro político
brasileiro ao ocupar dois vácuos de poder. Sobrevivente em uma eleição
que ceifou os mandatos de dezenas de figurões da política tradicional,
Maia é um dos parlamentares mais experientes na atual legislatura. Em
seu 6º mandato federal consecutivo e diante de parlamentares novatos ou
de baixo clero, vale o ditado de que “em terra de cego, quem tem um olho
é rei”. [só que a votação de Maia é mínima, tanto que nas eleições 2018, foi reeleito deputado com pouco mais de 70.000 votos - menos um sexto do total obtido por Jair Bolsonaro, em 2014, nas eleições para o mesmo cargo e mesmo estado.]
Maia também tem ampliado sua estatura política aproveitando-se do novo
estilo de governar de Bolsonaro. Ao contrário dos presidentes
anteriores, o atual ocupante do Palácio do Planalto abre mão do controle
da agenda legislativa no Congresso, e assim Rodrigo Maia tem assumido o
protagonismo na condução dos trabalhos, colhendo os louros da aprovação
de medidas como a reforma da Previdência.
Tratado como “primeiro-ministro”, queridinho do mercado e cortejado para
ocupar chapas presidenciais em 2022, Rodrigo Maia tem posado de
estadista ao fazer frente aos arroubos autoritários de Bolsonaro,
defender o equilíbrio fiscal e levar adiante propostas legislativas
liberalizantes. Nas últimas semanas, porém, o presidente da Câmara
revelou a sua face mais retrógrada ao liderar a aprovação do pacote de
medidas que fragilizam o controle e a transparência nas eleições.
Rodrigo Maia foi o principal responsável pela articulação em torno do PL
nº 11.021/2018, concebido na surdina com os líderes dos maiores
partidos (do PT ao PSL, passando por DEM, MDB, PSDB e todo o Centrão) e
aprovado em plenário a toque de caixa de um dia para o outro. Em
seguida, diante da recusa do Senado em aceitar esse grande retrocesso
para a lisura das eleições no Brasil, Maia ignorou a pressão da
sociedade e comandou a aprovação de uma versão suavizada do projeto -
que ainda assim abre muitas brechas para o mau uso de recursos, a
ocorrência de laranjas e a vedação a candidatos ficha-suja.
Ao justificar o projeto de lei, Maia defendeu a manutenção dos valores
do fundo eleitoral (que foram de R$ 1,7 bilhão em 2018, além de mais R$
800 milhões do fundo partidário) afirmando que “nós não podemos achar
que todos os políticos têm condições de financiar suas eleições com
pessoas físicas, principalmente de renda mais alta”. Na sua visão “o
fundo eleitoral dá uma equilibrada mínima no processo eleitoral, [pois] a
democracia precisa ter investimento, mas o custo é bem menor do que se a
gente estivesse num regime autoritário”.
Rodrigo Maia fala com propriedade sobre financiamento eleitoral. Nas
últimas eleições, ele conseguiu captar R$ 1,8 milhão para financiar sua
campanha. 40% desse volume veio dos fundos eleitoral e partidário do DEM
- e o atual presidente da Câmara foi um dos maiores agraciados no Rio
de Janeiro. O restante das suas despesas de campanha foi bancado por
três dos maiores investidores eleitorais do país em 2018: Carlos
Jereissati, dos grupos Iguatemi e Oi, que doou a Maia R$ 500 mil, Salim
Mattar (Localiza, atual secretário especial de Paulo Guedes), com R$ 200
mil e Josué Christiano Gomes da Silva (Coteminas, filho do ex-vice
presidente José Alencar), com mais R$ 200 mil.
O presidente da Câmara está certo ao diagnosticar que nosso sistema
eleitoral tem um preço alto - nossas eleições são disputadas em
territórios muito grandes e a proliferação de partidos frágeis torna a
campanha muito personalista, demandando, portanto, muito dinheiro para
que um candidato se destaque em meio a milhares de adversários. Porém,
ao defender a manutenção do fundo eleitoral e deixar de propor qualquer
limite individual às doações de grandes empresários, Maia favorece a si
mesmo e a seus pares. Afinal, a falta de regras de governança quanto à
aplicação do dinheiro beneficia as oligarquias partidárias (das quais
ele faz parte) e a possibilidade de que os mais ricos doem volumes
milionários privilegia os candidatos mais bem conectados com as elites
econômicas (como o próprio Maia).
Também não se sustenta seu argumento de que as eleições do ano que vem,
por serem realizadas em mais de 5 mil municípios, exigem recursos
públicos bilionários. Em 2012, quando grupos como Odebrecht e JBS
levavam a níveis estratosféricos sua estratégia de injetar recursos em
campanhas para obter favores governamentais, as despesas totais de
candidatos a prefeitos e vereadores em todo o Brasil giraram em torno de
R$ 6 bilhões em valores atuais. Quatro anos depois, com a proibição de
contribuições empresariais e ainda antes da criação do fundão eleitoral,
foram R$ 3,4 bilhões - uma redução de 44% no custo total das campanhas,
sem nenhuma evidência de dano para a democracia.
Enquanto Rodrigo Maia amplia seu prestígio político (suas eleições para
presidente da Câmara tiveram, respectivamente, 285, 283 e 334 votos),
seu sucesso nas urnas tem minguado: em 2006 ele obteve 235.111 votos e
em 2018 apenas 74.232. Esse é um dos motivos pelos quais a maioria da
classe política brasileira tanto se movimentou, nas últimas semanas,
pela aprovação do projeto de lei que flexibiliza as regras de controle e
transparência nas campanhas eleitorais. O fantasma das eleições de 2018
ainda assombra os velhos caciques partidários.
Para firmar-se como um grande estadista, Rodrigo Maia deveria apoiar-se
em evidências empíricas e nas boas práticas internacionais para liderar
um movimento de aprimoramento de nosso sistema eleitoral. Para renovar
verdadeiramente a política, precisamos de maior transparência,
democracia partidária e melhores condições de competitividade em nossas
eleições - e isso é justamente o contrário do que o PL nº 11.021/2018,
aprovado na última semana, oferece.
Bruno Carazza, mestre em economia,
doutor em direito - Política, Valor Econômico
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