Carlos Andreazza
O Supremo fulanizado
É urgente
que o Supremo Tribunal Federal tire a boca dos microfones, baixe a luz dos
holofotes na corte e bote a bola no chão. Bola no chão equivale à fuça nos
códigos e tão somente nos códigos. A
instituição – a guardiã da Constituição Federal – que deveria trabalhar pela
estabilidade só jogará gasolina na fogueira insistindo em decidir com base em
fulanização.
Primeiro
ato de desintoxicação: extinguir o inquérito bizarro – na prática, ferramenta
de intimidação – instaurado por Dias Toffoli e tocado por Alexandre de Moraes.
Sem fato determinado, sem objeto definido de investigação, estabelecido de
ofício, sigiloso e ad eternum, já serviu até para censurar revista. Não
tardaria até que promovesse busca e apreensão como resposta a um crime que
alguém apenas imaginou cometer. Não dá... Por que o mandado de busca e
apreensão? Por Janot (cuja atuação pública é rica em atos a serem investigados)
haver incitado a violência contra uma autoridade? Por essa razão, bem, ter-se-á
de agir contra boa parte da sociedade...
Vejamos o
caso da votação, ainda aberta, sobre se réus delatados devem ter mais prazo
para alegações finais do que os réus delatores. É um debate complexo, técnico.
Pertinente. Necessário mesmo. Penso, aliás, que o STF acertou; que, sim, o réu
delator, ao se associar à acusação, passa a ter privilégios em relação ao
delatado, sendo natural que este tenha mais tempo para se defender em relação
ao que lhe imputa aquele. O STF acertou no mérito. Mas errou – ou vai (vem)
errando – barbaramente na forma, nos modos.
Em vez de
fundarem o debate nos detalhes impessoais concernentes à lei, os ministros
levam sempre a discussão para o terreno da política miúda corrente. Um convite
à partidarização. Tem sido assim nos últimos anos; e é um desserviço. Então,
por exemplo, vimos Gilmar Mendes clamar – como argumento para convencer os
pares e substanciar o voto – por que os juízes honrassem as próprias calças
frente aos excessos da Lava-Jato, como se aquela votação devesse ser um ato de
forra contra procuradores de Curitiba. E vimos Roberto Barroso, de outra parte,
a fazer, novamente, proselitismo lavajatista, com a história do combate à
corrupção como obra de uns poucos e trabalho sempre sob ameaça, sendo os que
não concordam com ele – os que consideram, tecnicamente, que réus delatados
devem se defender depois dos delatores – os inimigos da luta contra o crime de
colarinho branco.
Nós
contra eles também no Supremo!? Sério? Onde pensam em chegar com isso? Já não
estaremos em mui baixo lugar? Continuamente,
parece que tudo quanto se decide no Brasil tem Lula como centro. (E, se é para
politizar, lembro que isso – essa ode ao personalismo –só é bom para dois
indivíduos: Lula e Jair Bolsonaro.)
Para a
próxima quarta, a ideia de se discutir a modulação, o tom, do que foi decidido
na semana passada projeta outro espetáculo de politização sobre os escombros de
nosso ordenamento jurídico. Porque, claro, os ministros o farão pensando em
casos concretos; em poupar Lula, em evitar Lula, em beneficiar Lula; em teses
próprias com base em pessoas. Uns pedindo anulação de tudo para dar uma lição
na Lava-Jato; outros, para poupar a Lava-Jato, propondo que o entendimento (que
não tem efeito vinculante) só valha de agora em diante; e Dias Toffoli
preocupado com um meio termo que não beneficie Lula e não exponha o STF.
Tudo
fulanizado. Tudo vergonhoso.
Carlos Andreazza, jornalista - Coluna em O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário