Talvez agora fiquem explicitadas algumas ações do então procurador-geral, não apenas incompativeis com o cargo, mas que escapavam a qualquer senso de racionalidade
O Ministério Público é “instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”, diz a Constituição. Pois bem, para assombro de toda a
Nação, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, transcorridos
mais de dois anos, veio a público dizer que compareceu a uma sessão do
Supremo Tribunal Federal (STF) armado e com a intenção de matar a tiros o
ministro Gilmar Mendes. “Não ia ser ameaça não. Ia ser assassinato
mesmo. Ia matar ele (Gilmar) e depois me suicidar”, afirmou Rodrigo
Janot.
“Cheguei a entrar no Supremo (com essa intenção)”, relatou o
ex-procurador ao Estado. “Ele (Gilmar) estava na sala, na entrada da
sala de sessão. Eu vi, olhei, e aí veio uma ‘mão’ mesmo. (...) Foi a mão
de Deus”, disse Rodrigo Janot, explicando a razão de não ter
concretizado sua intenção. Ainda que Rodrigo Janot tenha se aposentado do Ministério Público
Federal em abril, sua confissão não é apenas um assunto pessoal, a
recomendar atenção com sua saúde mental. A revelação de que se preparou
para matar um ministro do STF pode bem ser, por si só, uma ameaça.
Afinal, qual poderia ser o objetivo de Rodrigo Janot para trazer a
público essa faceta violenta de sua personalidade, depois de tanto
tempo?
Além do eventual objetivo de intimidar algum desafeto, a confissão de
Janot joga luzes sobre o período em que esteve à frente da
Procuradoria-Geral da República (PGR). Talvez agora fiquem mais
explicitadas algumas ações do então procurador-geral da República, não
apenas incompatíveis com o cargo, mas que escapavam a qualquer senso de
racionalidade.
Na tarde de 4 de setembro de 2017, por exemplo, dias antes de deixar a
chefia da PGR, Rodrigo Janot convocou uma coletiva de imprensa para
dizer que o órgão que chefiava havia recebido no dia 31 de agosto uma
gravação com conteúdo gravíssimo, que poderia levar à rescisão do acordo
de delação premiada com os executivos da J&F. “Áudios com conteúdo
grave, eu diria, gravíssimo, foram obtidos pelo Ministério Público
Federal na semana passada, precisamente quinta-feira, às 19 horas. A
análise de tal gravação revelou diálogo entre dois colaboradores com
referências indevidas à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo
Tribunal Federal”, disse Rodrigo Janot.
Imediatamente, a então presidente do STF, ministra Cármen Lúcia,
solicitou a abertura de uma investigação, que depois viria a concluir
que, nas gravações mencionadas por Janot, não havia referências
indevidas a ministros do STF. Quem ficava mal nas gravações era a PGR.
Simplesmente era falsa a informação prestada pelo então procurador-geral
da República.
Meses antes, em maio de 2017, o País havia sido agitado pela informação
de que haveria uma gravação, feita por Joesley Batista, com prova
inequívoca de suposta anuência do então presidente Michel Temer à compra
do silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro. Quando o inteiro teor da
gravação foi revelado, não se encontrou a tal prova inequívoca. Mesmo
assim, Rodrigo Janot ainda apresentaria duas denúncias contra Michel
Temer. Ainda que a Câmara dos Deputados não tenha encontrado em nenhuma
das duas denúncias elementos suficientes para autorizar o prosseguimento
da ação penal contra o presidente da República, o País sofreu os
efeitos deletérios das manias do então procurador-geral da República
que, agora reconhece, precisamente naquele período, não apenas nutriu
intenções assassinas e suicidas, mas chegou a preparar, com atos
concretos, a execução de seus íntimos desejos.
Rodrigo Janot foi nomeado procurador-geral da República pela presidente
Dilma Rousseff, que seguiu a primeira indicação feita pela Associação
Nacional dos Procuradores da República (ANPR). O caso mostra, com
espantoso realismo, os riscos da obediência à tal lista tríplice. [PARABÉNS!!!!! Presidente Bolsonaro, por ter descartado a tal lista tríplice - o povo brasileiro agradece sua sábia decisão.]
Além disso, o imbróglio ilumina um princípio fundamental da República.
Para que o País não se torne refém do arbítrio e das eventuais loucuras
de pessoas investidas em cargos públicos, o remédio é sempre a lei, o
que inclui os dispositivos constitucionais de interdição de funcionários
sancionados pelo Senado. Quando outros critérios são aplicados à vida
pública, o efeito é desastroso.
Editorial - O Estado de S. Paulo
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