Blog do Josias
Wilson Witzel teve um domingo assombrosamente normal. Plugou-se às redes sociais antes do nascer do Sol. Às 5h, postou um "parabéns" à cidade de São Gonçalo, que faz aniversário de 129 anos. Celebrou o Dia Mundial Sem Carro. "Eu apoio essa iniciativa por um mundo sem poluição." E pendurou nas redes uma foto na qual aparece de costas ao lado de uma de suas filhas. "Minha filha, Beatriz, faz hoje a prova de ingresso para o Colégio Militar", anotou na legenda.
[dois lembretes:
- os três casos, lamentáveis, mencionados quarto parágrafo não ocorreram no governo Witzel;
- até o presente momento nada indica que a morte de Agatha tenha sido provocada por tiros disparados pela polícia.
O tão comentado aumento da letalidade policial é algo perfeitamente normal quando a polícia começa a trabalhar para valer no combate ao crime.]
Beatriz
Witzel, 11, é apenas três anos mais velha do que Ágatha Félix, 8, a menina que
foi morta por um tiro de fuzil, quando estava com sua mãe numa Kombi, durante
operação policial no Complexo do Alemão. Executada na noite de sexta-feira,
Ágatha foi sepultada neste domingo. Embora já fossem decorridos quase três dias
da tragédia, o governador fluminense manteve em relação ao tema um silêncio
tumular.
Por uma trapaça do destino, Ágatha foi conduzida à cova por sua família
no mesmo dia em que o pai de Beatriz levou-a para a escola. Produziu-se um
incômodo contraste entre o domingo normal de Witzel e a anormalidade decorrente
da política de segurança baseada no lema do "tiro na cabecinha". A
execução de mais uma alma inocente, de fulgurante jovialidade, é um
acontecimento do tipo que fere a rotina como uma lâmina fria, fazendo o
cotidiano escapar do controle. Ignore-se por um instante o tiro que matou
Ágatha, e fixe-se a atenção no que aconteceu antes e depois do disparo. Antes,
Witzel consolidou-se como narrador de uma nova era.
Disse coisas assim: "A
polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e… fogo!" Ou assim:
"Cova, a gente cava." Ou ainda: "Criminosos serão combatidos e
caçados nas comunidades." Depois, o silêncio. Banalizou-se o noticiário
sobre policiais entrando em bairros onde moram pessoas pobres, confrontando-se
com bandidos e matando "suspeitos". Em três casos extremos,
abateram-se, por exemplo, suspeitos de portar armas e drogas. Um carregava uma
furadeira. Outro, um guarda-chuva. Um terceiro levava na mochila um par de
chuteiras, uma sandália de dedo e R$ 85,00. Tudo isso antes do tiro que
transfixou o corpo de Ágatha. Depois, o silêncio de Witzel. Pode-se imaginar
que o governador não tenha perdido a loquacidade no ambiente familiar.
Cercada
de guarda-costas, Beatriz chegou da escola. E o pai-governador decerto
perguntou: "Como foi a prova, minha querida?" A menina talvez tenha
respondido: "Acho que fui bem, papai". Esse é um tipo de diálogo
banal que os familiares de Ágatha jamais poderão travar. Se a normalidade
reinante no cotidiano de Wilson Witzel tem alguma serventia é para demonstrar
que algo de muito anormal precisa acontecer no Rio de Janeiro e no Brasil.
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